A senhora inofensiva com filho no colo vendendo cigarros na porta da rodoviária de Belo Horizonte, o ex-servente de pedreiro que agora oferece óculos sem procedência pelo centro da capital e o proprietário de uma loja de produtos piratas podem ter histórias, idades e rendas diferentes.
Mas todos eles e todos os demais que ganham a vida oferecendo bens e serviços sem prestar contas ou pagar impostos estão inseridos na chamada economia subterrânea.
Juntos, sonegadores, vendedores de contrabando e de ligações irregulares de internet, televisão a cabo, luz e água, traficantes de drogas e armas, entre outros trabalhadores informais e ilícitos, causaram uma perda R$ 1,173 trilhão aos cofres públicos e para a concorrência legal em 2018.
O valor é 6,5% mais alto do que o R$ 1,101 trilhão registrado no ano anterior, segundo dados do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) levantados em parceria com a Fundação Getulio Vargas.
O montante é o equivalente a 17% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro passando de mão em mão sem gerar ganhos para a economia.
“Nessa pesquisa, analisamos a quantidade de dinheiro vivo usado na economia, a taxa de desemprego e os indicadores de formalização das empresas. Essas atividades à margem da lei, que chamamos de ‘subterrâneas’, são prejudiciais para o país porque oneram o sistema de saúde e a Previdência sem contrapartida.
São pessoas que usam e dependem desses serviços, mas não contribuem. Além de atuarem como uma concorrência desleal com aqueles que cumprem a lei”, afirma o presidente do Etco e do Fórum Nacional contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP), Edson Vismona.
Ele lembra que a crise econômica serve como alavanca para esses indicadores. Tanto é assim que a economia subterrânea, que chegou a representar 21% do PIB em 2003, seguiu em queda até 2014, quando chegou a 16,1% do PIB. A partir do ano seguinte, com a recessão e o aumento significativo do desemprego, que atinge atualmente mais de 13 milhões de brasileiros, segundo o IBGE, essa participação da economia subterrânea no PIB do país aumentou ano a ano até chegar a 16,9% em 2018. “As pessoas buscam a informalidade quando não conseguem recolocação profissional”, explica Vismona, que acredita em alta do índice também em 2019.
A história de Geraldo, 50, ilustra bem essa realidade. Ele busca óculos pirata uma vez por mês em São Paulo e vende por R$ 15 cada em Belo Horizonte. “Eu vim de Serro para trabalhar de servente. Quando começou a faltar emprego, tive que me virar”, conta. A renda de R$ 30 diários é usada para sustentar a esposa e os dois filhos, de 16 e 17 anos. Olhando para todos os lados, com medo de ser pego pela fiscalização, ele se justifica: “Analfabeto, feio e velho. Eu não consigo emprego em lugar nenhum e preciso sobreviver”, conta. Ao lado dele, quatro moradores de rua estiradas no chão o lembram o quão cruel pode ser a vida na capital sem dinheiro.
A poucos metros de Geraldo, uma senhora com uma criança no colo, que se identificou apenas como Sandra, vende cigarros contrabandeados. “Certo não é. Mas é com o dinheiro que tiro na rua que coloco comida na minha mesa”, conta. Desde os 3 anos ela convive com o ofício, já que sua mãe também era ambulante. “Nunca aprendi a fazer outra coisa. Estou com 52 anos. Acha que tenho outra chance na vida?”, questiona.
Sonegação somou R$ 193 bi
Quem vê as ruas centrais de Belo Horizonte inundadas com ambulantes e produtos piratas em cada esquina talvez não consiga calcular o que isso significa para a economia. Mas, segundo dados do Fórum Nacional Conta a Pirataria (FNCP), contrabando e imitação de produtos originais impediram que R$ 193 bilhões chegassem aos cofres públicos brasileiros no ano passado, volume 32% superior aos R$ 146 bilhões de 2017.
Os dados levam em conta as perdas com arrecadação tributária e nas receitas de empresas de 13 setores, que perdem cada vez mais espaço. “Minas Gerais é um dos maiores mercados do país, atrás apenas de São Paulo e do Paraná, na comercialização de produtos falsificados, com destaque para cigarros e autopeças”, afirma o diretor da Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), Rodolpho Ramazzini.
Conforme estudos feitos pela ABCF, Minas é o terceiro Estado com maior comercialização de produtos falsificados, ficando atrás apenas de São Paulo e do Paraná. A principal explicação é a logística favorável. Ter a maior malha rodoviária do país é uma vantagem competitiva por permitir escoamento dos produtos internamente e para outros Estados. Além disso, a grande extensão territorial, com 853 municípios, torna o mercado consumidor maior.
Dia sim, dia não, ‘muamba’ é apreendida
De janeiro de 2017 a maio de 2019 foram registradas 552 ocorrências de contrabando ou descaminho, que é a entrada ou saída de produtos permitidos sem passar pelos trâmites tributários e burocráticos, pela Secretaria de Estado de Segurança Pública de Minas Gerais (Sesp-MG). É como se a cada um dia e meio as polícias Militar e Civil do Estado fizessem uma apreensão de “muambas” em cidades mineiras. Em Belo Horizonte, foram registradas 110 ocorrências nesse período, segundo a pasta. Segundo o porta-voz da Polícia Militar de Minas Gerais, major Flávio Santiago, eles têm feito ações em todo o Estado para tentar inibir a venda desses produtos ilícitos. “Para nós, essas mercadorias são como as drogas, que precisam ser combatidas por serem ilícitas”, disse.
Nas estradas mineiras também há uma tentativa de barrar a passagem de contrabandos, segundo o porta-voz da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Minas, inspetor Aristides Junior. “Foram criados grupos táticos de policiamento com agentes direcionados para esse tipo de crime”, garantiu.
Saiba mais
Em Minas
Há até polos de produção de produtos falsificados, como sapatos e roupas, no Estado. “É um problema gravíssimo”, afirma o diretor da Associação Brasileira de Combate à Falsificação, Rodolpho Ramazzini.
Saída
Para o presidente do Instituto Etco, Edson Vismona, a reforma tributária poderia ampliar a competitividade de produtos idôneos e reduzir o contrabando e a pirataria.
No submundo
Dados. Essa é a primeira matéria de uma série de reportagens que vai mostrar como a economia subterrânea está em várias atividades e pode impactar as finanças do país e do Estado.