Casada há 27 anos, Viviana é uma mulher que assumiu a profissão de esposa e abriu mão de seus planos para se dedicar a uma relação que, com o passar do tempo, tornou-se machista e cheia de repressões. Depois de todo esse período, ela finalmente consegue realizar seu grande sonho: lançar o livro “Não Sou Feliz, Mas Tenho Marido”. Na noite de autógrafos, ela reflete sobre tudo o que passou ao responder perguntas de jornalistas em uma entrevista coletiva e acaba por fazer um relato irônico, mordaz e bem-humorado sobre suas questões matrimoniais, mas que também são universais.
Essa história, embora possa encontrar semelhanças em muitos lares mundo afora, é uma ficção, e quem dá vida e voz à personagem é a atriz Zezé Polessa, que, de 2006 a 2010, viajou pelo Brasil com a peça. Agora, em tempos de pandemia e de isolamento social, o espetáculo ganha uma versão para os meios digitais e encerra a primeira edição do projeto “Palco Instituto Unimed-BH Em Casa”, iniciativa da produtora belo-horizontina Pólobh.
Neste sábado (25), às 20h30, Polessa sobe ao palco do Teatro Claro Rio (sem público, obviamente), na capital fluminense, para encenar o monólogo “Não Sou Feliz, Mas Tenho Marido”, baseado no livro homônimo da jornalista argentina Vivianna Gómez Thorpe. A montagem tem direção de Victor Garcia Peralta, que assina a adaptação para o teatro com Maria da Luz e a própria atriz.
“É uma comédia ácida, sarcástica, que ridiculariza e provoca”, observa a protagonista. Após uma década, ela volta ao papel de Viviana, e a nova realidade pandêmica pede ajustes. Para viver novamente a mulher encarcerada em seu casamento, a atriz mergulhou num processo de corte de texto para reduzir a duração da peça – se, antes, ela tinha cerca de uma hora e 40 minutos, a versão para a live terá, no máximo, uma hora e cinco minutos.
Segundo a artista, ela e a equipe estão há um mês em um processo intenso de ensaios, até mesmo para entender a comunicação com as câmeras, o movimento e a dinâmica do espetáculo. “Vamos ter que tirar muito coelho da cartola. Em casa, é muito fácil as pessoas se levantarem para buscar uma água, uma cerveja ou um café. Acho que consigo fazer em uma hora”, ela pondera.
Outras adequações importantes aconteceram: agora, Viviana é a autora de uma obra consagrada e a interação com o público é feita por meios tão atuais que há dez anos era impensável que o lançamento de um livro pudesse ser realizado fora dos eventos tradicionais em livrarias, shoppings ou centros culturais. “Para trazer mais para a linguagem audiovisual, colocamos a Viviana no lançamento da décima edição do livro, um best-seller, em uma live, como os autores estão fazendo agora. Pensamos esse formato, que é real, é já recebemos perguntas que serão respondidas na live”, conta a atriz.
Todo esse esquema montado para poder transmitir ao vivo um espetáculo direto do teatro, que antes era palco para atuações e aplausos, é uma novidade para Zezé Polessa. Embora tenho assistido a algumas lives no período de isolamento, ela destaca que o projeto só foi possível com muito diálogo. “A câmera é o que faz a comunicação da peça com as pessoas que estão em casa. Tivemos de pensar no uso dela, não pode ser só fechada, não é TV. Acredito que será uma coisa híbrida”. Ansiosa, a atriz completa: “Só vou poder falar realmente sobre essa experiência depois de fazer”.
Artista atenta aos direitos humanos
Antes de entrar de vez no universo artístico, Zezé Polessa cursou a faculdade de medicina e fez pós-graduação em medicina social, no fim dos anos 70, enquanto namorava a carreira no teatro, paixão que acalenta desde a infância. A preocupação com questões sensíveis à sociedade ainda move o espírito de justiça que a atriz conserva desde a juventude no Rio de Janeiro, cidade onde ainda mora. Em 2003, ela passou a integrar o Movimento Humanos Direitos (MHuD), criado em janeiro daquele mesmo ano e que reúne artistas, diretores, jornalistas, ativistas e fotógrafos.
Entre as pautas do grupo estão a defesa de ações socioambientais e dos povos indígenas e quilombolas e a luta pela erradicação do trabalho escravo e da exploração sexual infantil. Embora esteja um pouco afastada das atividades do coletivo, ela usa as redes sociais para marcar posicionamentos sobre racismo, feminismo, política e cobrar punição aos responsáveis pela execução de Marielle Franco.
Sobre a gestão de Jair Bolsonaro, ela é taxativa: “Ele não sabe criar estratégias para lidar com a pandemia, é um desgoverno. E tem essa coisa de ter de militar em tudo, como se eles fossem botar ordem no coronavírus. Além disso, é um governo corrupto”.
Programe-se
O monólogo “Não Sou Feliz, Mas Tenho Marido” será exibido ao vivo neste sábado, às 20h30, pelos canais do Sesc em Minas e do Teatro Claro Rio no YouTube, e também pelo canal 500 da Claro. Após a exibição, a montagem fica na plataforma durante 30 dias. Terceira atração do projeto “Palco Instituto Unimed-BH Em Casa”, o espetáculo sucede “Os Vilões de Shakespeare”, protagonizada por Marcelo Serrado, e “E Foram Quase Felizes para Sempre”, com Heloisa Périssé.