Atraso de salário

Adeus débito automático e olá remarcação de vencimentos

Sem receber em dia, servidores públicos trocam datas das contas para escapar dos juros

Por Queila Ariadne
Publicado em 07 de outubro de 2016 | 03:00
 
 
 
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A aposentada Verônica dos Santos mudou a data de vencimento do cartão. A professora Raquel Cunha tirou as contas do débito automático. E assim os servidores públicos estaduais vão equilibrando o atraso no pagamento dos salários. Até agosto, o benefício dos que ganham até R$ 3.000 por mês era pago até o quinto dia útil. Em setembro, passou a ser depositado no dia 10 e, em novembro, será pago só no dia 14. O atraso, que tem desorganizado as finanças, tem seu preço. E quem paga é o funcionário, que se equilibra entre o sufoco, os juros e as multas.

Para cada dia no cheque especial, o custo com os juros é de 0,37% da dívida. Já no caso do cartão, sobe para 0,46%. “É quase 0,5% de juros ao dia, um absurdo. Caso a dívida fique pendente por sete dias, serão 3,34% a mais a pagar”, calcula o diretor de economia da Associação Nacional de Executivos de Finanças (Anefac), Roberto Vertamatti.

Isso significa que, para cada R$ 100 de parcela do cartão que o servidor público não conseguir pagar na data certa, ele terá que desembolsar R$ 0,50. Em uma semana serão mais R$ 3,34. Em um mês, cada R$ 100 devidos vão subir para R$ 115,20. E se a dívida for de R$ 1.000, aí o gasto será de R$ 150,20.

Segundo o professor de finanças do Ibmec, Ricardo Couto, o atraso o pagamento dos salários não vai gerar uma onda de inadimplência, pois os servidores, mesmo depois da data, acabam pagando as contas. Entretanto, vai instaurar o caos no orçamento e gerar muita dor de cabeça. “A alternativa é conversar com os prestadores, para tentar mudar as datas de vencimento. Mas, como haverá multa e juros, a situação certamente vai encolher o poder de compra”, destaca.

De acordo com Vertamatti, nos casos de cartão e cheque especial, dá até paranegociar com o banco uma mudança do vencimento, mas, no caso das concessionárias de água, luz e operadoras de telefonia e TV a cabo, por exemplo, a mudança é mais difícil porque não é tão imediata. Normalmente, elas cobram 2% de multa, mas juros de 1% ao mês.

No caso da professora Raquel Cunha, a primeira medida foi tirar as contas do débito automático. “O comportamento teve que mudar. Alguns vencimentos eu passei para o dia 15, outros a gente conversa ou paga atrasado com juros, o que deixa o salário ainda menor”, reclama. A aposentada Verônica dos Santos mudou a data do cartão de crédito. “Tive que jogar para a frente. Mas o celular, que vence dia 10, eu vou até cancelar”, conta.

O governo mineiro já vem parcelando o pagamento de quem recebe acima de R$ 3.000 desde janeiro. A partir do mês que vem, quem ganha abaixo disso também será afetado, o que corresponde a 75% do funcionalismo público. A justificativa é a falta de recurso. “Estamos tentando de todas as maneiras superar essa fase mais difícil das finanças do Estado, afetando o mínimo possível a vida dos servidores. Essa escala é a forma que encontramos para penalizar menos quem ganha menos”, afirmou o secretário de Planejamento e Gestão, Helvécio Magalhães, por meio de nota.


Entenda a escala

Salários de até R$ 3.000
Novembro: dia 14
Dezembro: dia 12

Salários superiores a R$ 3.000
Novembro: recebe R$ 3.000 no dia 14 e o restante nos dias 18 e 23
Dezembro: recebe R$ 3.000 no dia 12 e o restante nos dias 19 e 21

Décimo terceiro: A data de pagamento será definida em uma reunião marcada para o fim de novembro

Muda o cartão

“O cartão vence no dia 9. Como vou receber depois do dia 10, eu já pedi para mudar a data do vencimento. O celular vence no dia 10, mas eu nem vou querer mais, vou cancelar. O medo agora é ficar sem o 13º, pois a gente conta com ele para comprar lembrancinhas do fim do ano.”
Verônica dos Santos
aposentada

Cancela o débito

“Eu tirei algumas contas do débito automático. As outras a gente negocia prazo para pagar no dia do pagamento. Sem falar no cheque especial, que já usamos uma vez para tapar buraco, mas é juro que não acaba mais. Quem não tem outra fonte de renda está padecendo.”
Raquel Cunha
Professora

Medo do caos

“Eu ainda tenho alguma reserva. Mas imagina quem depende só do salário do Estado? Eu fico pensando quem tem escola para pagar, além de plano e saúde e todas as outras contas vencendo. Esse atraso vai ser um caos. E a gente nem sabe se vai receber o 13° neste ano.”
Maria da Silva
Aposentada

 

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Impacto

Atrasos vão afetar vendas do comércio

A aposentada Maria da Silva, 69, está conseguindo pagar as contas com as economias que ainda tem. O medo maior agora é ficar sem o 13º. Segundo o governo, no fim de novembro haverá uma reunião para definir como e quando o benefício será pago. Hoje, a folha de servidores públicos estaduais é da ordem de 632 mil pessoas. Desse total, 477 mil recebem até R$ 3.000.De acordo com a economista da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL-BH), Ana Paula Bastos, o peso dos servidores no consumo é muito alto e qualquer atraso terá impacto negativo. “O que dá o gás nas vendas do fim do ano é a segunda parcela do 13º. Neste ano, com mais demissões, naturalmente o volume pago será menor”, comenta.

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