A Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil) apresentou nesta segunda-feira (18) suas contribuições à consulta pública conduzida pelo governo norte-americano em relação à investigação da Seção 301 sobre práticas comerciais do Brasil.

Na investigação, o Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês) acusa o Brasil em seis temas: acesso ao mercado de etanol do Brasil, desmatamento ilegal, falhas na fiscalização de medidas de anticorrupção, tarifas preferenciais injustas, proteção da propriedade intelectual e políticas relacionadas ao comércio digital e serviços de pagamento eletrônico, o que inclui o Pix.

No documento entregue ao USTR, a Amcham Brasil reforça a importância da cooperação bilateral e do diálogo construtivo como o caminho mais eficaz para lidar com as preocupações levantadas pelos Estados Unidos. Segundo a entidade, esse processo tem maior potencial de gerar soluções de interesse mútuo, evitando impactos negativos sobre empresas, cadeias produtivas e trabalhadores em ambas as economias.

A Amcham também alertou que a imposição de tarifas abrangentes – como a tarifa de 50% recentemente aplicada sobre parte significativa das exportações brasileiras – pode gerar efeitos adversos em ambos os países, além de abrir espaço para eventuais contramedidas brasileiras.

Principais considerações da Amcham presentes no documento:

1. Comércio e investimentos bilaterais

Superávit consistente dos EUA: Em 2024, os EUA registraram superávit de US$ 6,8 bilhões em bens e US$ 23,1 bilhões em serviços no comércio com o Brasil. Nos últimos dez anos (2015–2024), o superávit acumulado foi de US$ 257 bilhões.

Acesso facilitado ao mercado brasileiro: Mais de 70% das exportações americanas entram no Brasil com tarifa zero.

Integração produtiva: Em 2024, 33,7% do comércio bilateral ocorreu entre subsidiárias e afiliadas das mesmas multinacionais brasileiras e americanas, fortalecendo cadeias de suprimento e reduzindo custos.

Investimentos recíprocos: O Brasil é fonte relevante de investimentos nos EUA, sustentando mais de 110 mil empregos em diversos setores. Já os EUA são o maior investidor estrangeiro no Brasil, com mais de 3.900 empresas no país; entre 2015 e 2024, subsidiárias americanas remeteram US$ 54,2 bilhões em lucros para suas matrizes.


2. Comércio digital e serviços financeiros

Plataformas digitais: a regulação sobre responsabilidade de plataformas digitais ainda está em discussão no Legislativo e Executivo, após decisão temporária do STF, abrindo espaço para um debate estruturado e para o diálogo bilateral construtivo, com vistas a uma regulação que deve ser justa, transparente e não discriminatória.

Transferência internacional de dados: O Brasil adota um modelo que permite múltiplos mecanismos para transferências internacionais de dados. Diante da forte integração digital entre os dois países e da relevância dos fornecedores norte-americanos para o setor tecnológico brasileiro, há oportunidade de ampliar o comércio e os investimentos bilaterais, além de promover interoperabilidade regulatória e reconhecimento mútuo de padrões.


3. Tarifas preferenciais

Acordos preferenciais do Brasil: Os acordos de escopo parcial com Índia e México são autorizados pelas regras internacionais, têm alcance restrito e impacto marginal sobre o comércio brasileiro.

Acesso dos EUA ao mercado brasileiro: Os EUA desfrutam de acesso mais favorável ao mercado brasileiro que diversos parceiros preferenciais. Isso se deve a regimes especiais como o ex-tarifário e suspensões tarifárias setoriais, além da forte integração produtiva bilateral. O resultado é uma tarifa média efetiva de 2,7% para os EUA abaixo da aplicada ao resto do mundo (5,2%).

Parceria bilateral: Os setores privados dos dois países favorecem acordos para ampliar comércio e investimentos recíprocos, na linha do Protocolo ATEC de 2020 sobre facilitação de comércio e boas práticas regulatórias.


4. Propriedade intelectual

Avanços e desafios: O Brasil enfrenta desafios estruturais na proteção da propriedade intelectual (PI), mas vem avançando com iniciativas como a Estratégia Nacional de PI. Os esforços de repressão à pirataria física e digital, reconhecidos pelo Special 301 Report dos Estados Unidos de 2025, devem ser intensificados.

Backlog de patentes: O governo brasileiro tem adotado medidas para reduzir atrasos na concessão de patentes, que caiu em média para 2,9 anos, como a contratação de novos examinadores e a adesão ao Global Patent Prosecution Highway (GPPH). Ainda assim, os prazos seguem como desafio relevante, sobretudo nos setores de saúde e biotecnologia.

Agenda positiva: Há espaço para avanços adicionais, com foco na redução efetiva dos prazos de patentes e no fortalecimento da legislação antipirataria. Medidas como tarifas não solucionam os problemas de PI e podem comprometer os progressos já alcançados por meio da cooperação bilateral.


5. Biocombustíveis

Brasil e EUA, como líderes globais no de biocombustíveis, têm a oportunidade de ampliar o acesso recíproco a seus mercados, bem como aprofundar a cooperação para expandir o mercado internacional, inclusive de biocombustíveis sustentáveis para aviação e transporte marítimo.


6. Meio ambiente e desmatamento ilegal

Combate ao desmatamento: Em 2023, o governo assumiu a meta de desmatamento zero até 2030 e, entre 2023 e 2024, reduziu a área desmatada em 30%. Empresas também avançam em programas de rastreabilidade para cadeias livres de desmatamento.

Cooperação bilateral: A experiência internacional mostra que o combate ao desmatamento ilegal depende de cooperação, marcos legais sólidos e recursos adequados. Barreiras comerciais não reduziriam o desmatamento nem conteriam o comércio ilegal de madeira e poderiam prejudicar objetivos comuns.

(Com Estadão Conteúdo)