Se algum dia fosse possível se fazer uma psicanálise das telas, painéis e murais de Yara Tupynambá achariam, lá no âmago de tudo, uma frase do pintor francês Paul Cézanne que diz: “Pintar não é copiar servilmente as coisas da natureza, mas sim realizar suas sensações”.
Com uma obra enraizada em um fascínio genuíno pelo meio ambiente, a artista mineira está prestes a completar 89 anos, nesta sexta, e vai comemorar a data com um evento virtual, que será transmitido nesta quinta-feira (1º), a partir das 19h30, pelo perfil do Instagram do Centro Cultural Banco do Brasil.
Durante a live – que contará com mediação do curador José Theobaldo Júnior –, Yara revelará ao público um pouco sobre suas sete décadas de trajetória dedicadas à arte – paixão que começou ainda na infância. “Meu amor e ligação com a arte vêm dos tempos de menina. Desde os 7 anos, tudo o que eu queria era desenhar o dia inteiro”, relembra ela.
Não demorou muito, e o encanto inicial acabou virando carreira para a vida toda. Porém, ela conta que nunca esperou fazer dinheiro como artista.
“No tempo que entrei para a Escola de Belas Artes, ninguém pensava em ser artista, ganhar dinheiro ou viver de arte. Isso era uma coisa tão longínqua porque o próprio Guignard (Alberto da Veiga Guignard, pintor nascido em 1896, em Nova Friburgo, cidade serrana do Rio, e primeiro diretor da Escola de Belas Artes de Belo Horizonte), que era nosso professor, vivia no maior miserê”, enfatiza.
“Por tudo isso eu nunca achei que era possível viver de arte. Eu só queria aprender a pintar e fazer bonito. Tudo mais parecia pequeno perto desse sentimento”, diz a pintora, que ressalta que, para se sustentar, exerceu diversas profissões ao longo da vida – foi datilógrafa e funcionária da Caixa Econômica Estadual, por exemplo.
Dentre os muitos ofícios que teve, Yara se destacou como professora e diretora na Faculdade de Belas Artes da UFMG – ensinando uma leva de artistas importantes do cenário das artes de Minas.
“Eu tive a sorte de poder ajudar muita gente a entender e a amar a arte. Eu acho que a minha missão, aliás, não só minha, mas de todos aqueles que ensinam, é abrir as janelas do mundo para quem está do lado de dentro”, constata Yara.
Inquieta por natureza e sempre produzindo, ela lamenta não poder lecionar durante o período de pandemia. “Eu sou uma pessoa que sempre gostou muito de dar aula, mas, infelizmente, não posso mais por causa da Covid-19. A última vez foi no ano passado, quando minha carreira (como professora) ficou temporariamente encerrada, não por minha vontade, mas pelas restrições. Mas espero retornar logo assim que tudo esteja bem de novo”, projeta.
Natureza como mote central
A artista diz que seu interesse pelo mundo natural vem de um desejo de conseguir recriar elementos que vivenciou, particularmente na infância.
“Eu sempre gostei dos grandes espaços. Meu pai era engenheiro da rede de minério, e nós sempre vivíamos em casas muito grandes, muito espaçosas, e em cidades também em que se tinha muita liberdade para ir à rua sem perigo. Eram cidades pequenas, inocentes, eu diria, nas quais não existia nada de ladrão nem de criminoso”, recapitula.
Mas, como na frase de Cézanne, Yara sempre quis representar o sentimento que existe no meio ambiente ao seu redor.
“Talvez esse meu gosto de estar em contato com a natureza venha dessas experiências que sempre envolviam campos e áreas verdes. Quando entrei para a Escola de Belas Artes, isso foi incentivado pelo Guignard, que levava a turma para o Parque Municipal, onde passávamos manhãs desenhando árvores. Ali, aprendi a abordar o mundo natural sob aspectos diversos, desde florestas selvagens, intocadas, até natureza cultivada. Essa observação cuidadosa acabou impressa na minha alma”, reflete.
Se a paixão pelo ecossistema guia o trabalho e a vida de Yara, o mundo da modernidade já não gera o mesmo encanto. “Estou muito contente com esse evento do CCBB, mas devo admitir que minha relação com o universo virtual é nula”, conta entre risadas.
“Ai de mim se não fossem as pessoas que me ajudam aqui dentro da minha equipe. Eu não tenho paciência, não tenho muita vontade. Mal dou conta de responder um e-mail ou ver um WhatsApp", confidencia.
"Eu sempre decidi pelo seguinte: ou eu me tornava uma especialista nisso tudo, ou me dedicava a ficar cada dia melhor naquilo que eu faço. Então preferi ficar cada dia um pouco melhor naquilo que eu sei fazer e deixar a modernidade para os jovens”, declara a artista.
Yara, aliás, diz que, embora tenha interesse em ver seu trabalho difundido para novas gerações, não tem pretensões de influenciar ninguém.
“É difícil eu achar que vou deixar um legado. Eu não sei. Eu penso que eu deixarei um exemplo de que o afeto com a arte podem ser elementos potentes para impulsionar alguém a ir além de si mesmo. Talvez meu legado seja isto: saber que a arte vai continuar. Agora, se isso vai servir para alguém, só o futuro vai responder”, conclui.
Exposição em cartaz no CCBB
Até o dia 20 de maio, o Centro Cultural Banco do Brasil sedia a mostra “Yara Tupynambá: 70 Anos de Carreira”, que conta com 74 obras de Yara, algumas inéditas. Além de um tour virtual, a exposição está aberta para visitantes presenciais somente com agendamento – todos terão a temperatura aferida na entrada do museu. O acesso ao prédio será mediante retirada de ingresso gratuito no bb.com.br/cultura ou pelo Eventim (site ou app). Já a tunê virtual pode ser livremente acessada pelo site yaratupynamba.org.
Serviço:
O quê: Live em comemoração aos 89 anos de Yara Tupynambá
Onde: Na página do Instagram do CCBB-BH
Quando: Nesta quinta (1º de abril), a partir das 19h30
Preço: Gratuito