Há pelo menos dois legados que a pandemia de Covid-19 deixou para o setor de prestação de serviços. O primeiro, obviamente, foi a maior preocupação com a saúde e a busca por profissionais desse segmento. O segundo é o entendimento de que é possível ter acesso a esses especialistas sem sair de casa. Esses dois fatores criam um ambiente fértil para que médicos, massagistas, personal trainers e grandes empresas se esforcem para ir até a casa dos clientes e façam do atendimento em domicílio um diferencial competitivo.
A veterinária Juliana Rossi, que já teve experiência em clínicas de Belo Horizonte, encontrou no atendimento em domicílio uma alternativa de renda quando não estava prestando serviço nesses locais. A experiência deu tão certo que, hoje, ela só atende neste modelo e garante ganhar até três vezes mais do que antes. “Sem falar na flexibilidade no dia a dia, que é muito maior. Também criamos um relacionamento de confiança com os clientes, que me chamam para almoçar e tomar café”, destaca.
Focada no atendimento clínico, ela diz que os clientes se atraem pela comodidade de não terem que se deslocar com seus bichinhos até uma clínica. Porém, para que o ambiente doméstico se torne propício ao trabalho, ela orienta boas práticas para quem contrata seus serviços, como separar um cantinho tranquilo para a consulta, e dá dicas específicas para quem tem gatos. Quando o atendimento é para um felino, ela não toca o interfone quando chega, para não assustar o animal.
“Também é vantajoso ter a oportunidade de observar o ambiente em que aquele paciente está inserido, o que não acontece na clínica. Em alguns casos, é possível ver se certas doenças ou condições ortopédicas têm ligação com a casa em que o pet mora. Assim, é possível ter um panorama mais completo e aprofundar no tratamento”, reflete.
Atuando no mesmo segmento, a veterinária Daniela Fonseca nunca trabalhou em clínicas e sempre realizou a fisioterapia em pets na casa dos tutores. Cobrando uma média de R$ 120 por sessão, ela transporta toda a estrutura - incluindo bolas, prancha e até mini esteira -, o que atrai clientes que não têm carro ou tempo disponível. O serviço também facilita o cuidado de animais que estão debilitados ou são difíceis de serem transportados por serem de grande porte.
“Esse mercado já estava aquecido, por não ter tantos profissionais para atender à alta demanda, e aquece mais durante a pandemia. As pessoas adotaram mais animais durante a crise, para não ficarem sozinhas, e se acostumaram a receber os profissionais em casa. Nesse período consegui expandir e hoje conto com sete colaboradores. Cada um atende em uma região, o que reduz os custos com combustível”, relata.
No entanto, nem tudo são flores. Segundo ela, se deslocar de carro no trânsito de BH pode ser uma experiência repleta de imprevistos. “Cumprir a agenda sem atrasos é o principal desafio. Se você chega 10 minutos depois do horário já impacta no próximo atendimento e vira um efeito dominó. Nos esforçamos para não atrapalhar a rotina dos clientes.”
Já a sua colega de profissão, Juliana, aponta que estar presente nas redes sociais, sem ter formação para isso, é a parte mais difícil do trabalho. “Quando você não tem clínica, a internet vira sua vitrine para conseguir clientes. Mesmo com indicações, as pessoas querem ver meu perfil e o que já fiz. Produzir conteúdo é um desafio constante”, diz.
Massagem e treino em casa
Saindo do mundo dos pets, a massoterapeuta Fernanda Lizardo trabalha em uma instituição médica há 20 anos, mas ainda achou tempo para abrir seu próprio espaço, que fica em Lagoa Santa, para realizar massagens. Por demanda da clientela, também passou a atender em domicílio e investir em outros serviços. Ela conta que as drenagens linfáticas e os serviços de pós-operatório são o principal foco das clientes atendidas em casa.
“Sinto que foi uma virada de chave, passei a atender mulheres com poder aquisitivo mais alto e aumentei o ticket médio do meu serviço. Comecei em R$ 130 e hoje chego a cobrar R$ 450 pela sessão de uma hora. Também tenho uma vitrine boa no atendimento em domicílio, pois acabo conhecendo amigas ou parentes das minhas clientes e elas podem se interessar em me contratar”, diz.
O profissional de educação física Randy Duarte também mantém um espaço físico, com um colaborador, que atende cerca de 70% dos seus clientes. O restante realiza seus exercícios em casa ou parques com o auxílio do profissional, que leva todos os materiais necessários para as aulas. Segundo ele, essa modalidade já era oferecida antes da pandemia, mas a crise sanitária foi um divisor de águas em seu trabalho.
“Também há uma diferença de perfil. No atendimento em domicílio é comum eu atender grupos de três ou quatro pessoas de uma mesma família. Em tempos de redes sociais, e distanciamento, percebo que as pessoas querem criar esses momentos para se conectar. Também vejo pais estimulando filhos e alguns parentes que querem ajudar os idosos a sair do sedentarismo. Se exercitar em casa facilita muito esse processo”, detalha.
Obviamente, Randy também pratica diferentes valores em cada tipo de atendimento. Enquanto os clientes pagam cerca de R$ 240 por mês no espaço, com uma aula por semana, o treino em casa custa R$ 380. “Nesse caso, considero não apenas o valor da aula, mas também o tempo de deslocamento e o valor do combustível,” diz.
Agregando novos serviços
Além dos autônomos, as grandes empresas também já enxergaram o potencial do atendimento em domicílio. O Grupo Fleury, responsável pelas operações do Hermes Pardini, realiza os exames na casa dos clientes há mais de 30 anos e, no início, o foco era principalmente nas pessoas com dificuldade de mobilidade e deslocamento. Com o passar do tempo, outros clientes, que não queriam perder tempo no trânsito, também chegaram.
“A pandemia foi o período de maior divulgação do serviço, vários clientes experimentaram e aderiram ao modelo. A partir daí, duplicamos a operação e, mesmo após a pandemia, continuamos expandindo. Crescemos cerca de 20% em 2024 no comparativo com o ano anterior”, detalha a diretora de negócios Adriana Linhares.
A empresa cobra os mesmos valores do laboratório, mas inclui uma taxa pelo serviço, cujo preço médio é de R$ 60 dentro de BH e região metropolitana. "O cliente também pode comprar vacinas pelo site e optar pela aplicação em casa. Recentemente, também passamos a oferecer exames cardiológicos e polissonografia (que monitora o sono)”, conta.