Uma arte, um bico, uma parte da paisagem sonora no centro de Belo Horizonte, os gritos de “foto! Foto na hora! Foto” resistem a décadas de transformações sociais na praça Sete. Agora, enfrentam a ampliação da digitalização. A Carteira de Identidade Nacional (CIN), que substitui o RG tradicional, passou a ser emitida em todos os postos de identificação de Minas Gerais em 2023 e enterra definitivamente a demanda por uma imagem física. O novo processo ameaça de vez os ganhos das dezenas de profissionais que sobrevivem de atrair clientes para estúdios de fotografia no centro e que, nos últimos anos, já vinham sofrendo com o abandono das 3x4.
Agora, definitivamente a foto para a nova carteira é feita na hora, na própria Unidade de Atendimento Integrado (UAI) Praça Sete, e só crianças podem apresentar fotografias 3x4 tiradas antes. O fluxo de clientes nos estúdios de foto, que já vinha caindo desde 2022, se reduz ainda mais na região central.
O dono de um dos pontos de fotografia do centro, no segundo andar de uma galeria comercial, explica que demitiu duas pessoas que trabalhavam com ele devido à queda da demanda, e hoje trabalha sozinho. Ainda assim, enquanto conversa com a reportagem, a chegada de clientes é contínua, em busca de 3x4 para apresentar em um novo emprego, por exemplo.
A loja conta com cerca de 20 profissionais que fazem propaganda da loja na praça Sete. É um trabalho altamente informal. Os divulgadores das fotografias trabalham, habitualmente, de 7h às 16h, e recebem por cliente — a foto custa R$ 10 e eles cobram um adicional por pessoa, geralmente de R$ 5. Não existe vínculo com os estúdios, e alguns dos trabalhadores compram até o próprio colete, estampado com anúncio de foto e de “compro ouro” (oferta que raramente aparece).
“Se levar cliente, ganha. Se não levar, não. Tem dia em que saio com R$ 100, R$ 300, nada... É relativo. Está muito fraco agora”, pontua Cláudia Gonçalves, 50. Sentada em um banquinho na praça em uma manhã, ela conta que, naquele dia, conquistou apenas uma cliente (e R$ 4) em duas horas. Mas mantém o humor e ri da rotina: “na rua, ocupo a mente. É diversão. Só tem palhaçada na rua, figuras estranhas. Na segunda de manhã, você vê cada coisa... Só bicho doido na praça Sete”.
Rosana de Fátima Santana, 54, assiste a esse movimento há 16 anos, ao longo dos quais viu a família ocupar a praça com ela. Hoje, três de suas filhas também trabalham anunciando fotos. “Tinha mais clientes, agora caiu. Dá para pelo menos pagar meu aluguel, manter minha casa e comer”, diz. Uma de suas filhas, Dalila Santana, de 36 anos, reforça: “a maioria das fotos era para identidade. Ainda dá para tirar um dinheiro. Quanto mais alto a gente grita, mais chama clientes”.
São tantos anos na praça que ela ocupa o subconsciente de Rosana. “Às vezes, estou indo embora e grito ‘foto!’ no ponto de ônibus. Outro dia, dormi e acordei gritando ‘foto!’. É um trabalho honesto. Mas algumas pessoas passam e humilham e zoam a gente. Tem muita cantada, é difícil”, conta.
Outra veterana de praça Sete, Maria Aparecida de Jesus Sousa, 66, segura uma folha com fotos 3x4 em uma mão, propaganda do estúdio, e uma sacola de supermercado com seu lanche do dia na outra. Bem em frente ao UAI Praça Sete, ela tenta a sorte com quem passa por ela rumo às escadas do prédio. “Às vezes, consigo até umas dez pessoas e tiro uns R$ 50, R$ 30, R$ 20. Em casa, não ganho nem três centavos”, diz.
Ela perdeu dois filhos há alguns anos, e diz que, além de trabalho, a praça é uma distração. “Esqueço meus problemas. Três netos moram comigo. Estou querendo trazer a de 17 para trabalhar aqui para ela ter o dinheirinho dela”. Então, a conversa com a reportagem é interrompida por uma pedestre que pergunta a Maria Aparecida onde é possível pegar um ônibus para a avenida Raja Gabáglia. A mulher não compra uma foto, segue seu caminho, e Maria Aparecida continua postada em frente ao UAI, preparada para as próximas seis horas de trabalho.
Segundo a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), desde o dia 26 de maio de 2022, a foto 3x4 passou a ser tirada nos mais de 400 Postos de Identificação da Polícia Civil, que estão instalados em prefeituras, câmaras municipais, delegacias e também nas 42 Unidades de Atendimento Integrado (UAIs), coordenadas pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag-MG). Nesse sentido, somente em casos excepcionais, como bebês ou adultos que não consigam posar, é que deve-se levar a foto para a confecção da Carteira Nacional de Identidade.