O que a intuição pressupõe, estatísticas comprovam: o acesso às plataformas de streaming - em particular, as que oferecem filmes e séries - disparou na pandemia. Pesquisa realizada ano passado pela Nielsen Brasil, destinada a aferir audiência de canais e plataformas, apontou que 42,8% dos brasileiros assistem a conteúdos de streaming todos os dias, enquanto 43,9%, uma vez por semana ao menos. Só 2,5% dos entrevistados disseram não acessar esse meio. Já um levantamento do Consumoteca Lab, empresa de consultoria, apontou que os serviços de streaming entraram ou continuaram na lista de prioridades de gastos dos brasileiros durante a quarentena.

Exatamente nesta quarta-feira, feriado de 21 de abril, o inventário de plataformas é acrescido com a entrada de um nome de lastro: a Reserva Imovision, que já coloca ao acesso do navegador mais de 250 produções, garimpadas em festivais como os de Cannes, Berlim e Veneza. 
O nome Imovision é uma sinfonia aos ouvidos dos apreciadores do chamado "cinema de arte": a distribuidora já atua no país há 30 anos. Agora, ela se une à Reserva Cultural, grupo de cinema que atua no Rio e em São Paulo, para a plataforma, que traz vários chamarizes, como o de ter, a cada quinta-feira, uma estreia: a primeira, nesta quinta, será o filme  grego "O Trabalho Dela" (2019), de Nikos Labôt. Já às sextas, haverá lançamentos temáticos - o desta, pela proximidade com a cerimônia do Oscar, é "Indicados".  Também traz duas séries inéditas no Brasil: "Os Luminares"  ( baseada no livro de Eleanor Catton, vencedor do Man Booker Prize, trata de vidas cheias de percalços na Nova Zelândia do século 19, em plena corrida do ouro) e "Mistérios em Paris" (antologia de sete episódios que se passa no final do século 19, quando acontecem vários crimes em pontos conhecidos da capital francesa: o Moulin Rouge, a Torre Eiffel, a Ópera Garnier, a Praça Vendôme, o Museu do Louvre, a Universidade de Sorbonne e o Palácio Eliseu). 

Ao Magazine, Jean Thomas Bernardini, presidente do Imovision, lembra que a proposta da plataforma é oferecer filmes que façam pensar, que provoquem, independentemente do gênero - ou seja, uma boa comédia pode aliar o entretenimento à reflexão. "Pode ser um documentário, uma comédia, um drama, um clássico", lista ele, que é francês, mas está radicado no Brasil há 37 anos. Bernardini conta que a ideia da plataforma já vinha sendo acalentada bem antes da pandemia - na verdade, o primeiro insight veio há seis anos, mas, à época, conta ele, a Imovision se deparou com várias dificuldades. "O próprio desenvolvimento era muito caro".

Seis meses antes da pandemia, eles resolveram, enfim, colocar em prática. "Levamos um tempo maior porque não queríamos esquecer nenhum detalhe", diz ele, lembrando que o próprio processo de aquisição de títulos é bastante intrincado. "Às vezes, escolhemos um filme entre 20, 30 a que assistimos. Imagine, então, quando são centenas?", argumenta.

O viés aproxima a Reserva Imovision de outra plataforma recente, a Supo Mungam Plus - e, com isso, quem tem a ganhar é o público cinéfilo. Lançada em dezembro do ano passado, é focada em cinema independente e autoral. Como no caso da Reserva Imovision, festivais de cinema como os de Cannes, Berlim e Veneza funcionam como bússolas. "Nosso objetivo é trazer para o público brasileiro novas histórias e culturas através de filmes do cinema mundial, principalmente filmes de diretoras. Nosso trabalho é fazer com que essas obras, clássicas ou contemporâneas, nunca sejam esquecidas. E que os filmes possam sempre ser (re)descobertos", sintetiza Gracie Pinto, diretora da plataforma, acrescentando que, como mulher, para ela é importante exibir títulos de grandes diretoras. "Existem muitos filmes que merecem ser vistos, e às vezes ficam escondidos".

Mesmo estando em cena há apenas quatro meses, Gracie diz que o feedback obtido junto aos assinantes tem sido bastante positivo. "Somos uma plataforma pequena que aos poucos está se destacando. Temos atraído tanto jovens e adultos que gostam de cinema cult quanto um grande público da chamada terceira idade que gosta de cinema de arte e independente e de qualidade".

Neste mês de abril, a diretora belga Chantal Akerman ganhou uma retrospectiva na Supo Mungam Plus. Seis filmes da cineasta, todos em versão restaurada, estão disponíveis e outros estão estreando no decorrer do mês. Já quanto a planos, Gracie diz que, além da criação de aplicativos para TV e smartphones, estão trabalhando em projetos para aumentar o alcance no Brasil e apresentar os conteúdos para novos públicos.

Se os serviços de streaming têm sido mais procurados na pandemia, o que acontecerá no mundo pós-pandemia? Jean Thomas Bernardini acredita que as duas modalidades vão conviver bem no Brasil. "Cada uma atem suas vantagens e desvantagens. Muitas pessoas que gostam de cinema no país sequer conta com salas de exibição em suas cidades. Temos também os casos de pessoas que moram um pouco longe, ou que têm muitas crianças na família, e, assim, ir ao cinema é mais difícil".

Outro ponto a favor do streaming é a possibilidade de, ao escolher um título para assistir, poder facilmente mudar de ideia caso esse não lhe agrade. "Quando você acessa uma plataforma como a nossa, vai encontrar filmes selecionados, mas, claro, o critério de escolha é nosso, e, obviamente, um vai gostar, outro pode odiar. Depende de cada espectador". Por outro lado, nas salas de cinema a fruição é mais efetiva, diz ele. "Em caso, você está cercado de coisas ao lado, barulhos extracampo que por vezes vêm atrapalhar".  

Espaço para o cult também nas gigantes

É interessante pontuar que mesmo as ditas "grandes plataformas", como Netflix, HBO, Amazon ou Globoplay, para citar algumas, têm dedicado espaço também a filmes menos comerciais. Na HBO, produções grandiosas como "Game of Thrones" convivem harmonicamente com outras de pretensões mais modestas, como a moderninha e cativante "La Vida Perfecta" (Movistar), espanhola.

Já na Netflix, em meio às centenas de produções de orçamentos astronômicos, estão pérolas como o italiano "Lazzaro Felice" ou "My Happy Family", um filme da Georgia - ambos, imperdíveis. Outra produção do país da bota que merece uma conferida é "A Incrível História da Ilha das Rosas", baseada em fatos reais.

Uma plataforma voltada à produção cinematográfica nórdica

A lista atual de opções de plataformas especializadas no Brasil inclui uma dedicada a filmes nórdicos. A Ponte Nórdica no Ar é uma iniciativa do Festival Ponte Nórdica, e nasceu com o propósito de "ser a casa do cinema nórdico na casa das pessoas", indica Tatiana Groff, curadora tanto da iniciativa quanto do audiovisual do Instituto Cultural da Dinamarca.  "Em novembro e dezembro de 2020, fizemos a fase piloto da plataforma e pudemos perceber que a demanda e a receptividade eram enormes, tivemos plena certeza sobre a necessidade de seguirmos! Iniciamos a segunda fase em meados de fevereiro deste ano, que seguirá até junho. O público pelo Brasil todo tem dado excelentes devolutivas sobre as programações ofertadas".

A Ponte apresenta uma cinematografia nórdica diversa e bastante atual, com filmes realizados nos últimos anos, diversos deles premiados internacionalmente. "Normalmente, os títulos mais acessados são os mais 'hots'. Dentro de um espectro enorme de gêneros cinematográficos, não importa muito se é um típico 'nordic noir', um documentário mais sócio-cultural, um épico ou histórico, e sim que o filme tenha uma narrativa 'quente', atrativa, envolvente. E o magnetismo do cinema nórdico é o que acreditamos ter como um 'a mais'".

Ela cita alguns exemplos de filmes que tiveram boa audiência: "No ano passado, o dinamarquês 'Rainha de Copas' e o sueco 'Sangue Sami'. Já neste, o norueguês 'Blind' e o finlandês 'Aurora' têm tido excelente recepção junto ao público brasileiro". Tatiana frisa, ainda, que a plataforma realiza parcerias nas áreas formativas de modo a fornecer conteúdos relevantes complementar à programação ofertada.

Para 2022, a ideia é retomar o Festival Ponte Nórdica de maneira híbrida, ou seja, com uma parte também presencial, com lançamentos, seminário, labs e outras atividades de relevância ao audiovisual internacional. "E claro, seguir com a plataforma online, sempre renovando os recortes curatoriais propostos em concordância com temas relevantes na atualidade".

Cardume contempla curtas-metragens

O time atual traz tantas outras opções que seria impossível listar todas: da Cardume, destinada a curtas-metragens, à Afrolix, de produções que possuem pelo menos uma área de atuação técnica/artística assinada por uma pessoa negra.

Outra recentíssima é a EcoFalante Play, plataforma desdobramento da Mostra Ecofalante. "A ideia surgiu a partir de nossa experiência realizando a 9ª edição da Mostra Ecofalante, no ano passado, pela primeira vez totalmente online. Além das sessões de filmes e debates já tradicionais no festival, contamos com uma importante participação de universidades parceiras, que organizaram dezenas de debates a partir dos filmes exibidos. O evento superou nossas expectativas e, por isso, decidimos ampliar nossa atuação no meio virtual, trazendo nosso programa educacional, o Programa Ecofalante Universidades, para essa nova plataforma de streaming", diz o mentor e diretor Chico Guariba.

Ele acrescenta: "Um dos principais objetivos é contribuir para a difusão gratuita de obras audiovisuais de qualidade que muitas vezes não são de acesso fácil ao público brasileiro. Com isso, buscamos ampliar e enriquecer o debate sobre questões socioambientais no país".

Confira algumas das plataformas disponíveis no Brasil, além das gigantes Amazon, HBO e Netflix

Afroflix. Plataforma que busca reunir e dar visibilidade a trabalhos audiovisuais produzidos por pessoas negras.

Belas Artes à La Carte. Filmes de arte. Já tem mais de 400 títulos no cardápio. Entre eles, o encantador "Eu me Chamo Elisabeth",  de Jean-Pierre Améris, com a encantadora Alba Gaïa Kraghede Bellugi.

Cardume. Dedicada exclusivamente a curtas-metragens brasileiros
Ecofalante Play  Acervo de mais de 130 filmes que abordam temas como emergência climática, consumo, cidades, energia, conservação, economia, trabalho e saúde.

Reserva Imovision -  Mais de 250 filmes de arte, além de séries. Meta de chegar aos 1.000 títulos até o final do ano.  

Looke. Os títulos são divididos por categorias e englobam lançamentos, séries, vencedores do Oscar, cinema nacional, entre outros tipos de produções;

Mubi  No catálogo, filmes de novos diretores aos veteranos mais premiados, de todo o mundo.

Ponte Nórdica.  Dedicada a obras produzidas na Islândia, Groenlândia, Dinamarca, Finlândia, Suécia e Noruega, que abordam diferentes temas, incluindo imigração e direitos humanos.

Supo Mungam Plus - Plataforma focada em cinema independente e autoral.