Ensino

EAD aumenta 226% em Minas e pressiona fechamento de faculdades presenciais

Matrículas em cursos presenciais, por outro lado, diminuíram quase 24% no Estado; dados são da Semesp


Publicado em 03 de julho de 2023 | 06:00
 
 
 
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A imagem de estudantes sentados enquanto assistem às explicações do professor mudou na última década. Para cada vez mais pessoas, carteiras são substituídas pela escrivaninha de casa e o quadro negro, pela tela do computador. Isso porque, enquanto o número de matrículas presenciais cai no ensino superior, o número de alunos na educação a distância (EAD) aumenta. Em Minas Gerais, as matrículas em cursos online da rede privada aumentaram 226,2% e em presenciais diminuíram 23,6% ao longo de uma década. Essa tendência não só altera a formação de professores e a experiência dos estudantes como impacta a economia das faculdades e também é um dos ingredientes que pressionam o fechamento de campi em Minas e no Brasil. 

Os dados da explosão do EAD são da edição de 2023 do Mapa do Ensino Superior no Brasil, divulgado anualmente pela Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no país, e levam em conta informações de 2011 a 2021 do Censo de Educação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). No Brasil, a tendência é ainda mais acentuada e o crescimento do online atingiu 474% em uma década, considerando a educação pública e privada. 

Em Belo Horizonte e região, só nos últimos meses, o fechamento de três instituições de ensino superior se tornou notícia. Em junho, a faculdade Uninassau, no bairro Lagoinha, em BH, suspendeu as aulas por tempo indeterminado e demitiu todos os professores. Poucas semanas antes, a faculdade Única, em Contagem, na região metropolitana, encerrou as aulas de seus cursos presenciais. No final do ano passado, o Centro Universitário Izabela Hendrix fechou as portas do campus na praça da Liberdade e alegou problemas econômicos relacionados à recuperação judicial do Grupo Educacional Metodista, do qual faz parte..

 

Nas notas em que justificam os fechamentos, nenhuma das instituições culpa diretamente a ascensão do ensino a distância como motor dos encerramentos. Elas falam em “mudanças no cenário educacional” e “realinhamento estratégico”, por exemplo. Já o diretor executivo do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil, Rodrigo Capelato, avalia que a ascensão da educação online é parte do que ele chama de uma crise do setor educacional.

“O que temos é que cerca de 80% das instituições têm até 3 mil alunos e estão sofrendo bastante com a crise econômica que vem desde 2015. Com a pandemia, o avanço da educação a distância e uma concentração forte do setor, muitas delas estão com problemas de sustentabilidade financeira. Há uma tendência de que muitas delas desapareçam no futuro ou não consigam sobreviver se nada for feito e não houver mudança no cenário”, sublinha.

O crescimento do ensino a distância não é o único fator que explica o fechamento de instituições de ensino privadas. Para a presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Elizabeth Guedes, o problema das faculdades, especialmente as menores, é a gestão, na verdade. “As pequenas não fecham porque o ensino a distância cresceu, mas porque o mercado requer uma sofisticação na gestão que elas não possuem. Tecnologia e professores são caros. A situação econômica do Brasil é muito ruim e as famílias estão endividadas. Mais do que o ensino a distância, existem as questões da concorrência, da falta de qualidade acadêmica e de compromisso”, destaca.

Já o superintendente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino no Estado de Minas Gerais (Sinep-MG), Paulo Leite, não acredita que exista uma relação direta entre o aumento da procura do ensino a distância e o fechamento de unidades de ensino em BH e região metropolitana. “Penso que tem a ver com o dimensionamento equivocado da oferta e demanda da formação. Ao mesmo tempo em que essas faculdades fecharam, outras chegaram. Tem que medir muito bem a qualidade da oferta, se ela está casada com a necessidade do usuário”, analisa.

Ele explica que as instituições precisam encontrar um ponto de equilíbrio entre a quantidade mínima de alunos e as despesas: “Quando as instituições não o atingem, suspendem os cursos”, pontua. A inadimplência escolar no ensino superior, no ano de 2022, foi de 30,2%, segundo a Sponte, software de gestão escolar.

Leite complementa que o excesso de investimento dos governos federais anteriores nas escolas privadas levou “aventureiros” ao mercado, que focam na quantidade de alunos e não na qualidade do ensino. “Pós-graduação a R$ 49 por mês? Nem no curso de datilografia eu pagava isso”, brinca. No caso da Uninassau, que anunciou a suspensão de todos os cursos por tempo indeterminado neste mês e demitiu todos os seus professores, ele avalia: “Faltou entendimento de mercado. Não se pode paralisar como fizeram agora, isso suja o nome”. 

No episódio da Izabela Hendrix, na perspectiva dele, faltou austeridade na gestão da instituição, que é filantrópica. “Se não tiver fluxo de caixa, alimentando o coração, o dinheiro se vai em pouco tempo. Quem paga mais subsidia quem paga menos. A PUC Minas conseguiu entender e distribuir isso de forma equilibrada”, observa. Na universidade, os cursos EAD ainda são de pequeno porte e não há planos de crescimento para além da Grande BH, segundo o secretário de planejamento da instituição, Marcos André Kutova.

 

Gigantes concentram maioria dos estudantes

As instituições de ensino superior gigantes, aquelas que têm mais de 20 mil matriculados, são somente 4,6% do setor, considerando públicas e privadas. Elas concentram, entretanto, 62,5% das matrículas. Nesse cenário, os grandes grupos saem na frente.

Cerca de 70% dos custos de se manter a sede de uma instituição vêm do corpo docente, descreve o secretário de planejamento da PUC Minas, Marcos André Kutova. As gigantes substituíram grande parte do trabalho dos professores por tecnologia, fizeram campanhas de marketing mais agressivas e ofereceram preços abaixo do que as pequenas universidades poderiam oferecer, diz ele. “Na medida em que as instituições de ensino entraram na bolsa de valores, como a Cogna Educação, outros interesses entraram em cena”, acrescenta. A Cogna é uma holding que inclui a Kroton, maior grupo de educação privada do Brasil. Na visão do especialista, pequenas instituições também acabaram provocando uma “canibalização” de seus cursos presenciais ao ofertarem a modalidade online.

As pequenas, de qualquer forma, não estão fadadas a desaparecer, avalia o diretor executivo do Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil, Rodrigo Capelato. “Elas podem ter uma oferta de nicho, por exemplo, e ter especificamente cursos de uma área com alta qualidade e muita inovação. Outro caminho são aquelas que dão capilaridade ao ensino superior e chegam até onde as grandes não estão”, conclui.

 

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