Música

Zeca Baleiro mostra show inédito ‘José’ no palco do Palácio das Artes

Em formato intimista, espetáculo acontece nesta sexta-feira (10) e conta com declamação de poemas, contação de histórias e hits da carreira do maranhense

Por Alex Ferreira
Publicado em 10 de dezembro de 2021 | 06:00
 
 
 
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Mesmo diante do caos gerado pela pandemia, da defasagem cultural que assola o país e da intolerância pungente da internet, Zeca Baleiro ainda acredita no poder da arte como solução. 

“Pode ajudar na reflexão sobre o nosso momento social e político, além de embalar, fazer sonhar, divertir, emocionar. A arte pode, sim, despertar uma atenção à vida social de forma lúdica”, confidencia o cantor e compositor. 

Com mais de 30 anos de carreira, o músico maranhense, hoje com 55 anos, desembarca na capital mineira para apresentar nesta sexta-feira (10) seu mais novo show, “José”, no palco do Palácio das Artes. 

Autobiográfico, o espetáculo mostra o lado intimista do cantor, que além de tocar sucessos da carreira – como “Bandeira”, “Telegrama” e “Flor da Pele” – vai recitar poemas e dividir com o público histórias sobre sua vida e carreira. 

Em um bate-papo despojado com o Magazine, Baleiro falou de tudo – de questões poéticas ao cenário político atual – e revelou novas facetas do Zeca intelectual, do trovador e do “raconteur” cativante. Confira nas linhas abaixo a conversa na íntegra. 

Como nasceu a inspiração para este novo espetáculo, “José”? 

Na verdade, esse show nasceu por encomenda. Criei para a série “Poesia, Então”, do Unimúsica 2017, realizado em Porto Alegre pela Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS. Na altura, eu completava 20 anos de carreira discográfica e quis fazer um show que tivesse algo de retrospectiva, de autobiográfico. E, durante a pandemia, pude fazer uma grande “arqueologia” pessoal – reli matérias de jornal, textos que escrevi na estrada, ouvi fitas cassete, MDs, salvei músicas perdidas etc. Isso tudo deu a maior “sustança” para o show. 

”José” traz momentos únicos, como declamações de poemas e até uma espécie de bate-papo com o público no qual você conta histórias da sua vida. O que te inspirou a apostar num clima mais pessoal no palco?

Uma intuição de que hoje não basta ser um show de música apenas, tem que haver mais coisa, tem que fazer mais sentido na vida do público (e do artista). “José” é um show em construção, já vou modificá-lo bastante nessa apresentação em BH, que é a segunda desta temporada.  O lance de responder perguntas do público, que acho uma grande sacada, não funciona tão bem, por exemplo. Cria uma “barriga”, como se diz na linguagem teatral. Então, por ora, devo abolir. 

Esta é a sua primeira turnê depois da pandemia. Está esperançoso em relação à reabertura? Acha que o período de isolamento serviu para ensinar algo positivo para o Brasil e o mundo? 

De tudo se podem tirar lições, né? Estou otimista e vigilante. A memória do povo é curta, infelizmente. Mas, quem quis ou soube, pôde tirar algum proveito dessa tragédia – e não estou falando do Paulo Guedes (risos). 

A ligação com a literatura é algo sempre presente na sua carreira. Como começou sua experiência literária? 

Meu livro “Quem Tem Medo de Curupira?” era, a princípio, uma peça teatral que escrevi quando tinha 22 anos e ainda morava em São Luís. É uma fábula sobre as criaturas encantadas do imaginário popular brasileiro – Boitatá, Curupira, Caipora, Mãe d’Água e Saci. Ela foi encenada em 2010 em São Paulo, com direção de Débora Dubois, e depois virou livro numa coleção da Cia. das Letrinhas. Depois fiz dois livros de crônicas e conversas de botequim. Tenho feito experiências com contos, gênero que aprecio bastante, mas ainda falta coragem para publicar. Gosto de experimentar, de passear pelas linguagens, acho divertido e instigante. 

Acha que a música pode ser a parceira ideal para a poesia? Está trabalhando em algum livro no momento? 

Estou sempre trabalhando em algo, embora nem tudo possa ter “serventia pública”, digamos. Tenho escrito apontamentos sobre o novo mundo tecnológico, a arte em tempos de pós-história, mas por enquanto é só como reflexão pessoal mesmo. A escrita ajuda a organizar o pensamento. A música é uma grande parceira da poesia, mas admiro também a poesia do livro, a poesia feita para ser lida, não cantada. Não por acaso, leio alguns poetas que gosto nesse show. 

Estamos vivendo um momento de crises distintas no país – tanto da democracia como de ideologias. Na sua opinião, qual o papel do artista diante da atual conjuntura social e política do Brasil? 

Ajudar na reflexão sobre o nosso momento social e político, além de embalar, fazer sonhar, divertir, emocionar. Um pintor, Modigliani (o artista plástico e escultor italiano Amedeo Modigliani, que viveu de 1884 a 1920) talvez, falou que o papel do artista é manter o sonho vivo. Esse sonho não é de conto de fadas necessariamente, pode ser o sonho da igualdade social, racial e sexual, por exemplo. A arte pode despertar uma atenção à vida social de forma lúdica. Esse governo patético vai passar e não vai deixar rastro, afora o da destruição. Precisaremos reconstruir o Brasil, e a arte e a cultura serão muito úteis nesse processo. 

De uma forma geral, a cultura tem sido influenciada por um consumo material descomedido na era das mídias sociais, que acabam privilegiando a produção de uma arte mais padronizada. Diante dessa realidade, acha que a música ainda tem o papel de agente de mudança social que já teve em outras gerações? 

Sim, continuo a crer. A música que produzo hoje é uma música de nicho, mas é um nicho grande. O que chamam de “MPB” tem muita força ainda, é ouvida por muita gente, aqui e fora do Brasil. 

Atualmente, há uma “louvação ao individualismo”. O que acha disto? Em que medida essa ideia pode ser nociva ou útil para se repensar a sociedade como um todo? 

Mais que individualismo, observo um narcisismo bastante tóxico e arrisco dizer que estamos todos contaminados. Na era da selfie, o ego nada de braçada (risos). O grande perigo é fecharmos os olhos à dor do outro. Viver é coletivo, não há felicidade possível, para mim, sem que se contemple a felicidade coletiva mínima, ou seja, o bem-estar social. 

Quando você começou sua carreira o mundo era bem diferente, ainda se aguardava o lançamento de um disco ou livro. Qual sua relação com a nova realidade em que os serviços de streaming e a internet ditam todos os aspectos do dia a dia das pessoas? 

Sim, tudo mudou muito rápido, mas não me permito essas nostalgias (risos). Sigo produzindo música popular e vou me incorporando às novas formas de difundi-la. O que vejo de mais grave nisso tudo é uma certa banalização da audição de música, que vai virando um produto de consumo como outro qualquer, e não deveria ser. Mas, faz parte do processo, né? Vamos nos adaptando. 

Ainda sobre o show, conte um pouco, por favor, sobre a escolha do repertório. 

Ah, foi dificílima! São 24 anos de história discográfica mais os anos de “estaleiro”, é um repertório muito grande. Mas acho que cheguei a uma síntese interessante, acho que o público vai gostar. 

Serviço 
O quê: Zeca Baleiro apresenta o show “José” 
Quando: Nesta sexta-feira (10), às 21h 
Onde: Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537, centro) 
Quanto: Ingressos de R$ 100 a R$ 160 pelo site Eventim

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