Moda

SPFW exibe contradições do discurso sustentável

De Martha Medeiros a Gustavo Silvestre, grifes mostram como a responsabilidade deve estar presente nas roupas

Por Agências
Publicado em 02 de junho de 2022 | 09:48
 
 
 
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Há duas formas em voga que as marcas usam para exibir o quão inserida sua moda está no tema da vez –a sustentabilidade. Uma é aderir ao discurso na fala, em textos frequentemente vazios para as redes. A outra, muito mais difícil, é exibir na prática a ideia para o julgamento da passarela.

Alguns dos nomes que melhor resumem o estado de euforia da costura em se mostrar menos nociva ao meio ambiente desfilaram na primeira parte do segundo dia de São Paulo Fashion Week, no Senac Lapa, na zona oeste.

Diferentes em forma, proposta e execução, a alagoana Martha Medeiros e o pernambucano Gustavo Silvestre levaram looks feitos à mão por artesãos à margem da elite fashionista acostumada à pose.

No caso da estilista, suas roupas são produzidas com o trabalho de rendeiras do sertão nordestino, cujo território explora para encontrar o que considera o verdadeiro luxo brasileiro, a renda. Na passarela da SPFW, onde desfilou pela primeira vez, Medeiros entrou para fazer uma apresentação de si mesma e de como a história das descobertas renderam a ela peças preciosas –um único vestido em renda renascença pode chegar às dezenas de milhares de reais.

Uma a uma, as modelos passeavam com o arquivo da marca, sem que uma peça fosse exatamente nova. Para sua primeira coleção ao vivo, Medeiros trouxe o que a fez reconhecida, uma moda ancorada na régua clássica europeia, mas feita com bases de origem nordestina. A ideia era a atemporalidade, mas a marca do passado aparecia na renda.

Medeiros não funcionou na passarela como se desenrola na vitrine, onde soa mais contemporânea, talvez porque nela não esteja explícito a romantização do sertão, distante da paisagem das elites.

É possível tratar a sustentabilidade de maneira mais realista. O projeto Ponto Firme, de Gustavo Silvestre, é a síntese de como a moda pode de fato ser um agente de transformação que não coloque a sustentabilidade sob a égide do assistencialismo.

Apoiado pelo Ministério Público e pelo governo estadual, o estilista ensinou pessoas em situação de vulnerabilidade a crochetar. Desde 2015, ele toca um ateliê na penitenciária masculina desembargador Alfredo Marrey, em Guarulhos.

Agora, para o desfile que apresentou na SPFW, ele juntou à turma transexuais e travestis no projeto que culminou numa coleção de vestidos, saias, blusas e uma vasta gama de acessórios feitos com a técnica artesanal.

Tudo o que se viu é um trabalho conjunto de pessoas marginalizadas que aprenderam a ganhar o sustento, por meio do ofício da moda, e vão ter nos próprios bolsos a renda angariada com as vendas.

Sob o prisma do estilo, Silvestre aplicou sua expertise de fundir cores, proporções e abrir fendas para dar verniz de moda ao trabalho de juntar retalhos encontrados no descarte da indústria têxtil.

A estilista Vicenta Perrotta, ela mesma uma das primeiras marcas a usar o descarte na moda local, assinou o styling da apresentação, que incluiu bonés e chapéus crochetados por grifes da periferia paulistana, como a Crochês do Vilão. Foi dessa marca da zona leste de onde partiu a série de peças "hackeadas", nas quais se via o nome da Balenciaga, o jacaré da Lacoste e logos de luxo costurados em crochetaria.

Silvestre lembra no desfile que para uma marca abraçar a sustentabilidade não pode apenas se esforçar para exibir um produto o mais responsável possível. Tão importante é ela abrir espaço para que cada ponto costurado nessa história esteja à mostra e contemplado naquilo vendido como socialmente correto. (Pedro Diniz/Folhapress)

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