Luto

Vera Follain fala sobre o legado de Rubem Fonseca

A professora doutora da PUC-Rio, estudiosa da obra do escritor, ressalta algumas características que se destacam na escrita do mineiro

Por Patrícia Cassese
Publicado em 15 de abril de 2020 | 18:56
 
 
 
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Foi nos anos 70, quando começou a fazer seu mestrado na PUC-Rio, que a hoje professora doutora da mesma instituição (e pesquisadora do CNPq) Vera Lúcia Follain foi apresentada à obra de Rubem Fonseca. "Era aluna da Dirce Côrtes Riedel, que à época era já uma senhora, mas sempre jovem de espiríto, atenta às novidades, progressista.  Gostei e ali mesmo já fiz um trabalho sobre ele para ela", rememora a pesquisadora, procurada pela reportagem do Magazine para falar sobre a obra do mineiro, que faleceu hoje.
 
Instigada a apontar os traços mais marcantes da obra de Fonseca, ela diz que o que, na sua opinião, o torna o maior escritor surgido na segunda metade do século 20 seria a maneira como lidava com o ponto de vista da narrativa. "Sempre mostrando que as certezas absolutas são falácias. No meu primeiro livro sobre ele, inclusive coloco uma epígrafe do Nietzsche, que diz que 'tudo o que existe é justo e injusto, e em ambos os casos plenamente justificável'. Ou seja, é o máximo do relativismo e da dissolução das certezas. E foi uma coisa que sempre me agradou muito na obra dele, e que acho que por vezes nem todos percebem, é o humor. Rubem Fonseca é profundamente irônico. Veja, não estou dizendo engraçado, mas toda literatura dele é perpassada pela ironia e pelo humor. Não um humor de gargalhar, mas, sim, que provoca um sorriso, às vezes até amargo - pois a visão de mundo dele nunca foi de otimismo. Diria que as duas grandes marcas da obra dele seriam essas, um olhar se deslocando e esse humor crítico".
 
Para exemplificar mais, Vera Follain lembra que Fonseca tem vários contos que vão completamente de encontro ao politicamente correto. "Não porque ele fosse contra, mas para mostrar o outro lado. O conto 'O Balão Fantasma', sobre soltar balões, é um exemplo. Como todos nós sabemos, não se deve soltar balões. Mas Fonseca pega os personagens que, na história, soltam esses balões. E, por meio dos diálogos, leva o leitor  a ver essa prática de outra forma. A compreender a insistência das pessoas de até hoje ainda soltar balões, mesmo que o leitor siga não concordando. É a realidade pelo avesso do senso comum. Tem um outro conto que é sobre o arremesso de anões, um esporte que de fato existe, aliás, do qual a França é campeã. Nele, há uma mulher que vai averiguar, no Centro-Oeste, uma denúncia da prática desse esporte que, no Brasil, é proibida. Há um diálogo que traz, da outra parte, argumentos como o de que, ali, os anões ganham bem, que no circo, sim, é que eram expostos, e que violentos de fato são esportes como o boxe... Claro ao final o leitor não está fechado com isso (concordando com a filosofia do esporte). Mas certamente não será o mesmo".
 
Questionada se Rubem Fonseca preservava algum traço de suas origens mineiras, Vera fala. "Veja, ele nasceu em  Juiz de Fora, ou seja, em uma Minas já fronteiriça com o Rio. Mas acho que grande parte da biografia dele, que acabou influenciando seu olhar sobre o mundo, tem a ver com Minas, sim. Em certo momento, o pai dele ficou muito bem, financeiramente, ele tinha uma loja importante por lá. E ali, naquele ambiente, Rubem não era o menino que ia correr nas ruas, mas, sim, de ficar mais em casa, lendo. E quando chega ao Rio, tem uma tia que lhe dá livros para ler, de autores nacionais e estrangeiros, e ele fica ali, sonhando em ser escritor, em fazer cinema. Não é que seja um caráter introspectivo, mas tem aquele mergulho no mundo interior que eu acho que os mineiros têm - mas pode ser uma visão errônea minha. Aliás, penso que Minas é um celeiro de grandes escritores por isso, não é o horizonte aberto da praia, mas o conhecido "olhar entre as montanhas".
Não por outro motivo, ela lembra que, no passado, quando os escritores mineiros se mudavam para o RIo ("porque agora vão para São Paulo, quando procuram mais visibildade"), o "resultado sempre foi maravilhoso". "Basta pegar Drummond, os cronistas... Uma mistura boa da montanha com horizonte do mar. Opinião minha, claro".
 
E, por último, desafiada a escolher uma obra entre a vasta lavra de Fonseca, ela hesita. "Se for um conto, penso que ficaria com 'Feliz Ano Novo' e 'O Cobrador'. Se for uma coletânea,  a que também leva o título de 'Feliz Ano Novo' e 'Lucia MCCartney', que é muito forte. Aliás, eu acho ele melhor contista que romancista. Seus romances têm uma pegada meio ensaística, mas não a potência que os contos", entende.

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