Fazendo a diferença

Por mais igualdade, empresas ampliam licença-paternidade

Em alguns casos, pais podem tirar dois meses após as mães voltarem ao trabalho

Por Rafaela Mansur
Publicado em 03 de fevereiro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Quando a primeira filha de Raphael Mozart, 32, nasceu, há quatro anos, ele tirou os cinco dias de licença-paternidade previstos em lei. No nascimento da caçula Maria Fernanda, em 2018, pôde aproveitar bem mais os primeiros dias de vida da menina: ficou dois meses de licença após a mulher voltar ao trabalho. “Foi muito bacana participar mais dessa fase. Eu vim do interior, e não que meu pai não fosse presente, mas não tinha tanto essa obrigação com o cuidar, as coisas ficavam mais a cargo da mulher. Para mim, foi uma mudança de paradigma. Trocar fralda, dar banho, tudo eu pude aprender, e minha esposa conseguiu ficar mais tranquila no retorno ao trabalho”, conta Mozart, que atua como gerente sênior da PwC Brasil.

No Brasil, a lei garante licença de quatro meses para as mulheres, 115 dias a mais do que a dos homens. No Congresso, uma série de projetos de lei em tramitação busca reduzir essa diferença, como uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de 2019, que sugere a licença parental de 180 dias compartilhada entre pais e mães. A ideia da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça.

Enquanto a legislação brasileira não avança, cada vez mais empresas ampliam, por conta própria, a licença-paternidade, considerada essencial para o desenvolvimento das crianças e a redução da desigualdade de gênero. Na PwC, empresa de auditoria e consultoria, o benefício de oito semanas foi implementado em 2017. Ele pode ser usufruído até um ano depois do nascimento ou da adoção da criança e, neste período, pais e mães podem optar por reduzir a jornada semanal, com impacto no salário, e trabalhar de casa, além de terem menos obrigações com viagens.

“A firma está sempre discutindo diversidade e inclusão da mulher no ambiente de trabalho, mas como incluir se, em alguns momentos, ela carrega sozinha as responsabilidades da maternidade?”, questiona o sócio da PwC Brasil em Belo Horizonte, Guilherme Campos, ressaltando que a medida busca também melhorar o ambiente de trabalho e o bem-estar do profissional.

Na farmacêutica Sanofi, a licença foi ampliada para até seis meses para todos os colaboradores, homens e mulheres, a partir deste ano. “É um avanço fundamental para a diversidade e a promoção de um ambiente corporativo cada vez mais inclusivo e plural”, diz o diretor de Recursos Humanos da Sanofi no Brasil, Pedro Pittella.

Em 2019, a Diageo, dona de marcas como Smirnoff e Johnnie Walker, também anunciou licença de cerca de seis meses de duração para pais e mães, inclusive casais homoafetivos. Já a Novartis criou um programa que concede a todos os funcionários no mínimo 14 semanas remuneradas de licença.

Programa que prorroga prazo tem mais de 22 mil adesões

Cresce a cada ano o número de empregadores participantes do programa Empresa Cidadã, criado pelo governo federal em 2008, que permite a prorrogação por 60 dias da licença-maternidade, totalizando 180 dias, e por 15 dias da licença-paternidade, que passa a ter 20 dias. Atualmente, são mais de 22.400 companhias, que têm direito a deduções fiscais.

A Cielo aderiu ao programa em 2016, e desde então, 102 homens utilizaram o benefício. “Temos como pilar ter profissionais satisfeitos, com equilíbrio entre a vida pessoal e profissional”, afirma a coordenadora de remuneração e benefícios da empresa, Vivian Krybus.

O especialista de desenvolvimento organizacional da Cielo, Arnaldo Gomes, 38, tirou os 20 dias de licença em 2018, após o nascimento da segunda filha. “Para mim foi muito importante, porque ela nasceu prematura e ficou na UTI após o parto. Minha esposa estava no pós-operatório e nós já tínhamos uma filha pequena”, conta.

Além da licença paternidade estendida, o banco BV, antigo Banco Votorantim, oferece auxílio creche e babá, entre outros benefícios. “O objetivo é que os pais possam usufruir com mais tranquilidade deste momento e apoiar a família”, diz o gerente executivo de pessoas e cultura do banco, Eduardo Juc.

No Nubank, os pais também têm direito a 20 dias de licença. “Acreditamos que, desta forma, conseguimos atrair e reter os melhores talentos”, pontua a líder da área de operações de RH do banco, Lilian Kazama. Os pais e mães da empresa se organizaram e formaram internamente um grupo em que compartilham dicas e apoiam uns aos outros.

Já a L’Oréal Brasil oferece auxílio-creche, kit maternidade, acompanhamento de assistente social durante a gestação e o retorno ao trabalho, além da licença-paternidade estendida. “Isso permite que os profissionais voltem de suas licenças mais motivados e engajados”, afirma a diretora de remuneração, benefícios e serviços de RH da empresa, Patricia Mirilli.

Benefício ajuda a reter profissionais

A ampliação da licença-paternidade é uma tendência, na avaliação da presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-MG), Alba Valéria Santos. “Algumas empresas já têm implementado essa ação como uma vantagem em sua carteira de benefícios, uma forma de reter talentos. Os profissionais cada vez mais desejam trabalhar em organizações mais humanas”, diz.

Na Takeda, essa é uma preocupação. Além de oferecer 20 dias de licença-paternidade e folga no dia do aniversário dos filhos, a empresa tem um projeto de auxílio a novos pais e mães, com suporte de especialistas e palestras sobre gestação.

"Estamos muito atentos às necessidades, feedbacks e solicitações dos colaboradores. Entendemos que cada colaborador tem uma necessidade diferente, e valorizar essas questões por meio de benefícios personalizados significa pessoas mais satisfeitas, engajadas e motivadas, proporcionando produtividade e melhor qualidade de vida", pontua a diretora executiva de recursos humanos da Takeda no Brasil, Veronika Falconer.

Na KPMG, os profissionais participam de um curso de paternidade ativa, com reflexões e dicas práticas, antes de tirar a licença estendida. "(O curso) ensinam, por exemplo, como colocar o filho para arrotar, dar banho, participar da brincadeira, trazer a referência que a criança precisa. O pai precisa quase ser tocado no coração de que aquela prorrogação é para ele realmente viver intensamente e aprender como se faz algumas coisas na prática", afirma a líder de pessoas da KPMG, Luciene Magalhães. 

Saiba mais

Exemplos. Outros países estão mais avançados: na Espanha, a partir de 2021, homens e mulheres terão direito a quatro meses de licença após o nascimento do filho. A Suécia oferece até 16 meses de licença-paternidade.

Direitos. O trabalhador tem direito a faltar até dois dias para acompanhar consultas médicas e exames durante o período de gravidez da esposa ou companheira, sem desconto por falta. Ele também tem direito a um dia por ano para acompanhar filho de até 6 anos em consulta médica.

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