A Méliuz, empresa de Belo Horizonte avaliada em quase R$ 700 milhões, gerou curiosidade no mercado financeiro ao anunciar o balanço do segundo trimestre de 2025. A companhia reverteu um prejuízo de R$ 60 milhões, registrado no mesmo período do ano passado, e anunciou um lucro de R$ 7,6 milhões.
Mas o que chamou atenção no comunicado ao mercado foi a informação de que o resultado foi impulsionado por uma valorização de R$ 30 milhões nos investimentos em bitcoin da companhia. A Méliuz informou que o rendimento sobre os aportes em criptomoedas teve uma valorização de 908% entre o 1º e o 2º trimestre.
A receita líquida consolidada da companhia no período atingiu R$ 97,8 milhões, recorde para o período, representando alta de 12% frente aos R$ 87,6 milhões do ano passado. Mas investir em bitcoins é uma operação comum às empresas? A estrategista-chefe da Nomad, fintech voltada a contas internacionais, Paula Zogbi destaca que o aporte historicamente não era comum no Brasil.
“Mas o investimento em bitcoin tem ganhado destaque entre companhias, principalmente as do setor de tecnologia e financeiro. Méliuz é um exemplo recente, mas Mercado Livre, Tesla e Strategy (antes MicroStrategy) são exemplos de companhias que alocaram parte de sua tesouraria em bitcoin”, relata.
Zogbi diz que atualmente mais de 950 mil bitcoins hoje estão custodiados em tesourarias de companhias, somando mais de US$ 110 bilhões. “A tendência é que esse tipo de investimento se torne mais frequente à medida que a regulamentação avança e mais produtos financeiros, como ETFs de Bitcoin, se tornam acessíveis a investidores institucionais”, acredita.
O professor de Finanças do Ibmec-SP Cristiano Corrêa reforça a baixa popularidade dos investimentos em bitcoin no mercado corporativo brasileiro. “É um tipo de ativo que basicamente depende de fluxo, né? Ou seja, enquanto tiver gente comprando o papel ele tá subindo, enquanto tiver muita gente vendendo, é um papel que cai. Então, não é um papel que tem lastro como, por exemplo, o dólar que tem lastro na economia, ou qualquer outra moeda, ou qualquer outro ativo”, diz.
No caso da Méliuz, Corrêa observa que houve uma grande valorização nos ativos da empresa. “O que é perfeitamente compreensível, porque o valor da ação sobe. Então, se o valor do bitcoin sobe, eu vou corrigir o valor das minhas aplicações financeiras. E a empresa, obviamente, tem um ativo com valor maior. Se ela tem uma valorização na outra ponta, é óbvio que isso reflete o valor da ação, justamente pela valorização. Não é porque a empresa operacionalmente ficou melhor, não é uma empresa porque ela lançou um novo negócio, nem nada disso, e sim um reflexo direto daquela determinada valorização”, ilustra o docente.
Há riscos?
A estrategista Paula Zogbi diz, ainda, que a operação tem riscos, em função da volatilidade do mercado. Essa situação se atenuou sobretudo nos últimos quatro anos e abrindo caminho para perdas financeiras das empresas.
“Além da volatilidade, existem outros riscos importantes a serem considerados, como o risco de custódia (a segurança contra ataques cibernéticos e roubos em exchanges); riscos de conformidade e tributários, já que as regulamentações ainda estão em andamento globalmente e até riscos de fraudes e operações ilícitas, pela dificuldade de rastreabilidade destes ativos”, complementa.
Cristiano Correa classifica os investimentos em bitcoin por empresas como operações de alto risco, pelas dificuldades em fazer uma proteção. “Existem algumas operações que você faz com opções que podem ajudar a travar ou mitigar parte desse risco, mas de toda forma são operações super arriscadas porque a natureza do ativo bitcoin, ou qualquer cota cripto, é muito concentrada em compra e venda. Como ela não tem fundamento, depende basicamente de você comprar ou vender aquele ativo. Se você tem um movimento especulativo de muita compra, o preço sobe. Se você tem um movimento inverso, o preço cai”, reforça.
Há uma maneira correta para apostar em bitcoin?
Paula Zogbi, da Nomad, afirma que ao apostar em bitcoins, uma empresa precisa definir uma estratégia e definir um percentual limite do caixa alocado em criptomoedas. “A finalidade destes recursos e a estratégia de compra para medir em quanto tempo esta posição será alcançada, e garantir que a custódia será feita em uma instituição sólida e confiável. Também é importante ter ferramentas de gerenciamento de riscos, desde a diversificação dos investimentos até posições hedgeadas e stop-loss, dependendo da estratégia”, aconselha.
Cristiano Corrêa, do Ibmec, cita a necessidade de manter uma razoabilidade ao apostar em bitcoins para evitar comprometimento ao caixa da empresa. “A empresa, obviamente, precisa efetivamente calibrar essa ação para não comprometer toda uma operação”, arremata.