O Samba da Meia Noite, grupo de samba de roda que há sete anos se reúne no Viaduto Santa Tereza em eventos gratuitos para celebrar o gênero e a cultura negra, publicou uma nota de repúdio à ação da Polícia Militar de Minas Gerais no último sábado (19). Segundo integrantes do projeto, militares do Grupo Especializado de Policiamento em Áreas de Risco (Gepar) abordaram os organizadores solicitando alvará para a realização de mais uma edição do projeto naquele espaço.
No entanto, o diretor e idealizador do Samba da Meia Noite, Jefferson Gomes, afirma que explicou aos militares que o grupo nunca precisou de alvará, pois a atividade não é categorizada como evento, e, sim, como manifestação cultural.
“Não necessitamos de alvará. Não temos palco, não temos som mecânico. São pessoas que estão tocando instrumentos. Não é um evento, é uma manifestação cultural”. No entanto, Gomes esclarece que, a partir de agora, irá enviar comunicados prévios aos órgãos competentes antes de cada edição. Jefferson Gomes acrescenta que, até o ocorrido, nunca houve problemas com a Polícia Militar.
O produtor cultural conta, ainda, que os militares estabeleceram o horário limite de 2h daquele mesmo sábado para o término do samba, caso contrário os instrumentos seriam recolhidos: “Optamos por não continuar, até mesmo para nos resguardar”.
Gomes, que é um dos fundadores do Samba da Meia Noite, avalia que a ação da Polícia Militar foi motivada por discriminação racial, já que o público ali era, segundo ele, “majoritariamente negro”. “Onde tem manifestação da cultura negra, a PM entende que é um lugar de uso de drogas, de violência. O que aconteceu passa pelo racismo, pela represália dos governantes. A PM teve uma conduta que não conseguimos identificar com outro nome além do racismo”, argumenta o produtor cultural.
Segundo o produtor cultural, a PM ameaçou recolher as bebidas dos ambulantes que estavam no local e, inclusive, prendeu um deles sob a justificativa de que o mesmo portava um celular sem nota fiscal. “Quem anda com nota fiscal de celular hoje em dia?”, questionou.
Outro lado
Para o tenente Bruno Costa, comandante do Gepar, a Polícia Militar agiu sem truculência: “Em momento algum houve agressividade. Estão achando que a abordagem foi em função da cor das pessoas, mas isso não tem nada a ver. Como pode ser entendido como ato de racismo se o militar do Gepar também era negro?”.
O militar afirma que a motivação da ação foi exclusivamente pela falta de comunicação prévia da organização do Samba da Meia Noite às entidades competentes e que toda manifestação precisa seguir princípios constitucionais para seu pleno exercício. “Segundo o artigo 5º, inciso 16, da Constituição Federal, todos podem reunir-se pacificamente em manifestações em locais públicos, sendo apenas exigido o aviso prévio às autoridades”, explica.
Sobre o ambulante detido, Costa diz que o mesmo foi conduzido por portar um celular roubado e o policial que efetuou a prisão mostrou aos presentes que se tratava de um aparelho com registro de roubo.
O que diz a Prefeitura de BH
Questionada sobre quais procedimentos prévios eventos e/ou manifestações culturais devem adotar para a devida realização na capital, a Secretaria Municipal de Política Urbana enviou a seguinte nota à reportagem:
Conforme previsto na legislação municipal, há diferença entre eventos e manifestações culturais. A Lei 10.277/2011 refere-se a atividades artísticas e culturais em praça pública do município (artes cênicas, artes circenses, lutas de exibição, artes plásticas, apresentação de música, poesia, literatura e teatro). Esse tipo de atividade independe de autorização do município, porém, a norma estabelece alguns critérios:
- a concentração de artistas e de público no local da atividade não obstrua a circulação de pedestres ou veículos;
- vedada a utilização de equipamentos ou objetos que coloquem em risco o cidadão.
- vedada qualquer forma de reserva de espaço para uso exclusivo, devendo tal utilização limitar-se ao período de execução da apresentação ou manifestação;
- quando da utilização do passeio, é vedada ao artista de rua a instalação de carrinho, banca, mesa ou qualquer outro equipamento que ocupe espaço no logradouro público.
Já a realização de evento em logradouros públicos, parques e em propriedade pública ou privada, com ou sem fechamento de via pública, depende de licenciamento prévio concedido pelo Município. Os procedimentos estão estabelecidos pelo Código de Posturas Lei 8.616/2003 e seu Decreto 14.060/10 (e ainda, as leis 9.063/2005, 10.277/2011 e 8.397/2002, e os decretos 13.792/2009 e 14.589/2011) e dependem da dimensão do público, das atividades a serem desenvolvidas e outras especificidades.
A autorização para interdição total ou parcial de vias públicas ou a operação de trânsito para realização de eventos com ou sem interdição de via precisa ser liberada pela BHTrans, que vai avaliar as possibilidades de desvio do trânsito e sinalização necessária.
Outras exigências para o licenciamento contemplam as medidas de segurança quanto às instalações (é necessário apresentar laudo técnico ou Anotação de Responsabilidade Técnica emitidos por profissional habilitado, conforme o caso), medidas de limpeza e controle de ruídos.
É preciso, ainda, haver a comunicação prévia ou autorização do Corpo de Bombeiros e da Polícia Militar. Para eventos com público superior a 250 pessoas, o Corpo de Bombeiros exige a apresentação de projeto específico.