Desde as primeiras horas da manhã desta quinta-feira (28/8), uma força-tarefa com 1.400 agentes atua para cumprir mandados de busca, apreensão e prisão em empresas do setor de combustíveis e do mercado financeiro que têm atuação nesse segmento e são utilizadas pelo PCC (Primeiro Comando da Capital). A meta é desarticular a infiltração do crime organizado em negócios regulares da economia formal.
Batizada de Carbono Oculto, a maior operação contra o crime organizado da história do país em termos de cooperação institucional e amplitude, segundo a Receita Federal. Mira mais de 350 alvos, pessoas físicas e jurídicas que são suspeitos de crimes contra a ordem econômica, adulteração de combustíveis, crimes ambientais, lavagem de dinheiro, fraude fiscal e estelionato. Os agentes foram a campo em oito estados - São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina.
Como a reportagem demonstrou em reportagem recente, a entrada de facções criminosas na estrutura econômica de empresas já preocupa grandes companhias, gestoras de fundos e até investidores estrangeiros. Segundo as investigações que culminaram com a operação desta quinta, o PCC praticamente sequestrou o setor de combustíveis. A avaliação das autoridades é que quem quiser entrar nesse mercado fazendo tudo certo não tem condições de concorrer e sobreviver.
Apurou-se que a organização criminosa trabalha com metanol, nafta, gasolina, diesel e etanol. Controla elos da estrutura portuária, a formulação e o refino. Tem frota para transporte e distribuição, postos de abastecimento e, inclusive, loja de conveniência.
A força-tarefa informou que nas diferentes redes investigadas foram encontradas irregularidades no fornecimento de combustível em mais de 300 postos. Em bombas viciadas, os consumidores pagavam por um volume inferior ao informado ou por combustível adulterado, fora das especificações.
A Receita Federal apurou que 1.000 estabelecimentos vinculados à facção movimentaram R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024.
Para controlar o caminho do dinheiro nas operações, o PCC criou uma estrutura complexa e profissional, com corretora, administração de tipos variados de fundos, incluindo multimercados e imobiliário, além de fintechs, que podem até ter suas próprias maquininhas. Apurou-se que em alguns casos a facção comprou a instituição financeira já estabelecida no mercado por meio de fundo de participação.
O PCC também passou a usar não apenas uma fintech por operação, mas várias delas interpostas - o dinheiro vai passando de uma para outra como alternativa para impedir o rastreamento.
Foi identificado também o uso da conta bolsão, que centraliza múltiplos depósitos, de fontes distintas, para ocultar a origem do dinheiro. Completamente sem transparência, a sistemática limita o acompanhamento do fluxo de transações.
Foi identificado que essa bancarização do crime no mercado interno não apenas reduziu o uso de dinheiro em espécie mas também do paraíso fiscal fora do país e abriu espaço para a diversificação de investimentos.
O PCC também constitui patrimônio e lava dinheiro com debêntures e ações - ou seja, o recurso vem de atividade ilícita, mas se soma ao rendimento proveniente da atividade lícita na economia formalizada.
Pelas estimativas dos investigadores, o conjunto de negócios que foi alvo da operação nesta quinta movimentou cerca de R$ 30 bilhões para o crime organizado. Os agentes têm mandados para bloquear R$ 1,4 bilhão.
Segundo a Receita Federal, havia um racional. As operações financeiras realizadas por meio de instituições de pagamento (fintechs), em vez de bancos tradicionais, dificultavam o rastreamento dos valores transacionados. Por fim, o lucro auferido e os recursos lavados do crime eram blindados em fundos de investimentos com diversas camadas de ocultação de forma a tentar impedir a identificação dos reais beneficiários.
Também foi apurado que o interesse do PCC em ocupar posições na matriz energética brasileira atingiu a produção de álcool combustível. As investigações concluíram que a facção chega a comprar usinas. Outro método é colocar dinheiro para fazer a recuperação de negócios em dificuldade e assumir a operação, mas sem trocar a titularidade - o quadro societário ainda exibe o mesmo dono de sempre.
Ampliaram também a presença na importação de insumos. Entre os alvos citados na operação está o porto de Paranaguá, no Paraná. As investigações identificaram que ele serve de porta de entrada para a importação de metanol voltado a atividade ilícita.
O produto não é entregue aos destinatários indicados nas notas fiscais e, desviado, segue para distribuidoras e postos, onde é utilizado para adulterar combustível.
O metanol é um solvente industrial e matéria-prima da produção de formol, inflamável e tóxico, mas tem características de combustível. O transporte clandestino, com documentação fraudulenta, além de criminoso, é um risco à segurança nas estradas.
Com um trabalho conjunto que mobilizou autoridades por quase dois anos, a força-tarefa reúne agentes do Ministério Público nos diferentes estados, por meio do Gaeco (Grupo de Atuação Especial do Crime Organizado), o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a Receita Federal do Brasil, além das polícias Civil e Militar, da ANP (Agência Nacional de Petróleo), da PGE/SP (Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo), por meio do Gaerfis (Grupo de Atuação Especial para Recuperação Fiscal), e da Sefaz-SP (Secretaria de Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo).
Além das medidas criminais, o Cira/SP (Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos do Estado de São Paulo) vai atuar para bloquear bens suficientes para recuperar o tributo sonegado, estimado inicialmente em R$ 6 bilhões.