Mais de um terço dos lares do Brasil (36%) têm uma máquina de costura. São 25 milhões de residências, sendo que em quase 80% delas o uso do equipamento é diário ou semanal. A maior presença das máquinas está no Sudeste do país: 46% dos lares da região têm uma. A maioria dos consumidores está na faixa dos 30 aos 39 anos (39%). Cerca de 40% usam o produto para geração de renda, mas a maioria (58%) utiliza a máquina para costurar roupas para a família, para os pets, para dar de presente e para personalizar as próprias peças.
Os dados pertencem a uma pesquisa feita pela multinacional americana SVP Worldwide no Brasil, dona das marcas Singer, Husqvarna Viking e Pfaff, de máquinas de costura. No Brasil, a SVP vende Pfaff e Singer - sob essa última marca que acontece o maior lançamento da multinacional nos últimos anos. Nesta segunda (3), a SVP apresenta a sua primeira máquina automática de bordado e costura com conexão wi-fi, como parte de um investimento global de US$ 100 milhões (R$ 515 milhões) previsto até 2029.
Portátil, como todas as máquinas da nova geração, o modelo SE9185 apresenta um tablet acoplado com tela de 7 polegadas, no qual é possível que o usuário dê os comandos para a máquina executá-los. "Não é preciso saber costurar ou bordar para usar o novo modelo", disse à Folha de S.Paulo a diretora de marketing e ecommerce da SVP Worldwide na América Latina, Concheta Feliciano, responsável pela operação no Brasil. "É por isso que nós acreditamos que a geração Z, que gosta de moda e, acima de tudo, faz questão de peças customizadas, vai se interessar pela novidade, até para empreender."
No orçamento, a SE9185 vai concorrer com o preço de um celular de última geração: R$ 4.700. O modelo está disponível em lojas especializadas e no site da Singer, onde ocorrem 60% das vendas da marca. "Nós temos vídeos indicando como se precificar peças bordadas, que podem pagar o custo da máquina a partir de 60 dias de uso", diz Concheta.
Na sua memória, a máquina conta com uma espécie de banco de dados com 400 moldes, entre pontos e desenhos de bordado. Por meio de um aplicativo e um serviço de assinatura, o mySewnet, pago à parte, o usuário tem acesso a uma plataforma de milhares de projetos de costura e bordado. É uma espécie de "Netflix", ao custo de R$ 39,90 a R$ 89,90 ao mês, a depender da complexidade da matriz do bordado. "Com o mySewnet e o aplicativo, o usuário pode, por exemplo, tirar uma foto e transformá-la em bordado", diz Concheta.
Nem é preciso esforço para colocar a linha na agulha, que já entra automaticamente. O modelo também não necessita de pedal, como as antigas máquinas de costura: tem um botão de liga e desliga. Outro botão regula a velocidade do bordado.
Mercado brasileiro é estimado em R$ 500 milhões ao ano
A novidade da Singer vai concorrer com outras máquinas eletrônicas que também apresentam conexão wi-fi, como a da japonesa Brother. No mercado brasileiro de máquina de costuras domésticas, que a SVP estima em 350 mil unidades ao ano e R$ 500 milhões, também concorrem as marcas Elgin, Philco e Janome.
"Mas o diferencial da SE9185 é que é o primeiro modelo wi-fi que tem as funções de costura e bordado em uma mesma máquina. Antes, o consumidor tinha que comprar uma máquina para cada finalidade", diz ela. As fábricas da SVP, controlada hoje pelo fundo de investimentos Platinum, estão no Vietnã e na China. No Brasil, a fábrica da empresa em Indaiatuba (SP) é voltada à produção de agulhas.
De acordo com Concheta, o fato de o Brasil ter 25 milhões de máquinas de costura é expressivo. A pesquisa realizada pela SVP identificou que 78% delas são usadas diária ou semanalmente. "Houve um grande interesse por costura na pandemia, as pessoas começaram a fazer por hobby ou até por necessidade, dando início à fabricação de máscaras de proteção", diz a executiva. "Foi nesse momento que a costura e o bordado ganharam as redes sociais e a geração Z", afirma.
Como parte da campanha de lançamento, a SVP contratou influenciadores ligados ao mundo da moda, como o baiano Jonatas Verly, especialista em modelagem e costura, que vão divulgar o produto nas mídias sociais. "Nossa expectativa é vender 1.500 unidades no país até o fim do ano", diz Concheta.
A SVP também convidou uma influenciadora que é estilista, a gaúcha Clara Pasqualini, dona da marca Fauve, para conhecer o novo modelo. O teste foi acompanhado pela reportagem.
"O melhor dessa nova máquina é realmente reunir costura e bordado em um só equipamento", afirmou Clara, de 29 anos. "É muito prático", diz a estilista, que ganhou a primeira máquina de costura da avó, quando tinha 15 anos. Aos 19, começou a costurar camisas. Ter uma máquina própria de bordar é importante porque a terceirização desse serviço é cara, diz ela, e os testes são feitos a distância, o que de certa forma limita a criatividade.
Clara concorda com a ideia de que mais jovens da sua geração (os Z nasceram entre 1995 e 2010) querem customizar peças, muitas vezes recicladas. "As pessoas desejam ser representadas pelo que vestem, e o bordado é uma maneira de expressão", diz ela, que mora em São Paulo, onde cursa pós-graduação em gestão em negócios da moda.
Alfaiates destruíram 1ª máquina, com medo da concorrência
O interesse da SVP em se manter conectada com as novas tecnologias vai na contramão da época em que a máquina de costura surgiu. Consta que no início do século 19, em 1829, o alfaiate francês Barthelemy Thimmonier criou a primeira máquina de costura prática, aperfeiçoando invenções anteriores, com uma agulha de gancho que dava 200 pontos por minuto - muito acima dos 30 pontos em média que se conseguia manualmente.
Thimmonier abriu então a primeira indústria de roupas produzidas por máquinas, fabricando uniformes para o Exército. Mas, temendo perderem seu trabalho, artesãos e alfaiates promoveram uma revolução e colocaram fogo na fábrica e nas máquinas de costura.
Até que, nos Estados Unidos, em 1850, Isaac Singer aperfeiçoou iniciativas anteriores e criou a primeira máquina com pedal, para deixar as mãos livres e ajustar a velocidade da costura. Em 1851, patenteou o invento. Mais tarde, os alfaiates perceberam que a máquina poderia facilitar o seu trabalho, em vez de roubá-lo. (DANIELE MADUREIRA/FOLHAPRESS)