Anúncios de refeições feitos com inteligência artificial no iFood, que têm sido alvo de críticas nas redes sociais e de questionamentos sobre os direitos dos consumidores, não são proibidos, mas a imagem deve ser fiel ao produto vendido e deixar claro que é "meramente ilustrativa", segundo o Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de São Paulo (Procon-SP) e o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).
Nas redes sociais, clientes questionam se a prática configuraria uma violação dos direitos do consumidor e há também quem peça que o iFood proíba o uso da tecnologia ou exija que seja apresentada uma tarja informando se tratar de imagem finalizada com auxílio da tecnologia.
Se o consumidor identificar que o prato não apresenta as características anunciadas, pode ser configurada propaganda enganosa, afirmam os órgãos de defesa. Nesses casos, ele tem direito de exigir que o restaurante cumpra a oferta inicialmente proposta, entregue outro produto ou serviço equivalente ou devolva o valor pago.
"A empresa que utiliza essa tecnologia para divulgação precisa entender que está assumindo um risco de frustração e que o seu produto pode configurar como uma propaganda enganosa em caso de dissonância entre a imagem e o que é entregue", diz o advogado do Idec Igor Marchetti.
Leia também. Golpes com inteligência artificial podem roubar seu rosto, sua voz e sua senha; saiba se proteger
Em nota, o iFood diz que orienta seus parceiros a utilizar imagens melhoradas ou geradas por inteligência artificial somente se representarem de forma coerente o produto que será entregue. "Esse cuidado é essencial para garantir uma boa experiência ao cliente e preservar a relação de confiança com os estabelecimentos", afirma.
A plataforma diz que atualizou recentemente sua política de uso de imagens e que disponibilizou comunicados para os parceiros sobre as novas diretrizes por meio de mensagens diretas, além de vídeos educativos e conteúdos nos canais oficiais.
"Todos os parceiros devem seguir as normas previstas nos Termos e Condições da plataforma, que incluem orientações claras sobre a apresentação dos itens no cardápio, além do respeito à legislação vigente. O iFood conta também com o apoio dos usuários, que podem relatar inconsistências diretamente pelo app.
As denúncias são apuradas e as sanções aos estabelecimentos podem variar de advertência à exclusão da plataforma, conforme a gravidade do caso", acrescenta.
Segundo regra do Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária (Conar), detalhada no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, anúncios não devem conter informações de texto ou apresentação visual que levem o consumidor a engano, seja de forma direta ou indireta, quanto à natureza, procedência, composição e finalidade do produto apresentado.
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de São Paulo (AbraselSP) afirma não notar o uso da inteligência artificial para fotos de pratos, já que a prática poderia fazer o cliente se sentir enganado. "A maioria das aplicações via IA são direcionadas para a gestão, como cardápios e estoque", diz.
"A imagem tem que ser real para que o cliente saiba exatamente o que vai consumir. Até existem artes que se propõem a imitar cartoons, desenhos, mas esse é outro conceito. A questão é o bom senso", acrescenta a associação.
O Procon-SP orienta que o consumidor busque primeiro formalizar a queixa no estabelecimento. Não conseguindo resolver, pode registrar uma reclamação no site do Procon de sua cidade ou estado.
IA tira monopólio de grandes redes de restaurante, diz influenciador
O criador do canal do YouTube "Meu Negócio com IA", Rodrigo Silva - que prefere ser conhecido pelo nome de usuário, "ssdigol" -, diz que incentiva seus inscritos a utilizar a ferramenta para atrair mais clientes.
"Eu não falo que é para fazer com IA em vez de contratar alguém, mas eu trago sempre quais são as vantagens de trabalhar com isso: a de criar algo muito parecido de forma mais barata, a de ter mais volume de produções, de fazer mais rápido. São argumentos que não tem contestação para um empresário, ele sempre vai colocar na ponta do lápis quanto custa fazer cada processo", diz.
O influenciador diz que grandes redes utilizam "técnicas de fotografia" muito parecidas. "O ponto mais importante de toda essa revolução da IA é questão da acessibilidade. A qualidade da mídia é algo que dita quem tem sucesso no negócio ou não, e a IA democratiza isso, porque todo mundo consegue ter alta qualidade sem ter um equipamento muito grande. Você tira o monopólio de quem tem um grande estúdio", diz.
Um estudo da Universidade de Duisburg-Essen, na Alemanha, buscou entender os efeitos que as imagens de comidas geradas por IA causam nos espectadores. Os 95 participantes tiveram que responder a um questionário e apontar desconfortos sentidos com imagens geradas com "prompts" irrealistas, imperfeitos ou realistas de comidas.
Os pesquisadores concluíram que as pessoas se sentem mais desconfortáveis se as imagens tiverem pequenos defeitos, ou leves distorções, do que se estiverem perfeitas ou visivelmente erradas, ou seja, abstratas, cartunescas ou estilísticas.
"Se um desenho ou uma caricatura se torna muito realista, os seres humanos se tornam mais sensíveis para detectar quando algo está errado. E se houver comida irreal, que parece muito realista, mas tem alguns erros - e erros podem ocorrer quando uma IA gera imagens - então percebemos isso como estranho ou inquietante", diz Alexander Diel, um dos autores da pesquisa.
Ele explica, porém, que as pessoas não sentiam tanto desconforto se a imagem falsa em questão estivesse perfeita, sem erros. "Se os anunciantes verificarem as imagens da maneira correta, a IA deve ser capaz de criar comida realista".
"Ainda não sabemos exatamente como essa comida de IA é processada no cérebro, existem poucas pesquisas sobre isso. Talvez mesmo se o anunciante criar comida de aparência muito realista, ainda pode haver algo ligeiramente errado que poderia afastar potenciais compradores. Ou, também é possível, a comida pode parecer ainda mais saborosa", acrescenta.