O choro é livre

Projeto reúne velha guarda e nova geração em rodas de chorinho nas feiras de BH

Programação gratuita do 'A Praça do Choro é Nossa' começa neste domingo (9), no bairro Concórdia

Por Bruno Mateus
Publicado em 08 de janeiro de 2022 | 09:16
 
 
 
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Em 2019, o Regional da Serra, grupo formado por Daniel Nogueira (pandeiro), Daniel Toledo (violão sete cordas), Pablo Dias (cavaco) e Pedro Alvarez (flauta), levava o chorinho aos idosos de asilos municipais de Belo Horizonte. O projeto deu certo, a música rolou solta, mas o quarteto resolveu expandir. Naquele mesmo ano, surgiu a ideia de realizar rodas em feiras livres de diversas regiões da capital. Além da proposta de descentralizar e democratizar o acesso ao chorinho, o grupo tinha em mente algo que celebrasse a história e a memória do gênero, considerado o primeiro genuinamente brasileiro, em BH: reunir músicos da nova linhagem e personagens emblemáticos da velha guarda.

O projeto foi aprovado na Lei Municipal de Incentivo à Cultura, mas no meio do caminho tinha uma pandemia. Agora, com a retomada das agendas culturais na cidade, o Regional da Serra dá início ao “A Praça do Choro é Nossa”. Durante um mês (veja programação completa no fim da matéria), distintas gerações do chorinho belo-horizontino vão dividir a mesa em apresentações gratuitas para celebrar o estilo, o reencontro e o diálogo entre os artistas que contribuíram para o surgimento e fortalecimento do choro na capital e os que seguem e perpetuam o legado dos que outrora tocaram os primeiros acordes.

Neste domingo (9), na Feira Bairro da Graça, no bairro Concórdia, o Regional da Serra coloca na roda o cavaquinho de Zé Carlos, 88, e a flauta transversal de Marcela Nunes, 35.“Música é respeito em qualquer lugar. A gente expressa da nossa forma de sentimento com todo o respeito, então, por incrível que pareça, a gente não distingue quem é mais velho e quem é mais novo. Mas, lá no fundo do coração, a gente está incentivando e dando coragem à juventude tocar e estudar. Nós aprendemos muito com essa meninada”, comenta Zé Carlos. 

Maranhense, ele toca desde os 9 anos de idade, quando pegou o cavaquinho e nunca mais largou. Zé chegou à BH em 13 de fevereiro de 1952 - portanto, o festival também serve de celebração pessoal para um músico que há sete décadas se dedica a difundir o chorinho nos bares da cidade.

Em BH, Zé ganhou o apelido de Chorão. A alcunha vai além do termo que designa quem toca chorinho. “Ele tem essa expressividade de sentimento tão puro que ele chega a chorar, a emoção fica muito evidente. Ele chora tocando choro”, comenta Pedro Alvarez.

Para o flautista do Regional Serra, o projeto é a celebração dessa história de Zé Carlos, Geraldo Magela, Zito, Ausier Vinícius e Seu Mozart, falecido em 2015 e um dos criadores do Clube do Choro de Belo Horizonte, que ganha continuidade na nova geração representada por nomes como Juliana D'ávila, Marcela Nunes Sandra, Artur Pádua, Matheus Petrus e Juliana Perdigão, entre outros.

“Fomos recebidos pela velha guarda e a gente carrega um legado. A felicidade é mútua: eles veem que o que fizeram não está morrendo, pelo contrário, está crescendo por causa deles e do nosso aprendizado. Essa conexão entre as gerações é muito importante e criam uma coisa nova, um movimento cultural”, diz o flautista.

BH, cidade do choro

Nos últimos 10, 15 anos, a cena do choro em Belo Horizonte ganhou um novo fôlego, muito por conta de rodas que nasceram em bares e colocaram na mesma mesa músicos experientes e nomes da nova geração. O resultado dessa troca em rodas e espaços como Pedacinho do Céu, Bar do Salomão, Brasil 41, Choro da Mercearia e Roda Padreco foi uma renovação do chorinho e a popularização do gênero entre diferentes faixas etárias.

“É um fenômeno a cena do choro de BH, muitas rodas surgiram nos últimos anos. Não sei como está a cena no Rio e em São Paulo, mas acho que BH é o lugar que mais tem roda de choro no Brasil. Isso acontece muito também pela abertura e carinho que a velha guarda sempre teve conosco. Isso nos alegra e nos emociona”, observa Pedro Alvarez. Fruto dessa efervescência, o Regional da Serra, inclusive, se formou em 2015, mesmo ano em que a roda do Bar do Salomão teve fim, mas muitas outras pipocaram. 

A programação do “A Praça do Choro é Nossa” também abre as portas para as musicistas numa tentativa de ressaltar a presença feminino no choro de BH. Para Daniel Toledo, violonista do Regional da Serra, a renovação do gênero não é só musical, “mas também social, de conceitos, de visões sociais e políticas”.

A flautista Marcela Nunes faz coro: “É uma cena ainda desequilibrada, porque reflete aspectos da nossa cultura machista e segregadora, mas existe uma ocupação cada vez maior. Temos instrumentistas e compositoras maravilhosas”.

Segundo Marcela, levar a agenda do projeto às feiras livres da cidade é colocar o choro onde ele sempre esteve: perto do público. “O chorinho acolhe os músicos, é extremamente popular, está sempre vivo e em mudança. Nada mais justo que as rodas aconteçam nas feiras. E juntar isso com a velha guarda é muito especial: estamos aqui por causa dela”, sublinha a flautista.

Programação tem oficina de encerramento

O projeto “A Praça do Choro é Nossa” começa amanhã, às 10h, na Feira Bairro da Graça (rua Itapegipe, 882, bairro Concórdia). O grupo Regional da Serra recebe Marcela Nunes (flauta) e Zé Carlos (cavaquinho). O evento continua nas seguintes datas: 22/01, às 15h, na Praça do Cristo, bairro Milionários, na região do Barreiro, com participação de Ausier Vinícius (cavaco) e Rubens (pandeiro); 23/01, às 10h, na Feira Venda Nova, com Claudia Sampaio (sax) e Ronaldo do Pandeiro (pandeiro); 30/01, às 10h, na feira do Alto dos Pinheiros, Fred Lazarini (pandeiro e cantor) e Geraldo Magela (violão sete cordas). A última roda acontece em 5 de fevereiro, às 16h, no Barticum (R. Itataré, 566 – Concórdia).

Hélio Pereira (bandolim e trombone), Cícero do Acordeon, Acir Antão (vocais), Juliana D’Ávila (flauta) e Diza Franco (vocais) serão os convidados da vez. Nesse mesmo dia, durante a manhã, também no Barticum, o grupo paulista Regional Imperial, referência nacional da nova geração de chorões, realiza oficina para músicos interessados em aprofundar conhecimentos na linguagem do choro. Após o workshop, os paulistas se unem aos músicos de BH e região metropolitana num grande encontro. Todas as rodas do “A Praça do Choro é Nossa” são gratuitas.

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