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DATATEMPO: 91,3% dos mineiros foram afetados pela inflação

Levantamento aponta ainda que 66% da população do Estado acredita que o país passa por uma crise e tem dificuldade em superá-la

Por Gabriel Rodrigues
Publicado em 13 de maio de 2022 | 14:01
 
 
 
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A inflação invade supermercados e postos de combustíveis e chega à casa dos mineiros, acumulada em 12,13% nos últimos 12 meses, fechados em abril, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao mesmo tempo, o primeiro trimestre terminou com 12 milhões de desocupados no Brasil, e o endividamento e a inadimplência das famílias bateram mais um recorde em maio. O cenário, na percepção dos mineiros, é de crise econômica: 66% da população do Estado acredita que o país passa por uma crise e tem dificuldade em superá-la. E 91,3% afirmam que foram afetados pela situação da economia, seja pela inflação, por dívidas ou desemprego, segundo pesquisa DATATEMPO, publicada nesta sexta-feira (13).

Os indicadores econômicos do país são mais que números e afetam, na prática, o dia a dia dos mineiros. A cozinheira Jessica Batista, 26, diz não ter dúvidas de que o país atravessa uma crise econômica e que a economia piorou nos últimos anos. Seu marido é catador de recicláveis e viu a renda minguar na pandemia: antes, ele conseguia, em média, R$ 50 por dia, valor que caiu para, no máximo, R$ 30, além de perder valor devido à inflação.

“Hoje, tudo está mais difícil, e muita gente está na mesma situação que eu, passando bem apertado. Eu recebo auxílio do governo, mas não confio nisso, porque acho que ele pode ser cortado a qualquer momento. No mês passado, comprei um gás de R$ 135. Às vezes, eu tiro de uma coisa para investir em outra”, relata. 

Cientista social e analista de pesquisa DATATEMPO, Bruna Assis explica que o impacto foi generalizado e somente uma minoria da população afirma não ter sido afetada. “O que os dados indicam, quando juntamos essas questões em um indicador de situação econômica, é que apenas 8,6% dos mineiros não foram afetados em nenhuma instância de suas vidas pela crise econômica, enquanto 70% tiveram sua vida afetada por pelo menos uma das dimensões de crise. Já 21,3% afirmam que foram muito impactados pela inflação, pelas dívidas, pelo desemprego e pelo atraso de contas”, detalha.

Os dados econômicos dão pouca margem à esperança no cotidiano, explica o professor de economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Mario Rodarte. “Há noções mais técnicas sobre recessão, mas tem um dizer norte-americano que diz: recessão é quando seu vizinho está desempregado, e depressão é quando você também está. O desemprego está em um nível elevado há muito tempo, devido à incapacidade de o setor produtivo gerar trabalho. Somou-se a isso a questão da inflação. Os juros estão altos para tentar contê-la e porque a inadimplência está alta, mas a inadimplência é alta por causa dos juros. É um círculo vicioso explosivo”.

 

Crise atinge famílias de todas as classes

A maioria dos mineiros diz que foi impactada pela situação econômica do país, não importa a faixa salarial em que se enquadra. Entre os que recebem até dois salários mínimos (R$ 2.424), 93,7% declaram ter sido impactados ou muito impactados. Já nas faixas mais elevadas, 88,6% de quem ganha mais de dez salários mínimos (R$ 12.120) dizem ter sido impactados ou muito impactados.

“É um degradê, uma gradação do problema. Algumas pessoas estão cortando compras supérfluas. Outras estão brigando no mercado por promoção de cebola. Quando essa crise foi instalada, a taxa de desemprego para os 25% de famílias mais ricas estava em 2,4%, e para as 25% mais pobres, 18,9%. Eu me sinto muito mal em informar isso, porque tendo a ser otimista, mas o cenário não está dando alento, e o tripé da crise, de inflação, juros altos e desemprego vai continuar estabelecido”, diz o professor de economia da UFMG Mario Rodarte.

Coordenadora institucional do Movimento das Donas de Casa e Consumidores de Minas Gerais, Solange Medeiros reforça que o arrocho é pior para as famílias mais pobres, já que reduz a renda até para as compras mais básicas. A classe média, na perspectiva dela, teve que perder confortos. “Ela perdeu viagens, perdeu o lazer”, pontua.

Como no dizer norte-americano, que pontua que “depressão econômica é quando não só seu vizinho, mas também você perdeu o emprego”, Geise Duarte, 27, tem assistido a vizinho após vizinho perder o trabalho, e ela própria ficou até sem bicos nos últimos anos, já que as famílias que costumavam contratá-la deixaram de solicitar o serviço.

“Antes da pandemia, eu era babá e ganhava bem. Fui demitida, mas juntei um dinheiro e comprei cestas básicas e vasilhas de marmitex para vender, só que chegou uma hora em que ninguém mais comprava. Fui obrigada a procurar doações de uma ONG. Nunca tinha me imaginado em uma situação dessas. Minha mãe trabalha ‘fichada’, como faxineira. A empresa dela demitiu uns 50 funcionários, e ela explicou para o patrão que precisa muito do trabalho”, relata. 

 

Pandemia é ‘responsável’ por crise, mas governos são mais culpabilizados

A pandemia da Covid-19 deu a tônica do discurso da economia nos últimos dois anos, e 21,6% dos mineiros a apontaram como responsável pela atual situação econômica do país. Acima da crise sanitária, o governo atual aparece como maior responsável pelo cenário, na opinião de 32%, e os governos antigos vêm logo atrás, para 26,8% dos entrevistados na pesquisa DATATEMPO

Cientista social e analista de pesquisa DATATEMPO, Bruna Assis destaca que a tendência é que a pandemia perca força nas preocupações do dia a dia. “O fator do esquecimento é importante na avaliação desse quadro. Durante a pandemia, muito se foi discutido e noticiado sobre seus impactos econômicos e seus custos no longo prazo. Com a melhora do quadro pandêmico, outras questões passam a ter mais relevância e ser mais mencionadas no dia a dia das pessoas. Assim, os efeitos da Covid-19 podem deixar de ser percebidos por uma parte da população e, consequentemente, ser menos apontados como principal responsável pelo quadro econômico atual”.

 

O professor da UFMG Mario Rodarte avalia que houve um falso entendimento de que esforços para conter a pandemia degradariam a economia ainda mais. “Países que fizeram de fato um lockdown não ‘empastelaram’ a economia como nós. Era um falso dilema do cobertor curto de que, ou se melhorava a economia, ou se cuidava da pandemia”, conclui.

 

Norte de Minas e Campo das Vertentes sentiram mais impactos

A região Norte de Minas é onde mais mineiros disseram ter sido impactados pela situação econômica: 96,2% dos moradores da região declararam ter sido afetados, acima da média estadual, de 91,3%. Mas foi no Campo das Vertentes onde mais pessoas disseram ter sido muito impactadas. Na região, 35,1% dos moradores marcaram essa opção, enquanto, nas demais áreas do Estado, a taxa não chegou a 30%.

O professor da UFMG Mario Rodarte pondera que Minas é marcada por diferenças econômicas. “Há uma divisão geográfica da economia mineira ao longo do mapa. Na região Norte, por exemplo, há famílias mais pobres”, pontua.

A chefe do departamento técnico da Associação dos Municípios da Microrregião dos Campos das Vertentes (Amver), Virgínia Rodrigues, considera que a baixa do turismo durante a pandemia é o principal fator que explica a desilusão na região, que reúne cidades como São João del-Rei e Tiradentes. “Nosso potencial é turístico. O artesanato é voltado para o turista que vem, e não para sair daqui. Sem turismo, muito comércio fechou também. Parece que agora há uma retomada. O feriado da Semana Santa teve muito movimento, e as universidades voltaram a ter aulas presenciais”, diz.

Pesquisa e fundos de reserva são estratégias para diminuir impacto da crise

Algumas dicas ajudam a minimizar impactos para quem manteve certa renda e precisa equilibrar as contas. A primeira e mais básica é a de pesquisar preços ainda mais do que o habitual, neste momento, e táticas virtuais podem ajudar nessa tarefa. Responsável pelas áreas comercial e de marketing da empresa financeira EmCash, Fred Single recomenda reservar tempo para comparar ofertas.

“Minha primeira dica é ter paciência. Quando sair de casa para comprar, tem que ter tempo para ver o preço e ir a outro supermercado para ver as ofertas, porque o valor varia muito. Na rotina do trabalhador, ele pode não ter tempo de ir a dois, três supermercados, mas, hoje, existem ferramentas de busca online”, diz. Sites e aplicativos dos próprios supermercados costumam mostrar o preço dos produtos.

Ele também vê com bons olhos os programas de mercados e postos de combustível, por exemplo, que oferecem descontos aos clientes que se cadastrarem, e recomenda que o consumidor sempre confira se os estabelecimentos oferecem a opção. Mas a alternativa exige cautela: “Não tenha vergonha de perguntar o que será feito com as informações, e, sei que é difícil, mas é muito importante ler os termos de uso desses programas”.

Para quem está endividado, o primeiro passo é anotar todas as despesas, seja em uma planilha ou em um caderno, a fim de visualizar tudo o que se deve antes de tomar alguma decisão. Depois disso, orienta Single, as dívidas com juros mais altos devem ser negociadas e liquidadas primeiro, para não se tornarem um problema ainda pior. “Abra o jogo com a instituição a que você deve, com o banco, e explique seu momento para negociar a dívida. A pessoa totalmente endividada não precisa ir quitando tudo, mas sim negociar todas as dívidas para que elas caibam no orçamento daquele momento”, detalha. 

 

DATATEMPO

A pesquisa DATATEMPO, parte do grupo Sempre Editora, foi realizada com recursos próprios, por meio de 2.000 entrevistas domiciliares, entre os dias 30 de abril e 5 de maio de 2022. Margem de erro: 2,19 p.p. Nível de confiança: 95%. Registro: TSE BR-00720/2022 e TRE-MG MG-01720/2022.

 

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