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Chás tentam furar bolha do café e ganhar mineiros, que têm fama de conservadores

Do plantio ao varejo, empresas oferecem uma variedade de bebidas para conquistar o paladar ou complementar cuidados com a saúde

Por Gabriel Rodrigues
Publicado em 26 de abril de 2024 | 06:00
 
 
 
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Terra do café e, mais recentemente, dos drinks em lata, Minas Gerais também tenta ampliar o mercado de chás, mas encontra resistência — aos poucos, reduzida. Jovens gerações redescobrem ervas medicinais utilizadas há séculos, encantam-se pelas bebidas que aparecem em dramas asiáticos, e o mercado de kombucha toma tração na esteira das comidas saudáveis. Com bebidas ainda longe de ser um gosto difundido como o café, porém, as empresas mineiras precisam se desdobrar para atrair um público para esse mercado potencialmente milionário.

Globalmente, o mercado de chás deve dar um salto de US$ 51,26 bilhões em 2023 para R$ US$ 67,69 bilhões até 2028, de acordo com a empresa de análise econômica internacional Mordor Intelligence. Ele só não é mais consumido no mundo do que o café (e a água, obviamente) e tende a continuar ganhando mercado. “Com a Covid, aumentou o interesse pelo cuidado com a saúde, e o chá acabou sendo o principal produto que se encaixa em todo esse momento. Foi observada uma tendência de aumento de consumo em todo o mundo”, introduz a especialista em chás Paula Braga, mineira que acaba de retornar do Japão após uma temporada de estudos sobre as tradições da bebida. Ela coordena a nova degustação mensal de chá japonês no Jardim Zoológico de BH

Apesar de uma infinidade de ervas ser considerada chá no Brasil, a bebida tradicional vem de uma única planta, a Camellia sinensis. Depois que a família real portuguesa desembarcou no Brasil, em 1808, ela tentou transformar o país em um polo de cultivo econômico da bebida, um ativo econômico forte da Ásia, mas a morte do Frei Leandro do Sacramento, maior cuidador das plantas, iniciou o declínio irreversível do plantio. Em Minas, não existem plantações extensas de chá. Na época do Império, houve tentativas de fazê-la vingar no Estado, com cultivo na região de Ouro Preto. O que restou disso, contudo, foram apenas lembranças guardadas no Museu do Chá do Parque Estadual do Itacolomi.

Isso não quer dizer que os mineiros tenham desistido da bebida. Em Caeté, na região metropolitana de Belo Horizonte, a restauradora Marrege Ramos tem uma plantação de 5.000 pés de chá indiano em seu sítio — uma produção considerada de pequena escala. É uma das poucas do Brasil, e as plantas serão direcionadas ao seu bistrô, que deve ser inaugurado no centro histórico da cidade em junho.

“Sou de Ouro Preto e cresci tomando chá. Minha mãe tinha um antiquário e uma casa de chás quando eu era criança”, rememora. Sua ideia é aumentar a produção, mas sempre em uma escala artesanal, diz: “com dois quilos de folhas secas, você faz 300 g de chá preto. Tenho mais três pessoas que colhem comigo. Quando o negócio crescer, precisarei de mais”.

As misturas e bebidas à base de ervas comuns no Brasil são chamadas de chás popularmente, como o chá de camomila ou de boldo. Mas, tecnicamente, são infusões, pois o chá em si vem somente da Camellia. Também na região metropolitana, em Contagem, a família Dei Falci tem uma produção própria de ervas para infusões orgânicas, além de ervas para uso na gastronomia e flores comestíveis. A plantação foi iniciada em 1991, por duas irmãs, e agora busca entrar nas principais redes de supermercado de BH, conta Eduardo Dei Falci, coordenador da empresa.

“Hoje, os chás são 20% do nosso negócio, mas nossa aposta é que ele ganhe protagonismo nos próximos anos”, diz ele. “O público chega em um estabelecimento para lanchar e tem suco, refrigerante e, hoje em dia, começa a encontrar chá também”. A rede Pão de Queijaria, por exemplo, serve os chás da Dei Falci na versão gelada.

Chá x café

Com fama de conservador, o público mineiro é altamente apegado ao café, e romper essa barreira é um desafio permanente do mercado de chás, concordaram quase todas as fontes consultadas pela reportagem. “O mineiro não está acostumado a eles. Nós, mineiros, temos um pouco o pé atrás, somos desconfiados ao experimentar coisas novas”, reflete a dona da única unidade da franquia espanhola Tea Shop em BH, Isabela Saraiva.

A franquia internacional já teve quatro lojas na capital, mas uma a uma foi fechando ao longo dos últimos anos. No cardápio com cerca de 80 chás importados, há opções sem cafeína, com os chás alaranjados rooibos, da África do Sul, e o favorito da rainha Elizabeth II, o earl grey — chá preto com óleo de mexerica.

Um trunfo desse tipo de chá, consumido pelo sabor, e não pelas propriedades terapêuticas, é a nova onda de importação da cultura asiática ao Brasil. “A geração mais nova está consumindo muito essa cultura, especialmente da Coreia. E, nos dramas coreanos, bebe-se muito chá  gelado”, pontua a especialista em chás Paula Batista.

Foco na saúde sustenta mercado dos chás

O imaginário da avó que tira uma erva do jardim para fazer um chá capaz de curar doenças como nenhum outro remédio seria capaz é uma ideia que atravessa gerações. Esse conceito continua a sustentar lojas especializadas em ervas em Belo Horizonte, comuns no Mercado Central, por exemplo.

Fundada em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, há quase 30 anos, a Casa dos Chás segue o modelo clássico do negócio, com uma parede preenchida por saquinhos de ervas para chás. “A maioria dos meus clientes são idosos, mas o número de jovens tem crescido bastante. A internet tem auxiliado muito nisso, porque no Instagram só tem receita de produtos naturais agora. É um público que corre ou faz musculação”, diz a dona da unidade da loja no bairro Padre Eustáquio, na região Noroeste, Milena Vitória. “Os que mais saem são os chás calmantes, como camomila e valeriana, e os emagrecedores, como chá verde e hibisco”.

Casa dos Chás, em BH
Casa dos Chás, em BH (Crédito: Flávio Tavares/O TEMPO)

O maior sucesso das Ervas Dei Falci também tem um quê terapêutico, segundo o coordenador da empresa, Eduardo Dei Falci. “O chá que mais sai é disparado o Celeste, voltado para o sono. Um cliente grande de Tiradentes diz que é o Rivotril natural. Claro que não é um remédio, mas é um auxílio. Ele leva capim limão, maracujá, melissa e folhas de laranja”, finaliza.

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