Efeito cascata

Queda na produção força setor rodoviário a cortar turnos e demitir

Até reajuste salarial dos ferroviários, cuja negociação foi interrompida pela tragédia, caiu pela metade

Por Queila Ariadne
Publicado em 28 de julho de 2019 | 03:00
 
 
 
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São 190 máquinas pesadas trabalhando dia e noite na área da mina de Córrego do Feijão, segundo o capitão-adjunto de operações do Corpo de Bombeiros, Patrick Tavares Gomes.

Só que, em vez de minério, os caminhões agora saem carregados de rejeitos dos escombros da tragédia de Brumadinho. Quem vê essa intensa movimentação nem imagina o quanto o setor de transportes foi afetado pelo rompimento da barragem e por todas as paralisações de outras minas que vieram em seguida.

“A Rodominer é especializada em transporte de minério. Não trabalhávamos diretamente para a Vale. Na verdade, alguns de nossos clientes compram minério e nos contratam para buscar nas minas e entregar. Mesmo assim sofremos um impacto enorme porque, com a saída de 90 milhões de toneladas por ano da Vale do mercado, faltou minério. Com a redução do volume, tivemos que encolher e demitir”, conta o sócio-diretor da empresa, Bruno Monteiro.

No dia do rompimento, a empresa tinha seis caminhões carregando na mina. “Os motoristas chegaram a ver a lama, mas graças a Deus ninguém se machucou”, conta o empresário. Nos três meses que se seguiram ao desastre, o alívio se misturou aos prejuízos e às adaptações.

“Temos 60 caminhões. De imediato, 15 ficaram ociosos, porque não tinha demanda. Só conseguimos nos reorganizar em maio. Antes, praticamente todos os meus caminhões trabalhavam em dois turnos. Agora, todos trabalham apenas um. Só na minha empresa foram 50 demissões”, relata Monteiro. Cada caminhão custa, em média, R$ 600 mil.

Segundo ele, a empresa encolheu 20%. “Não foi só a questão de Brumadinho. O desastre chamou a atenção dos órgãos responsáveis e várias minas interromperam a produção para que as fiscalizações de barragens acontecessem. Em Itatiaiuçu, por exemplo, chegamos a ficar 21 dias parados no mês de abril”, conta. 

“Ainda tem uma questão que dificulta a adaptação. Os caminhões que carregam minério, chamados basculantes, são muito específicos. Então, não é simples usá-los para levar outro tipo de carga”, afirma. 

O consultor técnico do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas de Minas Gerais (Setcemg), Luciano Medrado, afirma que, embora o maior impacto seja nas ferrovias, o modal rodoviário também tem sentido os efeitos da tragédia.

“Mesmo o transporte ferroviário tem uma ponta que é feita pelo rodoviário, levando as cargas até o terminal. É um impacto em cadeia, porque quando o transporte do minério de ferro cai, derruba junto o transporte dos insumos das mineradoras, do material de almoxarifado, e também acaba afetando todos os serviços e consumos correlatos da cadeia produtiva”, avalia Medrado. 

Após desastre, reajuste de ferroviários cai pela metade 

O desastre provocado pela Vale afetou até a negociação salarial dos trabalhadores ferroviários. Em janeiro, eles estavam em plena negociação com a MRS, operadora logística que transportava o minério de ferro da mina de Córrego do Feijão. “Na época, a MRS já tinha garantido 4% de reajuste.

Quando aconteceu a tragédia, a negociação foi paralisada. Quando retomamos, a empresa alegou que, por causa dos impactos sofridos, não teria condição de dar aumento nenhum. Brigamos e, com muita dificuldade, ela aceitou dar 2%”, conta o diretor financeiro do Sindicato dos Trabalhadores das Empresas Ferroviárias de Belo Horizonte, David Eliude Silva. 

O impacto não parou por aí. “Houve demissões também. A Vale diminuiu muito a produção de minério em Minas e isso impactou, pois o transporte de cargas também caiu”, afirma o diretor do sindicato.

Por meio da assessoria de imprensa, a Vale disse que não pode informar o impacto da queda na produção no transporte porque “não comenta relações comerciais específicas, em função de cláusulas de confidencialidade”. A MRS afirma que não pode fornecer projeções de volumes por se tratarem de informações estratégicas de clientes. Atualmente, cerca de 70% do que a operadora transporta é minério. A Vale é sócia da MRS.

Impacto prolongado

Na avaliação do diretor executivo da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Bruno Batista, os efeitos da tragédia de Brumadinho nas ferrovias ainda vão se prolongar pelos próximos anos.

“A Vale anunciou a paralisação de extração de minério em outras minas e isso deve provocar queda na movimentação ferroviária de cargas. Com menor demanda, as ferrovias ficarão com nível de ociosidade maior. Isso vai gerar sobreoferta de mão de obra, o que pode ter impacto no emprego nessas regiões”, destaca.

Varridos pela lama

No dia 25 de janeiro de 2019, a operadora logística MRS tinha uma composição com duas locomotivas e 138 vagões no pátio da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho.

São esses equipamentos que aparecem sendo arremessados e engolidos pela lama nas imagens das câmeras de segurança que circularam depois do rompimento.

A maior parte das 40 milhões de toneladas que a Vale deixará de produzir nos próximos três anos seria escoada pelos trilhos da MRS. A perda potencial pode chegar a 15%.

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