Em uma rua cheia no centro da cidade, você encontra uma loja de portas largas abertas com produtos empilhados logo na entrada — uma confusão das cores de flores de plástico, lixeiras, bacias e bonecas compartilhando o espaço. Então, você se lembra de que precisa de um utensílio para a cozinha e entra. Começa a peregrinação por um labirinto de itens e você sai de lá não apenas com o utensílio que procurava, mas com um massageador portátil e algumas gominhas para prender o cabelo. Essa história hipotética, que poderia se passar nos anos 90 ou em 2024, ilustra uma realidade do mercado em Belo Horizonte: cresce o comércio online, mas resistem, — e se expandem — as lojas de artigos para casa e utilidades.

Corredor do Atacarejão do Lar

Atacarejão do Lar investe em variedade de produtos. (Crédito: Thomás Santos)

“Eu posso pagar mais barato comprando online em varejistas como a Shopee. Só que, primeiro, eu não tenho que esperar nas lojas físicas, e geralmente elas me atendem quando estou precisando de algo com certa urgência e não posso esperar. Segundo, trabalho fora o dia inteiro e meu prédio não tem porteiro, então às vezes pedir online é um transtorno maior. Sou muito fã desse tipo de loja, o problema é que você entra querendo comprar uma coisa e sai com dez. É quase uma armadilha, para ser sincera”, compartilha uma consumidora. 

Para os comerciantes, essa “armadilha” é uma estratégia calculada, composta pela arquitetura das lojas — cada dia maiores — e pelo mix variado de produtos. Com investimento de R$ 5 a R$ 6 milhões, nesta semana o Atacarejão do Lar abre uma unidade no shopping Del Rey seguindo esses preceitos. “Nosso público é muito fiel ao presencial e quer ver os produtos na mão, ver a cor, a ‘grossura’ do inox. Temos muitas compras de passagem, quando a pessoa passa pela loja e lembra que precisa de algo. Estamos na saída para o ponto de Uber do Del Rey”, detalha o diretor de marketing da empresa, Raphael Felício.

A estratégia da marca tem dado resultados. Originada em 2016 no centro de BH, desde então ela acumula 14 unidades, 12 na capital e duas em Betim, com planos de expansão para outras cidades da região metropolitana em 2025. “Nosso alvo é a classe B até a D. A ideia tem essa pegada do sonho, de que, independentemente da classe, você pode ter uma casa bonita, uma mesa posta”. O online está no horizonte da empresa, que planeja se revigorar no ecommerce no próximo ano para competir no comércio digital.

Lojs de utilidades apostam em quem tem pressa e não quer esperar por encomendas. (Crédito: Thomás Santos/O TEMPO)

O fundador do Atacarejão do Lar é filho do dono da Magazine Diniz, rede aberta no início dos anos 2000 em BH. “Era uma loja de R$ 1,99, mas depois já não existia nada de R$ 1,99, e a partir daí fomos aprimorando a loja”, conta a gerente comercial da Magazine Diniz, Jucilene Oliveira. “Hoje, até a farmácia é nossa concorrente. O supermercado tem utilidade, a farmácia tem brinquedo... Virou uma guerra”.

Ela reconhece que nem sempre os preços da loja cobrem os da internet, contudo enfatiza que a marca retém o cliente com um atendimento atencioso no dia a dia. “Não temos o preço mais barato, mas temos preço justo. Principalmente os nossos clientes de bairro são sempre os mesmos todo dia e chamam os vendedores pelo nome. Se não formos transparentes com eles, nos queimamos”.

A marca tem uma unidade no centro da cidade, mas concentra seu planejamento em bairros para se manter próximo dos consumidores. Para quem busca praticidade no cotidiano, dá certo, atesta uma consumidora: “facilita muito no dia a dia, às vezes você vai desembrulhar a árvore de Natal, vê que falta algum enfeite ou que o pisca-pisca queimou, e essas lojas costumam ser uma mão na roda para essas situações. Às vezes, no dia do Natal, do Réveillon, você vai receber gente em casa e vê que precisa de algo, então elas ajudam muito”.  

O crescimento do ecommerce e das lojas online asiáticas compete pelo consumidor, porém ainda assim o espaço para o comércio físico crescer permanece aberto, avalia o coordenador da pós-graduação e curador do hub de trade marketing da ESPM, Marcelo Ermini. “O fato de fazer muito barulho não quer dizer que a galinha tenha o melhor ovo. Existe uma grande movimentação sobre o comércio online, mas, comparado ao físico, é muito pouco. Vários fatores colaboram para isso. O Brasil é um país continental, com milhões de consumidores, e cada um tem comportamentos próprios. Alguns fatores impedem a expansão do online, como a desconfiança e o fato de, no físico, ter a posse imediata do produto e navegar pela loja”, diz. A porcentagem de vendas do comércio online tem girado em torno de 15%, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Lojas investem em estoque amplo para competir com a internet

“Vendemos tudo o que você imaginar na Terra. Tem produto para homem, mulher, criança, idoso, cachorro... Não tem como entrar na loja e não achar nada para alguém”, resume a dona da rede Fiftylolo, Paloma Bicalho. A loja de presentes foi aberta em 2016, primeiro focada em bijuterias e maquiagem, e hoje em uma variedade de produtos importados, alguns deles da China. “Os que mais saem são a caixinha de karaokê, o massageador de pistola, o ferro a vapor e muita maquiagem”, lista Bicalho.

Corredor de loja Fiftylolo

Fiftylolo leva pedidos dos clientes nas redes sociais em consideração ao montar o estoque. (Crédito: Flávio Tavares/O TEMPO)

Ela trabalha com um olho na logística e outro nas redes socias para captar tendências e desejos dos consumidores. A vontade deles também guia a expansão da loja, diz a empresária. “Tem dois, três anos que os seguidores falavam para abrir uma loja no Castelo, aí assim que conseguimos um ponto, fomos”, afirma. A unidade no bairro da Pampulha é uma das 16 da empresa, que almeja chegar a pelo menos 20.

Apesar do desafio imposto pelas lojas online, as físicas guardam trunfos próprios, analisa o presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio de Belo Horizonte (Sindilojas/BH), Salvador Ohana. “É questão de impulso. Na internet, a pessoa entra, escolhe, paga e vai embora. Nas lojas, o tíquete médio é mais alto, porque a pessoa olha uma coisa, vê outra, a esposa quer comprar algo, o filho outro... Isso acaba aumentando o valor total da compra. As grandes redes apostam e investem nisso”, resume.