Eles nem estudam e nem trabalham. Mas isso não quer dizer que os chamados “nem-nem” estejam “curtindo a vida” ou que tenham preguiça de procurar um trabalho. Pelo contrário: o cenário revela uma falta de oportunidade especialmente para os jovens mais pobres. Nas famílias que recebem no máximo meio salário mínimo por pessoa, um em cada quatro jovens de 15 a 29 anos não trabalha e nem estuda, segundo dados de 2021 analisados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e recém-divulgados.
Naquele ano, cerca de 15% dos jovens brasileiros eram “nem-nem” e não estavam procurando trabalho. Entre a faixa de renda mais baixa, o percentual sobe para 24%, 4,8 milhões dos 19,9 milhões de jovens nessa parcela da população. Nessa classe social, 16% estavam buscando trabalho. Hoje, Thaila Emanoelle, 21, filha de um pedreiro e de uma aposentada pelo INSS, está nessa situação, conta: “No ano passado, eu estava terminando o ensino médio e fazendo bicos. Aí, consegui um empreguinho e parei de estudar. Agora, estou sem emprego e tentando arrumar. Até faço entrevistas, mas não me chamam de volta. Se eu não conseguir arrumar um emprego, vou voltar a estudar, mas trabalhar, infelizmente, é prioridade”.
“É um problema complexo e, como todo problema desse tipo, tem muitas causas. Começa pela questão social. São jovens que, muitas vezes, precisam trabalhar para ajudar em casa, mas não conseguem emprego. O Brasil não é um país que esteja caminhando para ampliar o mercado de trabalho. Ele vem de uma sucessão de crises e passa por um processo de desindustrialização. O setor de serviços, que é o que mais emprega, é um setor muito suscetível às crises, porque depende das pessoas terem dinheiro para consumidor”, resume o coordenador da Associação Brasileira de Economistas Pela Democracia (Abed), o economista Paulo Bretas.
Entre quem sequer estava procurando um emprego, de acordo com o levantamento do Dieese, os motivos são diversos: necessidade de cuidar dos afazeres domésticos, dos filhos ou de outros parentes (para 36% dos “nem-nem”), problemas de saúde ou gravidez (14%) e o fato de estarem estudando (12%). Novamente, a renda causa uma disparidade: entre os mais pobres, a principal causa para não buscar emprego, apontada por 40% deles, é cuidar dos afazeres domésticos. Já na faixa com renda per capita de pelo menos três salários mínimos, 55% não procuram uma oportunidade porque estão estudando — no pré-vestibular, por exemplo, que não é considerado educação formal. A conjuntura também ressalta a desigualdade de gênero, pois ainda são as mulheres as maiores responsáveis pelas tarefas domésticas.
“Quando falamos em falta de oportunidades, pensamos, de bate-pronto, no mercado de trabalho. Mas as condições familiares também estão incluídas nisso. As pessoas, muitas vezes, não têm acesso a creches ou a auxílio para cuidados com as pessoas idosas ou doentes, e o jovem de baixa renda se encarrega disso”, lembra o economista do Dieese Cesar Andaku.
No longo prazo, avaliam especialistas, a diferença de renda se perpetua. “Em algum momento, esses jovens entrarão no mercado de trabalho. Mas, aí, esbarraram em problemas, conseguir trabalhos informais, de baixo rendimento, e perpetuar essa situação. Me arrisco a dizer que ser jovem, hoje, é mais difícil, porque a economia brasileira e internacional tem mudado muito nos últimos dez, 15 anos, sendo o avanço da tecnologia o maior sintoma disso. Hoje é muito mais complexo conseguir uma melhor inserção no mercado de trabalho”, pondera o economista Cesar Andaku.
O economista Paulo Bretas completa: “A pobreza é transmitida de pai para filho. Se o pai teve pouco estudo, não consegue emprego ou não consegue um de qualidade, se o local onde vive é precário, o adolescente vive o drama que o pai viveu, com as devidas ampliações e com a tragédia de viver em uma sociedade que pressiona o tempo todo. Se não há o corte dessa linha de transmissão da pobreza, é garantido que teremos necessidade de mais Bolsas-Família e novas famílias miseráveis no futuro”, finaliza.