Encerrada no último dia 6, a 48ª edição do Festival della Valle d’Itria, evento que acontece desde 1975 na comuna italiana Martina Franca, província de Taranto, na região da Puglia, contou mais uma vez com a participação do cantor mineiro Yuri Guerra, que, além de ter sido solista em um dos concertos da programação (“Concerto per lo Spirito”, realizado no dia 28 de julho, na Basílica de San Martino, acompanhado da Orchestra Barocca Modo Antiquo), compôs o elenco de duas das cinco óperas apresentadas - entre elas, uma estreia mundial, "Ópera Italiana", composta por Nicola Campogrande entre 2008 e 2010, sob encomenda do Comitato Italia 150, que, por sua vez, queria um melodrama que colocasse em revista os últimos 50 anos da história daquele país
"O convite para interpretar o Balconi da 'Ópera Italiana' ocorreu quando eu já estava em Martina Franca, engajado na produção de outra ópera, 'O Jogador', de Prokofiev, baseada no romance de Dostoevski", explica Guerra, sobre o zelador de um grande prédio objeto de especulação imobiliária, onde moram os protagonistas Mário e Opera, que vivem um amor que atravessa anos. "Fiquei muito lisonjeado por ter sido considerado para o papel, mas, ao mesmo tempo, tinha muita consciência da responsabilidade de aceitar este compromisso. Não só pela importância de ser uma estreia mundial em um palco de grande relevância artistica (Palazzo Ducale), mas por estar substituindo um dos baixos de destaque internacional", conta, referindo-se ao fato de ter substituído o baixo profundo italiano Andrea Mastroni, nome de destaque no cenário lírico italiano e internacional.
"Dentro da minha profissão sou considerado muito jovem e, portanto, ter sido chamado para uma oportunidade do gênero gerou muitas emoções. Não preciso nem dizer que quando a primeira crítica saiu estava com a cara grudada no telefone", diverte-se Yuri. “Guerra tem presença cênica e voz de igual importância: também em seu caso o futuro é florido e para ser seguido com atenção”, pontuou o crítico Antonio Cesare Smaldone, no site especializado Le Salon Musical.
Para assumir Balconi, Guerra confessa que teves pouco tempo de preparo. "Geralmente, quando tenho que estudar uma nova partitura é com um determinado tempo de antecedência, mesmo porque, temos que organizar tudo junto a outros compromissos profissionais, coachings com pianistas, preparação vocal com meu professor etc. Mas, neste caso, tive breves e intensos quatro dias. Muita da preparação foi realizada já em cena. Imagine eu tentando encenar, ler as notas e o ritmo, cantar de forma adequada, e, ao mesmo tempo, seguir as indicações do diretor cênico. Foi um desafio, mas graças a Deus encontramos uma dinâmica que funcionou e a equipe que trabalhava na ópera me deu grande apoio moral - alias, não só à mim, também à soprano (Cristin Arsenova) que estava no mesmo barco que eu. Ficamos todos muito amigos no final", compartilha.
A narrativa da “Ópera Italiana” retrata três momentos da história recente do país. Assim, é a montagem é dividida em três atos, com duração total de cerca de 90 minutos, com texto de Elio e Piero Bodrato. O primeiro ato se passa nos anos 1960 e inícios de 1970, trazendo aspectos culturais proeminentes da época como as promessas de bem-estar, a especulação imobiliária, ao embate geracional e revolucionário, a chegada das drogas no país e os conhecidos “anos de chumbo”, período de turbulência sócio-política no país. O segundo se passa nos anos 1980, com fortes referências à explosão da TV comercial, à cultura do efêmero, do hedonismo desenfreado. O terceiro é realizado no presente das finanças virtuais, do minimalismo, das novas formas de espiritualidade, do individualismo, dos grandes medos e das grandes promessas de futuro.
Prokofiev. A primeira apresentação de Yuri Guerra no evento, porém, foi na ópera a “O Jogador" ("Le joueur”, 1929), de Sergej Prokofiev, que abriu a programação. A obra é executada em francês e o brasileiro interpretou Le Vieux Joueur na história de um jovem culto e talentoso que se perde em sua doentia paixão e vício em jogos de azar. A ópera foié realizada pela Orquestra e o Coral do Teatro Petruzelli de Bari, sob regência de Jan Latham-Koenig, e direção cênico de Sir David Putney. A atração foi destaque nos dias 19, 24 e 30 de julho e também cumpriu o papel de atração de encerramento, no último dia 6, no Palazzo Ducale.
Sobre Yuri Guerra
Foi aos oito anos que o mineiro ingressou no coral da Fundação Torino Escola Internacional, tornando-se o primeiro solista. Na adolescência, estudou na St. George's School, em Vancouver, e na Vancouver Academy of Music. Hoje vive na Itália, mais precisamente em Bolonha, onde atua como cantor lírico, enquanto desenvolve um trabalho de pesquisa e re-internacionalização de Villa-Lobos na Europa. É maestro de Canto pelo Conservatório Giovanni Battista Martini.
Em sua trajetória, o artista já faturou o primeiro prêmio do concurso de “Canto Internacional Barroco Caffarelli”, se apresentou na ópera Napoli Milionaria, nos teatros Verdi di Pisa, Gilgio de Luca e Goldoni de Livorno, além de ter tido a oportunidade de trabalhar com grandes nomes deste universo e de ter realizado duas estreias mundiais, da opereta "L’Amour Malade de Lully/Marazzoli" e da ópera "Amare e Fingere", de Alessandro Stradella com regência de Andrea de Carlo.
No Brasil, lançou o projeto de re-internacionalização da vida e obra de Heitor Villa-Lobos, com o concerto “Um espetáculo para Villa-Lobos”. O espetáculo contou com apresentações em Belo Horizonte, Betim e Rio de Janeiro (CCBB RJ), e também dentro do festival Música, no Museo e Casa Verdi, em Milão, junto ao Consulado Geral do Brasil. O artista também desenvolveu o projeto “Na corda da Vitrola”, que resgata cantores da Era de Ouro da Rádio, como Dalva de Oliveira, Luiz Bonfá, Nelson Gonçalves e Vicente Celestino.
Confira, a seguir, outros trechos da entrevista ao Magazine
Como está profissionalmente o seu ano, já que estamos passando por um momento de flexibilização da pandemia da Covid-22, com a retomada de vários eventos mundo afora? Este período pós-pandemia tem sido muito promissor, pois ganhei o primeiro prêmio no concurso “Concorso Internazionale di Canto Barocco Caffarelli”, realizei uma turnê da ópera “Napoli Milionaria”, escrita por Nino Rota com texto de Eduardo De Filippo, em três teatros diferentes, e também fiz inúmeros concertos e debutei o “Réquiem”, de Mozart, em Bologna. Ao mesmo tempo, muitas coisas ainda estão em finalização, portanto, boa parte dos meus trabalhos, ainda não posso revelá-los. Mas posso dizer que estarei em viagem pela Europa e pela Itália em breve. Deixo aqui o meu convite para acompanharem nas redes sociais os meus próximos trabalhos!
Tem algum projeto em vista no Brasil? Sim, tenho muitos projetos para o Brasil. Principalmente depois dos anos de pandemia, pois fiquei longe da minha família e de casa por muito tempo. Antes que tudo se fechasse, estava iniciando tratativas para levar uma ópera barroca que foi redescoberta aqui, na Itália, para o Brasil, como uma espécie de intercâmbio cultural. Espero retomar esta iniciativa junto aos profissionais/entes culturais interessados. Além, é claro, da realização de concertos e recitais com repertórios diversos.