A partir de segunda-feira

Comércio de BH teme que novo fechamento seja mais prejudicial que os de 2020

Sem as medidas do governo federal de suspensão de contrato de trabalho, redução de salário de funcionários e auxílio emergencial, impactos serão piores

Por Rafaela Mansur
Publicado em 08 de janeiro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Os comerciantes de Belo Horizonte acreditam que o novo fechamento das atividades, a partir da próxima segunda-feira (11), vai trazer impactos ainda mais severos do que os anteriores. Enquanto em 2020 os empresários tinham à disposição medidas como a suspensão do contrato de trabalho e a redução de jornada e salário dos funcionários, implantadas pelo governo federal, e podiam contar com o auxílio emergencial para impulsionar o consumo, neste ano as ajudas acabaram e restaram as dívidas dos empréstimos feitos no início da pandemia.

Após um ano de restrições, os lojistas não sabem mais de onde tirar dinheiro para pagar funcionários e manter o negócio e preveem mais fechamentos de empresas e demissões, com a medida imposta pela prefeitura para conter o avanço da Covid-19.

A loja de variedades Leugim Magazine, em Venda Nova, tinha reforçado o estoque de livros e materiais escolares e se preparado para as vendas de volta às aulas. Uma das proprietárias do estabelecimento, Elizabeth Silveira, teme que, agora, o investimento não tenha retorno. Segundo ela, com o fechamento, a expectativa é de vendas 80% inferiores às de janeiro do ano passado. "Vamos ter um prejuízo enorme, as vendas online correspondem a praticamente 10% das vendas da loja física. Não é o comércio que causou essa reviravolta na pandemia, nós estamos seguindo os protocolos", diz Elizabeth.

A loja tem cerca de 40 funcionários e conseguiu manter todos ao longo de 2019, com a aplicação das medidas de preservação de emprego do governo federal. "Fizemos tudo o que podíamos fazer pra não mandar ninguém embora. Só que agora não temos ajuda nenhuma para arcar com esse prejuízo que vamos ter durante o período de fechamento, que nem sabemos direito quanto vai durar. Dessa vez, não vamos conseguir segurar", lamenta.

A expectativa é que as restrições durem cerca de três semanas, mas o cenário é incerto. Segundo a prefeitura, mais informações sobre o fechamento das atividades não essenciais devem ser fornecidas nesta sexta-feira (8) por meio de um decreto a  ser publicado no Diário Oficial do Município.

Se a cidade seguir as mesmas regras de abril, quando apenas serviços essenciais puderam funcionar, somente estabelecimentos como farmácias, óticas, supermercados, padarias, sacolões, açougues, postos de combustível, lojas de materiais de construção e agências bancárias poderão abrir.

Na loja Divinos Calçados, no Barreiro, a expectativa é de redução de 60% nas vendas com as portas fechadas. A estratégia do estabelecimento será investir em atrativos, como promoções e fretes grátis, para os clientes que solicitarem entrega em casa. Outra ideia é fortalecer a loja online. "Parar tudo não dá, porque as contas continuam chegando. Estamos em uma situação muito complicada e tudo vai depender de quanto tempo vamos ficar fechados. Temos salários e encargos trabalhistas para pagar", diz um dos proprietários do negócio, Rodrigo Almeida.

Mais de 20 entidades que representam diferentes setores econômicos da capital se reuniram nesta quinta-feira e decidiram enviar um ofício ao prefeito Alexandre Kalil (PSD) solicitando uma reunião. O objetivo é apresentar à prefeitura sugestões para que o comércio permaneça aberto.

"A visão geral é que o impacto do fechamento agora vai ser muito mais prejudicial. As vendas de final de ano não foram tão boas quanto o esperado, muitas empresas não vão conseguir se manter e muita gente vai ser mandada embora. Se essa projeção de fechamento por três semanas for cumprida, vamos ter um caos na cidade", afirma o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Marcelo de Souza e Silva, que sugere, por exemplo, a restrição do funcionamento das atividades a dias e horários específicos. "A transmissão não é culpa do comércio. O setor está fazendo a parte dele", diz.

A decisão de fechamento da cidade foi adotada pelo Executivo devido ao crescimento da curva de casos de Covid-19 na cidade. O indicador mais preocupante é a ocupação de leitos de UTI para o tratamento da doença, que, nesta quinta-feira, chegou a 85,1%.

A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Minas Gerais (Fecomércio MG) destaca dados do Caged, que mostram que, entre janeiro e novembro de 2020, Belo Horizonte perdeu 6.982 postos de trabalho formal no comércio e 12.526 vagas no setor de serviços. Além disso, 21.746 empresas foram encerradas na capital, segundo o Mapa de Empresas do governo federal.

"No início do ano, o movimento no comércio costuma ser fraco historicamente, e teremos um declínio ainda maior no volume de receitas dos empresários, que não podem mais suspender os contratos e reduzir salários", pontua o economista-chefe da Fecomércio-MG, Guilherme Almeida.

O superintendente da Associação dos Lojistas de Shopping Centers (Aloshopping), Alexandre Dolabella França, diz que 10% a 15% das lojas de shoppings de Belo Horizonte e região metropolitana já foram definitivamente fechadas. "Os lojistas estão sem dinheiro e capital de giro, as vendas já estavam mais baixas, e agora eles ainda têm que pagar dívidas de empréstimos que pegaram no ano passado e pagar aluguel e condomínio nos shoppings, que voltaram aos valores normais. Vamos ter um fechamento enorme de empresas e demissão em massa", afirma.

A Prefeitura de Belo Horizonte informou que "lamenta profundamente os impactos que vêm sendo causados pela pandemia nas diferentes atividades econômicas". Segundo o município, 156.958 empresas de atividades essenciais (84% das empresas ativas instaladas na capital) continuarão autorizadas a funcionar.

O Executivo disse que vai continuar monitorando os indicadores epidemiológicos para avaliar a possibilidade de mudanças no processo de reabertura, "portanto, a quarentena permanecerá o tempo necessário para redução dos números". Ressaltou, ainda, que "preservar vidas continua sendo a prioridade".

Bares, restaurantes e academias lamentam fechamento

Empresas de serviços também se preocupam com o fechamento a partir de segunda-feira. O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Minas Gerais (Abrasel-MG), Matheus Daniel, diz que mais de 4.000 estabelecimentos do setor já encerraram definitivamente as atividades e que, se a nova suspensão perdurar, a estimativa é que mais 1.000 serão fechados.

"A maioria dos restaurantes já estava tendo prejuízo e, com a proibição da venda de bebida alcoólica no início de dezembro, a situação piorou ainda mais. Os bares perderam cerca de 80% do faturamento. Agora fica tudo muito mais difícil, a maior parte dos restaurantes não consegue se sustentar com delivery", afirma Matheus.

Se as academias também forem fechadas — o que o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Natação, Ginastica, Recreação e Cultura Física de Minas Gerais, Gustavo Fleming, acredita que vai acontecer —, o impacto também vai ser grande. "Ficamos fechados por quase seis meses no ano passado, e o retorno foi muito complicado ainda, porque as pessoas estavam com medo. Janeiro geralmente é um mês forte, a gente esperava que seria razoável, e, com o fechamento, tudo volta à estaca zero", diz Gustavo.

Segundo ele, a estimativa é de que 10% do mercado, em torno de 150 academias, já tenha fechado as portas. "Se esse fechamento se estender, acreditamos que esse número vai aumentar".

Fechamento deve seguir regras semelhantes às do início da pandemia

Com poucas mudanças, Belo Horizonte deve retornar ao patamar de fechamento do início da pandemia, quando a prefeitura baixou o primeiro decreto de fechamento dos estabelecimentos, segundo o infectologista Estevão Urbano, um dos membros do comitê de enfrentamento da pandemia da capital.

Padarias, supermercados, farmácias e sacolões continuam na lista de serviços essenciais, que podem continuar funcionando. Desta vez, o Jardim Zoológico, na região da Pampulha, e os parques municipais também permanecerão abertos, mediante agendamento. Não haverá também interrupção de jogos de futebol e treinos.

Por outro lado, o decreto de março, que foi revogado pelo decreto 17.348, de abril, e deve ser a base das novas regras, ordenou o fechamento de academias, salões de beleza, cinemas, lojas de rua e de shopping centers, além de limitar o funcionamento de bares, restaurantes e lanchonetes ao delivery e à retirada no local.

De acordo com Urbano, o fechamento do comércio é encarado como um passo para reduzir a mobilidade de pessoas. "O comércio é só uma das atividades que será fechada. O que propomos é a diminuição da mobilidade das pessoas, seja no bar, no restaurante, no clube, na academia e no comércio. Quanto menos trânsito de pessoas, menor o contágio. (Primeiro) restringimos locais onde há mais transmissão, onde as pessoas ficam por mais tempo, muitas vezes sem máscara, e chamamos a atenção para festas de Réveillon e viagens. Mas, a partir do momento em que a margem de manuseio dos leitos vai ficando curta, temos que expandir as restrições para lugares onde há menos transmissão do que em bares, mas, ainda assim, ela pode acontecer", afirma o infectologista.

Segundo a prefeitura, as questões relacionadas ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) serão definidas após a publicação do decreto. O governo federal já entrou em contato com o Executivo sobre o assunto.

A prefeitura afirmou ainda que continua trabalhando para que a cidade tenha leitos suficientes para atender as necessidades da população. Segundo o município, após as festas de fim de ano, tem havido um aumento da demanda por internações em decorrência da Covid-19 nas redes SUS e suplementar, e a demanda de internação para outras doenças também tem sido alta.

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