Carteira de Identidade Nacional

‘Novo RG’ diminui trabalho de profissionais da foto 3x4 na praça Sete

Informais, trabalhadores ganham por cliente que conseguem conquistar, mas agora UAI tira fotografia na hora, o que ameaça mercado

Por Gabriel Rodrigues
Publicado em 29 de janeiro de 2024 | 06:00
 
 
 
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Uma arte, um bico, uma parte da paisagem sonora no centro de Belo Horizonte, os gritos de “foto! Foto na hora! Foto” resistem a décadas de transformações sociais na praça Sete. Agora, enfrentam a ampliação da digitalização. A Carteira de Identidade Nacional (CIN), que substitui o RG tradicional, passou a ser emitida em todos os postos de identificação de Minas Gerais em 2023 e enterra definitivamente a demanda por uma imagem física. O novo processo ameaça de vez os ganhos das dezenas de profissionais que sobrevivem de atrair clientes para estúdios de fotografia no centro e que, nos últimos anos, já vinham sofrendo com o abandono das 3x4.

Agora, definitivamente a foto para a nova carteira é feita na hora, na própria Unidade de Atendimento Integrado (UAI) Praça Sete, e só crianças podem apresentar fotografias 3x4 tiradas antes. O fluxo de clientes nos estúdios de foto, que já vinha caindo desde 2022, se reduz ainda mais na região central. 

O dono de um dos pontos de fotografia do centro, no segundo andar de uma galeria comercial, explica que demitiu duas pessoas que trabalhavam com ele devido à queda da demanda, e hoje trabalha sozinho. Ainda assim, enquanto conversa com a reportagem, a chegada de clientes é contínua, em busca de 3x4 para apresentar em um novo emprego, por exemplo. 

A loja conta com cerca de 20 profissionais que fazem propaganda da loja na praça Sete. É um trabalho altamente informal. Os divulgadores das fotografias trabalham, habitualmente, de 7h às 16h, e recebem por cliente — a foto custa R$ 10 e eles cobram um adicional por pessoa, geralmente de R$ 5. Não existe vínculo com os estúdios, e alguns dos trabalhadores compram até o próprio colete, estampado com anúncio de foto e de “compro ouro” (oferta que raramente aparece). 

“Se levar cliente, ganha. Se não levar, não. Tem dia em que saio com R$ 100, R$ 300, nada... É relativo. Está muito fraco agora”, pontua Cláudia Gonçalves, 50. Sentada em um banquinho na praça em uma manhã, ela conta que, naquele dia, conquistou apenas uma cliente (e R$ 4) em duas horas. Mas mantém o humor e ri da rotina: “na rua, ocupo a mente. É diversão. Só tem palhaçada na rua, figuras estranhas. Na segunda de manhã, você vê cada coisa... Só bicho doido na praça Sete”.

Rosana de Fátima Santana, 54, assiste a esse movimento há 16 anos, ao longo dos quais viu a família ocupar a praça com ela. Hoje, três de suas filhas também trabalham anunciando fotos. “Tinha mais clientes, agora caiu. Dá para pelo menos pagar meu aluguel, manter minha casa e comer”, diz. Uma de suas filhas, Dalila Santana, de 36 anos, reforça: “a maioria das fotos era para identidade. Ainda dá para tirar um dinheiro. Quanto mais alto a gente grita, mais chama clientes”.

São tantos anos na praça que ela ocupa o subconsciente de Rosana. “Às vezes, estou indo embora e grito ‘foto!’ no ponto de ônibus. Outro dia, dormi e acordei gritando ‘foto!’. É um trabalho honesto. Mas algumas pessoas passam e humilham e zoam a gente. Tem muita cantada, é difícil”, conta.

Outra veterana de praça Sete, Maria Aparecida de Jesus Sousa, 66, segura uma folha com fotos 3x4 em uma mão, propaganda do estúdio, e uma sacola de supermercado com seu lanche do dia na outra. Bem em frente ao UAI Praça Sete, ela tenta a sorte com quem passa por ela rumo às escadas do prédio. “Às vezes, consigo até umas dez pessoas e tiro uns R$ 50, R$ 30, R$ 20. Em casa, não ganho nem três centavos”, diz. 

Ela perdeu dois filhos há alguns anos, e diz que, além de trabalho, a praça é uma distração. “Esqueço meus problemas. Três netos moram comigo. Estou querendo trazer a de 17 para trabalhar aqui para ela ter o dinheirinho dela”. Então, a conversa com a reportagem é interrompida por uma pedestre que pergunta a Maria Aparecida onde é possível pegar um ônibus para a avenida Raja Gabáglia. A mulher não compra uma foto, segue seu caminho, e Maria Aparecida continua postada em frente ao UAI, preparada para as próximas seis horas de trabalho.

Segundo a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), desde o dia 26 de maio de 2022, a foto 3x4 passou a ser tirada nos mais de 400 Postos de Identificação da Polícia Civil, que estão instalados em prefeituras, câmaras municipais, delegacias e também nas 42 Unidades de Atendimento Integrado (UAIs), coordenadas pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag-MG). Nesse sentido, somente em casos excepcionais, como bebês ou adultos que não consigam posar, é que deve-se levar a foto para a confecção da Carteira Nacional de Identidade.

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