INCLUSÃO E DIVERSIDADE

Pink money: empresários de BH investem para valorizar poder de compra LGBTI+

Bar na Savassi e consultoria para casamentos LGBTI+ investem em negócios dedicados à comunidade. Especialista aponta caminho para não cair na hipocrisia

Por Gabriel Ronan
Publicado em 19 de junho de 2022 | 06:00
 
 
 
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A linha tênue entre valorizar o poder de compra e a diversidade da população LGBTI+ e se aproveitar desse público apenas para ganhar dinheiro. Afinal, qual a definição de pink money (dinheiro rosa, na tradução livre) e como aplicar o conceito da maneira correta? Neste mês do orgulho LGBTI+, a reportagem de O TEMPO ouviu especialistas e empresários para discutir o tema, que está cada vez mais presente nas campanhas publicitárias – porém também acompanhado de muita hipocrisia. 

Para Ricardo Sales, sócio-fundador e CEO da Mais Diversidade, empresa de consultoria em diversidade e inclusão (D&I), qualquer iniciativa direcionada a essa parcela dos habitantes precisa passar por duas palavras em especial.

“Existe um antídoto para não cair no lugar ruim: coerência e consistência. Coerência no sentido de a empresa fazer uma comunicação que seja coerente com suas práticas internas. E consistência no sentido de que isso não fique restrito a apenas um período do ano”, diz o especialista. 

Neste sentido, há dois problemas comuns neste sentido. O primeiro deles acontece quando uma empresa até promove ambientes mais igualitários internamente, mas não alia sua marca à população LGBTI+ por receio de perder clientes, consequentemente dinheiro. O segundo se dá justamente no inverso: a marca até faz propagandas direcionadas à essa população, mas não promove a diversidade no seu quadro de funcionários, ou até promove, mas esses trabalhadores integrantes dessas minorias sofrem com preconceitos frequentes no expediente diário. 

Um bom exemplo que une consistência e coerência, é o John John Bar, na Rua Sergipe, 1.516, no Bairro Funcionários, Centro-Sul de BH. Praticamente toda a clientela é formada pela população LGBTI+, e toda a equipe de atendimento é alinhada às boas práticas para evitar comportamentos preconceituosos.

“A minha ideia era ter um lugar onde todas as tribos pudessem se encontrar, especialmente o público GLS (gays, lésbicas e simpatizantes). Eu sou gay também, o que eu mais sentia dificuldade era demonstrar carinho (publicamente em bares). Lá no bar, o pessoal se sente à vontade. Todo mundo se respeita”, diz Jonathan Oliveira, proprietário do espaço.

Toda a equipe do estabelecimento é treinada para se adequar à clientela, quase que totalmente LGBTI+. Além disso, Jonathan Oliveira destaca que alia o nome de sua empresa às programações  culturais destinadas a esse contingente.

“Fizemos um carnaval neste ano com a Valesca Popozuda, na Serraria Souza Pinto. No primeiro ano do bar, trouxemos a Pocahontas. Neste fim de semana, vamos fazer uma parada (LGBTI+), que quem vai apresentar é a Nicole Bahls. Sempre procuramos essas figuras que tomam partido para representar o público”, afirma.

Ainda em BH, o In Par Cerimonial dá assessoria e promove casamentos da comunidade LGBTI+ desde 2017. O proprietário da empresa, Elismar Marcelino, conhecido no mercado como Bobby, criou a empresa para dar uma alternativa a essa população, que encontra dificuldades para encontrar o serviço no mercado, já que a maioria dos integrantes não quer aliar suas marcas à bandeira. 

Quando perguntado sobre o pink money, Bobby é taxativo e vê o termo já com um viés negativo estigmatizado.

“O pink money não é simplesmente fazer publicidade e ações afirmativas somente no mês de junho. Empresas que nunca tiveram um funcionário (LGBTI+) em suas equipes começam a fazer isso para ter visibilidade. A minha própria equipe é LGBT. Só uma funcionária não é. Eu tinha uma transexual contratada, mas ela precisou sair. Vou conseguir outra para ter essa representatividade também”, diz o proprietário do In Par Cerimonial. 

No Brasil, o potencial financeiro do segmento LGBTI+ é estimado em US$ 133 bilhões, o equivalente a R$ 418,9 bilhões, ou 10% do PIB nacional, conforme dados da consultoria Out Leadership. 

Cervejarias engajadas? 

Ao longo dos anos, as cervejarias ficaram marcadas por propagandas que colocavam a mulher como objeto. Entrar em um bar na década passada era o mesmo que se deparar com mulheres seminuas em paisagens de verão. O mundo, felizmente, mudou e com ele a maneira como fazer marketing também se alterou. 

Produtora de 32 marcas de cerveja no Brasil, o grupo Ambev se atentou para isso. Após campanhas voltadas ao público LGBTI+ promovidas especialmente pela Skol, o grupo contratou a ex-BBB, artista e mulher trans Linn da Quebrada como consultora de estratégias de inclusão. 

Em conversa com a reportagem, Linn explicou por qual motivo decidiu aceitar a proposta. “Ser artista é ter a possibilidade de criar sobre a minha própria existência, sobre o meu meio, por onde eu circulo. Qual outra maneira mais material e concreta de fazer isso do que de dentro dessas instituições, criando fissuras, criando caminhos e possibilidade para que a gente consiga atuar enquanto profissionais dentro do mercado de trabalho?", questiona Linn.

Para Linn da Quebrada, o objetivo do trabalho é apresentar possibilidades à comunidade trans. "É a possibilidade de contar histórias e de nos mostrar enquanto profissionais atuantes, trabalhando para que essas mudanças aconteçam. Então eu estou muito feliz e estou disposta a continuar criando", afirma. 

Diversidade começa no escritório

A montagem de campanhas publicitárias mais igualitárias, alcançando o público LGBTI+, depende diretamente de uma mudança dentro das agências que pensam as campanhas. A efetividade do pink money, com coerência e consistência, começa nas reuniões e nos expedientes diários. É impossível pensar em peças que falem para a comunidade sem entendê-la. 

Em BH, a Lápis Raro Agência de Comunicação, situada no Funcionários, Centro-Sul da capital mineira, criou um manual intitulado "melhor" para promover o letramento interno sobre temas ligados ao universo LGBTI+.

“É um material de uso prioritariamente interno, mas que ficou muito rico e acabamos compartilhando também com nossos clientes e com o mercado. Além disso, temos um grupo interno, chamado Núcleo Representa, criado para acolher as diversidades que existem na nossa agência, e que se encontra mensalmente para discutir questões sobre a comunidade LGBTQIA+, raça, gênero e PCDs", diz a gestora de Estratégias e Conteúdos da empresa, Juliana Sampaio.

Ao receber os clientes interessados em campanhas voltadas ao pink money, a Lápis Raro procura deixar claro se a empresa em questão está coerente com a população LGBTI+.

"Não adianta querer fazer campanhas voltadas especificamente para esse público, se isso não se reflete na atuação da empresa no mercado. Ainda mais numa época em que as redes sociais ampliaram tanto as vozes. Qualquer incoerência nesse sentido é facilmente desmascarada e exposta", diz Juliana Sampaio.

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