Faraônicos

Projetos caros e mirabolantes não saíram do papel em Minas

Polo de moda, centro aeroespacial, fábrica de amônia e mais 2.000 planos não vingaram

Por Queila Ariadne
Publicado em 04 de março de 2018 | 03:00
 
 
 
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Cléria Maria de Freitas tem 51 anos. Há cinco, vive em Lagoa Santa, na região metropolitana de Belo Horizonte. A expectativa dela é conseguir um lugar para morar e arrumar um trabalho, quem sabe, na escola técnica que o governo do Estado construiu ao lado do barracão de lona que ela ergueu em um pedacinho de um terreno de 1,6 milhão de metros quadrados, onde já deveria ter sido inaugurado o Centro de Tecnologia e Capacitação Aeroespacial (CTCA). Era para ser condomínio aeroespacial, no entanto só foi construído um prédio da escola, que custou R$ 14 milhões. Com obras concluídas em 2017, a unidade está fechada desde então. No lugar de indústrias ou alunos, o que se pode ver são alguns barracos, como o de Cléria.

Esse condomínio é apenas um dos vários projetos de papel que chegaram a receber investimentos públicos ou privados, mas nunca viraram realidade e deixaram um rastro de frustração e desperdício de recursos financeiros. Ainda existem muitas outras obras inacabadas, como a fábrica de amônia em Uberaba (Triângulo), que teve a construção abandonada pela Petrobras, mesmo depois de mais de R$ 620 milhões investidos. São mais de 2.000 projetos atrasados ou paralisados em Minas Gerais, segundo levantamento com base em dados do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Eles somam R$ 2,6 bilhões.

Cléria afirma que, enquanto não tiver condomínio, vai ter barracos. “É um desperdício. Essa escola tomou dinheiro do povo, que poderia ter sido investido em outras coisas para a cidade. Agora está lá, definhando. Poderia oferecer emprego, mas virou um fantasma. Se arrumarem um local para eu morar, eu saio”, diz.

O projeto do CTCA começou a ser pensado em 2009. Em 2014, o governo de Minas publicou o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para levantar possíveis interessados. O plano era investir R$ 97 milhões em obras de infraestrutura, loteamento e centros de formação técnica. A Embraer chegou a assinar um protocolo de intenções, se comprometendo a passar suas instalações para o local. Além da escola, a primeira parte, o sistema viário, ficou pronta.

“Infelizmente, a escola está deteriorando mesmo antes de ser usada. E no resto do terreno, onde era para ser uma referência de inovação tecnológica, já tem até uma pequena invasão”, destaca o diretor de Regulação Urbana da prefeitura de Lagoa Santa, Dalmar Duarte.

Morador da região, Wanderson Lana lamenta o descaso com o dinheiro público. “Nossos jovens perdem essa oportunidade de capacitação porque as empresas que chegam vão buscar mão de obra especializada fora, já que aqui não tem”, disse.

Dos R$ 14 milhões investidos na escola, R$ 10 milhões vieram do governo federal e R$ 4 milhões do estadual. A unidade tem capacidade para atender, no mínimo, 400 alunos.

Respostas. Por meio de nota, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Sedectes) disse que o prédio está em fase de vistoria e a escola será entregue à rede estadual de ensino e terá parceria com a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Sobre a ocupação irregular do terreno, a Sedectes informou que medidas já foram tomadas para identificar as famílias e fazer a desocupação de forma negociada.

O governo do Estado destaca ainda que muitos projetos paralisados foram feitos na gestão anterior e não foi possível dar continuidade devido ao atual rombo nas contas públicas.

FOTO: Ramon Bitencourt
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Barracos ocupam terreno onde seria feito um centro de tecnologia

Fashion City Brasil

Parado após R$ 100 milhões

Mais de 500 lojas, hotel, centro de eventos, espaços integrados para fornecedores e estilistas. Assim seria o Fashion City Brasil, em Pedro Leopoldo, a cinco minutos do aeroporto de Confins. Lançado em 2013 pela iniciativa privada, com apoio do governo do Estado, ele receberia quase R$ 150 milhões em investimentos, dos quais R$ 100 milhões chegaram a ser aplicados. A obra andou rápido, mas parou pela metade, em 2015. Com isso, quem passa pela LMG-800, entre Confins e Pedro Leopoldo, consegue ver uma grande estrutura de concreto abandonada.

“Ele seria o maior polo de moda do Brasil, mas, infelizmente, tivemos uma reviravolta na política, com total paralisação dos investimentos previstos para o Vetor Norte. O Estado foi irresponsável com o desenvolvimento da região, o que pode ser comprovado pela total paralisação dos movimentos estatais, que foram, inclusive, o que me atraiu como empreendedor. Mas a paralisação inevitavelmente compromete a qualidade da iniciativa privada, que depende de regulação e macroestrutura”, afirma o empresário Gilson Amaral Brito Jr, que estava à frente do negócio. Segundo ele, os sócios ainda estudam uma nova destinação para a estrutura, quando o momento econômico estiver mais favorável.

FOTO: Ramon Bitencourt
Fashion City
Parada desde 2015, obra do maior polo de moda do Brasil consumiu R$ 100 milhões

 

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