Musical

Uma nova ótica depois do ostracismo 

Ícaro Silva interpreta Simonal e ressalta densidade da trama, que aborda protagonismo negro esquecido no país

Por LUCAS SIMÕES
Publicado em 16 de outubro de 2015 | 03:00
 
 
 
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“Assim começou a acabar a carreira de uma das maiores estrelas da música brasileira”, diz o ator Thelmo Fernandes, que interpreta o personagem de Carlos Imperial, logo na primeira cena de “S’imbora, O Musical”, quando o até então aclamado Wilson Simonal vai parar na delegacia e, dali para frente, assiste sua imagem cair gradativamente no ostracismo até sua morte, no ano 2000.

Em cartaz de hoje a domingo, no Palácio das Artes, o musical visto por mais 30 mil pessoas usa a decadência, as controvérsias e as polêmicas de Wilson Simonal como tônica para fazer justiça a um artista que colocou hits na ponta da língua de todo brasileiro, mas teve o nome sumariamente riscado das lembranças de boa parte deles.

Em mais uma dobradinha de Nelson Motta e Patrícia Andrade, que assinaram os roteiros de “Elis, A Musical” e “Tim Maia, Vale Tudo – O Musical”, “S’imbora, O Musical” não só opta por colocar o dedo na ferida da história de Wilson Simonal, como pretende se distanciar da fórmula Broadway de se contar histórias com belezas plásticas que encobrem dilemas, tristezas e outras realidades. Talvez por isso Nelson Motta tenha pesado a mão em um texto mais denso.

“O Simonal, além de histórias e músicas sensacionais, tem uma carga dramática incrível, porque ele é um personagem que foi do céu ao inferno, com uma densidade maior do que a do Tim e a da Elis. É uma história que começa alegre e termina dramática, tristíssima”, diz Nelson Motta, que prepara, nos bastidores, a montagem de seu próximo musical, “Dancing Days”.

Em cerca de duas horas de apresentação, o musical retrata o sucesso estrondoso de Simonal na década de 60, quando ele comandou programas nas TVs Tupi e Record, além de ter assinado o maior contrato de um artista brasileiro, na época, com a empresa anglo-holandesa Shell. Do céu ao inferno, o pior dilema do artista deve ser dos momentos mais densos do espetáculo, quando ele procura o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) para que pressionem seu então contador, suspeito de fraudes. Por esse episódio, Simonal passa a ser perseguido, perde espaço no cenário musical e jamais volta a ter fama novamente em vida.

“O que aconteceu com ele tem a ver com o período. Talvez não tivesse acontecido em outro contexto histórico”, justifica o diretor Pedro Brício. Nelson Motta, que dedicou um capítulo inteiro de seu livro “Noites Tropicais” (2000) a Simonal, admite que o artista era “escroto, cafajeste com mulheres, mas um grande artista”.

Contexto. O ator Ícaro Silva encarna Wilson Simonal com a experiência de quem esteve na pele de Jair Rodrigues (“Elis, A Musical”). O ator carioca, que também viveu Gilberto Gil em “Rock in Rio, O Musical”, foi escolhido entre mais de mil candidatos. Segundo ele, sua inclinação foi compor uma inspiração de Wilson Simonal – não um cover do artista. “Eu tentei não copia-lo no palco, mas usar suas referências. Nas canções mesmo, é claro que fiquei atento aos seus timbres, seu jeito de falar, mas só pincelei isso, nem tentei reproduzir exatamente o que era o Simonal. As pessoas reconhecem seus traços, mas não ficam hipnotizadas achando que ele está de volta, sabe?”, diz.

Além disso, o ator traz à tona a questão social que “S’imbora” aborda, ao resgatar a figura de Wilson Simonal como negro que sofreu racismo escancarado pelo mesmo público que o idolatrou. “É a minha história também, de certa parte. Eu venho do mesmo contexto social do Simonal. E acho que o musical ajuda nesse ponto, quando o público vê um negro protagonista”, diz Ícaro.

Serviço. “S’imbora, O Musical” tem apresentações no Grande Teatro do Palácio das Artes (avenida Afonso Pena, 1.537, centro), hoje e amanhã, às 21h, e no domingo, às 19h. Os ingressos variam de R$ 70 (meia-entrada para plateia superior) a R$ 180 (inteira para Plateia I).

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