Em nome da saúde

Flexitarianismo: entenda o que é o movimento que impulsiona negócios veganos

Em 2022, 67% dos brasileiros reduziram o consumo de carne, segundo um levantamento do The Good Food Institute Brasil


Publicado em 17 de abril de 2023 | 06:00
 
 
 
normal

Pedro tem Vida, uma porquinha de cinco meses resgatada desnutrida. Kamila adotou o Ferdinando, um boi do sítio da família, que ganhou nome depois que a mãe foi para o abate e chorou. Ambos fazem parte dos brasileiros que decidiram, nos últimos anos, abolir o consumo de produtos de origem animal. Não há uma pesquisa que indique quantos tenham esse perfil no país, mas a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) estima que existam 7 milhões de veganos no país.

O mercado, claro, está de olho nesses consumidores e hoje é possível encontrar os mais diferentes tipos de negócios que oferecem produtos sem carne, leite, ovos, mel ou qualquer outro alimento de origem animal. Mas a clientela não é formada apenas por veganos. Muitas pessoas desejam melhorar a saúde ou contribuir para a desaceleração do aquecimento global e, por isso, estão reduzindo o consumo de carne. Chamados de flexitarianos, eles também têm contribuído para o crescimento do setor “plant based” (feito com plantas). 

Em 2022, 67% dos brasileiros reduziram o consumo de carne, segundo um levantamento do The Good Food Institute Brasil (GIF) - um aumento expressivo de 17 pontos percentuais em relação a uma pesquisa feita em 2020. Além disso, o consumo de carne bovina no país atingiu o menor nível em 18 anos, segundo dados de um relatório divulgado pela consultoria agro do Itaú BBA. 

Todo este movimento é impulsionado pela geração Z, nascida entre 1995 e 2010, que demonstra maior preocupação com o impacto ambiental do consumo de alimentos de origem animal. Uma pesquisa do MIDSS, site norte-americano especializado em ciências sociais, apontou que 70% desta geração continuará a seguir uma alimentação vegana nos próximos cinco anos.  

De acordo com Diogo Reis, analista do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas em Minas Gerais (Sebrae Minas), a linha “plant based” tem crescido não somente no setor de bares e restaurantes, mas especialmente na indústria. A perspectiva é boa tanto para quem desenvolve produtos de prateleira como para quem vende para a cadeia de food service.

Além da consciência ambiental, ele explica que a preocupação que os consumidores têm sobre a saúde é fundamental para o crescimento de produtos feitos sem ingredientes de origem animal. “As pessoas estão mais educadas no espectro nutricional. Hoje nós lemos embalagens, pedimos transparência por parte da indústria. Ninguém aceita mais um alto teor de sódio ou de gordura nos alimentos”, afirma.

Segundo ele, os especialistas do mercado de alimentação estão de olho na movimentação de outras regiões do mundo, como Estados Unidos e Europa - onde mais de 3% da população é vegana. “O flexitarianismo, por exemplo, é um termo com origem nos Estados Unidos”, explica. 

Pedro Henrique Chaves, proprietário do Quintal Vegan, e 'Vida', sua porquinha resgatada

Saúde motiva criação de negócio

O Quintal Vegan, no bairro Concórdia, região Nordeste de Belo Horizonte, começou como um delivery, mas o negócio conquistou um público fiel na pandemia, cresceu, e Pedro Henrique Chaves, de 40 anos, sentiu necessidade de abrir a casa. Sua comida preferida era cachorro quente, mas por uma questão de saúde, ele acabou virando vegano e criando sua própria receita de salsicha sem origem animal. Pedro tem cefaleia em salvas, um tipo raro de dor de cabeça, e descobriu que a má alimentação contribuía para suas crises.

“O vegetarianismo é a área que mais cresce. Não só pelos valores, mas pela saúde mesmo. As pessoas estão tomando consciência”, defende Pedro. As pesquisas comprovam sua tese. A saúde foi apontada como o principal motivo para a redução de carne entre os entrevistados da pesquisa da GIF Brasil de 2022. O  aumento do preço da carne (20%) e a preocupação com os animais (16%) foram as outras razões apontadas. 

Para Pedro, comer é um ato político. O Quintal, segundo o cozinheiro, vem para provar que o veganismo não é só da elite. “É possível oferecer uma comida de incrível qualidade e preço muito legal. As pessoas vêm pelo cheiro e sabor”, destaca. Muitos clientes que chegam curiosos sobre o espaço, inclusive, não são vegetarianos ou veganos. “Tem gente que vem só no dia da feijoada. É leve, saudável e gostosa”, diz. 

O prato sem balança no Quintal Vegan é R$ 25, o buffet livre custa R$ 30 e os “notdogs”, cachorros quente veganos, variam de R$ 12 a 30. A casa ainda oferece versões com nomes lúdicos de receitas tradicionais. O “desatola” é a opção vegana da vaca atolada. Há ainda o “contra o filé” e o “fingindo com jiló”, de carne vegetal, que imita a textura do fígado. 

Praticamente tudo no Quintal é de fabricação própria. As salsichas são feitas de feijão com abóbora, com beterraba ou lentilha com grão de bico. Linguiças defumadas levam soja e seitan, “carne de glúten", feita de forma artesanal. No espaço, há plantação de taioba, peixinho, cana, banana, jabuticaba e amora. A alface vem de uma vizinha e é tudo fresquinho, do dia. “Quem quer ser vegano, tem que dar valor aos pequenos produtores. Compre de quem você conhece”, defende Pedro. 

Segundo um relatório da Bloomberg Intelligence, divulgado em 2022, a estimativa é que o mercado global de plant based vai movimentar cerca de US$ 162 bilhões até 2030.

Nascido em Curvelo e criado em Nossa Senhora da Glória, distrito de Santo Hipólito, Pedro Chaves relembra os tempos em que seu pai tinha um açougue. “Na minha infância, todo mundo matava galinha no quintal. Meu pai matava vacas e vendia. Tinham porcos. Consigo ouvir esses sons até hoje na minha cabeça. Só comia carne pelo sistema. A gente nasce comendo carne, não tem outra opção”, lembra. 

Recentemente, ele resgatou um porquinho, que apelidou de Vida, e acabou virando o xodó dos clientes do Quintal Vegan. “Sou tutor dele. Uma amiga resgata cavalos de rua e acabou num desses dias achando um chiqueiro, onde os porcos foram deixados para morrer”, explica. Vida, de poucos meses, foi encontrada desnutrida, mas agora já está até andando.  

Frente ao sofrimento animal

A história da química Kamila Boas, vegetariana de 31 anos, também conta com um passado de vivências de sofrimento animal. “Eu sempre fui muito conectada à natureza, mas nunca olhei pra carne como um animal. Até que um dia eu estava num sítio, meu pai vendeu a mãe do boi e o bichinho chorou muito”, lembra. 

Desde esse dia, em meados de 2015, ela virou vegetariana. “A gente coloca no prato um frango e desconsidera que eles eram bichos, que têm sentimento”, lembra. Aos poucos, o leite e o ovo também foram retirados da sua alimentação. Ela abriu exceção apenas durante a pandemia, quando passou uma temporada no interior com seus pais e não tinha opções de proteína vegetal para comprar. 

Esse jeito de levar a vida fez com que a jovem ficasse mais atenta também à própria saúde, devido a redução significativa da ingestão de proteína. “Se você só tirar a carne e não colocar mais grãos, você pode começar a ter déficits na sua saúde”, explica.

Contudo, ela reclama da dificuldade em encontrar um profissional que respeite seu vegetarianismo e atenda por um preço acessível. “Os planos de saúde não cobrem nutrólogos e as consultas desse nicho são sempre na média de R$ 600. É um absurdo”, diz, lembrando que é comum que o veganismo seja sempre atrelado às pessoas com boas condições financeiras. “Eu vou ao sacolão e compro a feira da semana toda por R$ 39. Como muito bem. Uma pessoa que come carne vai gastar muito mais que isso”, argumenta.

Kamila ainda observa que para além da empatia com o sofrimento animal, há uma questão ecológica muito relevante, que deve ser levada em conta por todas as pessoas. “O consumo e a indústria da carne é absurdamente cruel e acarreta numa poluição muito grande”, lembra. O metano liberado pelo “arroto” dos bovinos é um dos principais vilões do efeito estufa.

 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!