Parceria virtual

Fortalecidos na pandemia, grupos de WhatsApp de bairro fomentam economia local

Círculos formados no aplicativo ainda funcionam como verdadeiras comunidades, com ajuda mútua e comercialização de produtos e serviços de todo tipo


Publicado em 06 de maio de 2023 | 06:00
 
 
 
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Barbeiro, borracheiro, vendedora de cosméticos, consultora de revista feminina, açougueiro, salgadeira, proprietário de restaurante, autônomos e empreendedores. Não importa a área de atuação, nos grupos de WhatsApp de bairro, que estão por toda parte, comerciantes e prestadores de serviço têm espaço para divulgar todo tipo de produto. Como uma verdadeira comunidade online, esses grupos ajudam a fortalecer a economia local e contribuem para o crescimento da região onde estão inseridos.

Durante o momento mais crítico da pandemia da Covid-19, grupos de WhatsApp como esses praticamente salvaram comerciantes que tiveram que fechar as portas temporariamente por causa das restrições. Sem poder abrir, os grupos funcionaram como um apoio para manter o negócio, investir em anúncios (sem precisar produzir folhetos impressos), divulgar o produto ou serviço de forma gratuita e até mesmo apostar no delivery. Tudo dentro do próprio bairro, com ajuda dos moradores e outros comerciantes.

Mesmo após o fim das restrições impostas pela pandemia, o aplicativo continua sendo uma ferramenta para comerciantes manterem contato mais próximo com os clientes. 

Grupo da Zona Norte surgiu de grupo menor

Na região do bairro Floramar, o grupo Comerciantes ZN (de Zona Norte) se transformou justamente por causa do período pandêmico. Nascido em 2018 para ser uma rede de apoio ao bloco de Carnaval Carnaflora, o grupo mudou o foco em meados de 2020 para abranger toda a cadeia de comércio da região.

“Eu costumava trabalhar com os apoiadores do bloco, como já tenho traquejo com redes sociais, pensei: vou ampliar a ideia e modificar esse grupo para ajudar os amigos e proporcionar a interlocução entre comerciantes da região. E deu certo”, conta o líder comunitário Cássio Cruz, criador do grupo.

Se antes o Comerciantes ZN tinha meia dúzia de integrantes, hoje ele tem 113 pessoas, todas com algum tipo de atividade comercial, que se ajudam e compartilham experiências. “Eles têm níveis diferentes de empreendedorismo: gente que está no começo e gente com anos de experiência. É como se fosse uma consultoria não paga, porque eles trocam experiências e se ajudam”, comenta.

Alimentado pelos próprios usuários, mesmo após o fim das restrições da pandemia, o grupo segue de pé e sendo uma ferramenta consistente de divulgação de trabalho. “O bacana é que não tem ruído. As pessoas que entram não saem. Elas fazem sua propaganda ou pedem uma orientação ou sugestão de serviço e rapidamente recebem retorno”, diz Cruz.

Juliana Costa, 48 anos, do restaurante Peixinho da Ju, localizado no bairro Guarani, é uma das participantes do grupo Comerciantes ZN. Ela conta que foi convidada por um dos integrantes e adorou a ideia, sendo uma usuária assídua. “Todos os dias tem vários anúncios, inclusive do Peixinho da Ju”, afirma. Segundo ela, a comunidade on-line ajuda na divulgação dos produtos. “Com grupos, um sempre ajuda o outro com indicação”, comenta. Já a fidelização dos clientes fica por conta da qualidade do serviço prestado pelo restaurante: “comida de excelente qualidade”, afirma.

Senso de parceria e união ditam as regras no Santa Efigênia

No bairro Santa Efigênia, região Leste de BH, outro grupo que faz sucesso e nasceu no auge da pandemia, em 2020, é o Santa Efigênia em Foco, que abriga moradores e comerciantes. A ideia deu tão certo no bairro que, por causa do limite de participantes nos grupos de WhatsApp (256 pessoas), os administradores tiveram que criar mais um: o Santa Efigênia em Foco 2. Hoje, o primeiro tem 254 participantes e o segundo, 166.

O servidor público Marcelo Costa Sena foi quem teve a ideia de fundar o grupo e conta que tudo começou com o desejo de ajudar os comerciantes que não podiam abrir as portas. “Tudo estava fechado e, para ajudar a fomentar a economia da nossa região, convidei o amigo Michel Laroni, que contribuiu muito para o êxito do grupo”, conta.

“O grupo tem um capital de giro muito satisfatório. Além das vendas, ele contribui com as demandas e necessidades do bairro e da região Leste”, pontua. Em publicações recentes no grupo, é possível ver, por exemplo, compartilhamento de animais perdidos ou mesmo imagens de câmera de segurança avisando sobre alguma atitude suspeita de criminosos no bairro. Entre as regras, pode-se vender de tudo, só não vale comercializar animais. 

No Santa Efigênia em Foco, Andréa Teixeira, 52, aproveita para anunciar os diversos sabores dos pastéis Lunga Lunga. Ela conta que foi convidada para entrar no grupo logo no início, em meados de agosto de 2020 e foi muito bem acolhida. “Foi uma oportunidade de mostrar o nosso produto e conhecer também o dos nossos amigos, porque, às vezes, a gente mora no mesmo bairro e não conhece, né? É um bairro que tem tanta coisa boa!”, relata.

“Nossa venda aumentou muito depois que nós entramos no grupo”, afirma. “Muita gente vem aqui e fala ‘ah, vimos sua propaganda no grupo, uma pessoa de lá te indicou’, e com isso nosso trabalho está sendo muito bem divulgado”, diz Andréa.

Ela lembra que a comunidade foi muito importante durante o momento mais crítico da pandemia. “O grupo começou num momento tão difícil na pandemia. Foi um momento em que todo mundo estava separado e ao mesmo tempo tão junto, porque o grupo nos proporcionou isso”, relembra.

Vendas informais também têm espaço

Os grupos de condomínio e vendas informais também movimentam a economia local com compra e venda de itens novos e usados. No Buritis, região Oeste de BH, a moradora Sara Silva, 34 anos, participa de dois grupos: um do condomínio (que não tem foco exclusivo em comércio, mas tem fluxo bom de anúncios) e um de compra e venda de móveis e utilidades domésticas do bairro. O primeiro tem mais de 250 pessoas e o segundo, 150. “Os grupos facilitam a vida de quem possui pouco tempo para procurar produtos ou serviços externos e, sendo pessoas próximas, teoricamente há menos problemas com os recebimentos e pagamentos”, avalia. 

Sara conta que, no grupo do condomínio, há uma boa variedade na oferta de produtos e serviços. “As pessoas anunciam desde roupas até utilidades domésticas, novas ou usadas, produtos cosméticos, como revendedoras Natura, Avon, Mary Kay, Boticário, e refeições”, exemplifica. “Já comprei itens para presente de criança, roupas de festa com pouco uso, doces de roça, encomenda de bolos, etc”, enumera. “Esse grupo movimenta bastante o condomínio. Já houve casos de pessoas que se mantinham apenas com essas vendas no grupo”, comenta.

A movimentação constante às vezes provoca uma ramificação, segundo Sara. Ela conta que, quando um certo tipo de produto tem maior demanda, pode acontecer de ser criado um novo grupo destinado àquele público específico, como aconteceu com as marmitas saudáveis. “Normalmente quem trabalha fora ou estuda possui pouco tempo para fazer as próprias refeições”, diz.

A analista conta que, já no grupo do bairro, o foco é específico para itens de casa, como móveis e utilidades domésticas. “Foi criado com o objetivo de facilitar a procura por um nicho específico de produtos. A ideia de ser em um mesmo bairro é facilitar a entrega ou retirada do item”, explica.  

Sustentabilidade

Para Sara, a compra e venda de itens entre moradores de um mesmo bairro vai além do senso de comunidade e apoio à economia. Esses grupos podem ser uma iniciativa sustentável para o consumo. “Já anunciei itens diversos e também já comprei de outras pessoas. Eu anuncio coisas que não têm mais utilidade para mim (ou outra pessoa que eu conheça), como móveis ou roupas, incentivando assim um consumo mais consciente, pois dessa forma evita-se a compra de algo novo e o simples descarte após algum tempo de uso”, avalia.   

No entanto, há desafios

Apesar desses grupos serem comunidades, em sua maioria, integradas e envolvidas com os assuntos do grupo, em alguns casos, dependendo do nicho e do produto oferecido, nem sempre as vendas são fáceis. Josiane Aparecida, que participa do grupo do condomínio onde mora, no bairro Santa Amélia, região da Pampulha, pondera que, apesar de ter uma boa movimentação, nem sempre os retornos são satisfatórios.

Lá, todos os dias alguém compartilha um produto ou serviço, ou mesmo pede uma indicação. Ela, que é revendedora de cosméticos, inclusive, manda anúncios diariamente. “Mas pela quantidade de moradores no grupo, eu esperava um retorno melhor”, desabafa.

Josiane conta que muitas pessoas a procuram por causa dos anúncios do grupo, ou porque alguém viu o anúncio e indicou para outra pessoa. Mas, na hora de fechar a venda, a forma de pagamento pode complicar o negócio. Ela explica que a compra dos cosméticos é feita à vista, então, vender a prazo é mais complicado. “Às vezes a pessoa quer fiado, ou fala ‘ah, tal dia te pago’. Se fosse para vender só dessa forma, eu teria muito retorno, mas como eu tento vender mais à vista, é muito difícil”, sintetiza.

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