30 anos sem Drummond

Um passeio por Belo Horizonte

A vida do poeta em Belo Horizonte se concentrou dentro da avenida do Contorno, teve lugares manjados e sátiras ao desenvolvimento da cidade

Por Alex Bessas
Publicado em 12 de agosto de 2017 | 12:29
 
 
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Em BH, a vida de Drummond se passou em poucos e manjados lugares, indica o jornalista e biógrafo Humberto Werneck, que prepara livro biográfico do poeta. A rua da Bahia, claro, tem seu protagonismo, pois “concentrava quase tudo que havia de moderno e avançado na cidade”. Caso da primeira loja de departamento da capital, o Parc Royal, “prédio que milagrosamente está em pé”, avalia.

Na livraria Francisco Alves, “onde chegavam as novidades literárias”, o “Grupo do Estrela” se reunia para ver a abertura dos caixotes de livros. “Point da cautelosa paquera que a moral mineira admitia”, a rua abrigava o Cine Odeon. A redação do “Diário de Minas”, também na via, se tornou “trincheira do movimento modernista em Minas”.

Werneck lembra, claro, do café Estrela, “uma confeitaria onde se reuniam quase todos os dias e onde, entre goles de café ou chope, trocavam seus escritos”. O biógrafo opina que, embora não tocasse no assunto, é provável que Drummond, quando solteiro, frequentasse o cabaré da espanhola Olimpia Vazques. Morando no bairro da Floresta, “numa rua onde seu pai construíra duas casas”, o poeta “indo ou voltando da rua da Bahia, mesmo já casado e pai de família, atravessava o viaduto de Santa Tereza, muitas vezes não pela calçada, mas pela estreita faixa de cimento dos arcos”. A proeza virou ritual de passagem das gerações literárias que se seguiram.

“Embora reservado e aparentemente tímido, o poeta sempre teve um lado moleque e o exercia plenamente em BH”, diz Werneck. Basta lembrar que ele ajudou a incendiar um bonde durante um protesto contra o aumento do preço dos ingressos do cinema. A vocação piromaníaca ainda apareceria outra vez, quando pôs fogo no casarão dos Vivacqua, onde ia para frequentes saraus, “só para ver as moças saindo de camisola na recatada madrugada mineira”.

Contradições

Se debruçando sobre a obra do itabirano entre os anos de 1930 e 1934, a pesquisadora e doutora em Literatura pela PUC Minas, Valéria Machado identifica contradições evidentes sobre a relação do poeta com a cidade.

Em “Luzes da Cidade”, por exemplo, soa debochado ao falar sobre as vitrines que, à noite, ficavam apagadas. “(...) Os jornais do Rio anunciam ironicamente os concursos de vitrinas. Nós aqui podíamos fazer o mesmo: indagar qual a vitrina mais escura e, como prêmio, oferecer ao proprietário um lampião a gasolina”, ironizou.

Parque Municipal

Todavia, ao mesmo tempo que satiriza o lento desenvolvimento da cidade, critica os avanços. “As posturas municipais, sacrificando o pitoresco em benefício da segurança pública, proibiram o Judas, como proibiram os balões coloridos da noite de São João. Belo Horizonte hoje é uma capital como as outras, com as suas noites de junho e os seus sábados de aleluia desprovidos dessa matéria-prima de poesia, demasiado explosiva talvez, mas por isso mesmo mais humana, porque há sempre uma porção de dinamite esperando estourar, dentro de nossa pobre alma urbana e civilizada”, escreveu, em “Música da Cidade”.

A expressão máxima deste conflito de sentimentos é o mote de “Triste Horizonte”, publicado em 1976. “Sossega minha saudade. Não me cicies outra vez o impróprio convite. Não quero mais, não quero ver-te, meu Triste Horizonte e destroçado amor”, escreveu o poeta. Em boa parte, o receio de retornar a BH se relacionava à inconformidade com as transformações que atravessaram a cidade.

Drummond demonstrava desgosto de ver construções que guardavam importantes experiências afetivas indo abaixo para um projeto de cidade em latente desenvolvimento. “Fechado o Cinema Odeon, na Rua da Bahia. /Fechado para sempre. / Não é possível, minha mocidade / fecha com ele um pouco”, diz trecho de um poema feito em parceria com Pedro Nava, em 1928.

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