ECONOMIA

Tributação frágil faz Brasil virar 'exemplo' mundial de desigualdade

Relatório da ONG Oxfam mostra que o País ganhou 20 bilionários durante a pandemia. Especialistas indicam reforma tributária para reduzir diferenças

Por Gabriel Ronan
Publicado em 02 de junho de 2022 | 03:00
 
 
 
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O fato de a pandemia ter ampliado a desigualdade social não é mistério para ninguém, sobretudo em um cenário no qual o mundo ganhou um bilionário a cada 30 horas desde 2020. No Brasil, onde mais 20 pessoas entraram para a lista dos ricaços, a necessidade de debate sobre o tema se faz necessária diante de uma legislação tributária vista por especialistas consultados por O TEMPO como equivocada. 

Os dados sobre o aumento da desigualdade na pandemia foram compilados pela ONG Oxfam. Entre outros números que assustam, o relatório mostra que a fortuna dos bilionários aumentou, entre 2020 e 2022, o equivalente a 23 anos. O planeta tem hoje 573 “ultrarricos” a mais que antes da chegada da Covid-19. 

O documento evidencia que quatro setores em especial surfaram na onda da pandemia: os de energia (principalmente, empresas do ramo petrolífero), alimentação, farmácia e de tecnologia, área onde atua o homem mais rico do mundo, Elon Musk. 

“Houve um aumento de US$ 4 trilhões na fortuna dos mais ricos. Mais de 99% da população teve piora na sua situação de vida, sobretudo a de maior vulnerabilidade. Há uma perspectiva de que até o final do ano a gente tenha 263 milhões de pessoas em extrema pobreza”, diz Jefferson Nascimento, coordenador de Justiça Social e Econômica da Oxfam. 

Se a conjuntura mundial é catastrófica, dados mostram que o Brasil puxa a fila entre os países mais desiguais. Parte desse protagonismo vem do cenário global, mas a falta de políticas públicas eficazes coloca o País numa situação ainda mais frágil, segundo Jefferson Nascimento. 

“Falando nesses números globais, parece que tudo é resultado de um contexto externo. Óbvio que a tendência internacional influencia no Brasil, mas não é só isso. Temos a inflação com a valorização das commodities. Quanto mais pobre você é, mais você gasta parte da sua renda com comida. As pessoas que ganham até cinco salários-mínimos gastam 23% de sua renda com comida, enquanto a pessoa rica gasta 5% de sua renda com alimentos”, afirma o coordenador de Justiça Social e Econômica da ONG. 

Números da Fundação Getúlio Vargas (FGV) provam as alegações de Jefferson Nascimento. A parcela de brasileiros que não teve dinheiro para alimentar a si ou a sua família em algum momento nos últimos 12 meses subiu de 30% em 2019 para 36% em 2021, atingindo novo recorde da série iniciada em 2006. É a primeira vez desde então que a insegurança alimentar brasileira supera a média simples mundial.

Reforma tributária amenizaria problema

Entre diferentes sugestões para minimizar a desigualdade social, os especialistas ouvidos pela reportagem destacam a necessidade de uma reforma tributária. A ideia é aumentar a taxação entre os mais ricos, aumentando a arrecadação do Estado e incentivando investimentos em setores primordiais, como educação, saúde e transferência de renda.

Para o economista André Roncaglia, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a reforma precisa começar por três medidas. A primeira delas é aumentar as faixas de alíquotas do imposto de renda, que tem a taxa máxima de 27,5% para todos que ganham mais de R$ 4.664,68.

“Ele precisa se tornar mais progressivo, de maneira que os mais ricos deem uma contribuição maior na arrecadação. Seria possível adicionar mais faixas, para que a gente possa diferenciar aqueles que ganham muito mais. Não é justo o 1% mais rico pagar a mesma taxa de quem ganha R$ 5 mil por mês”, diz Roncaglia. 

O economista também lembra da falta de taxação de lucros e dividendos. A maioria dos países mundo afora exigem esse pagamento, mas o Brasil não. Nos Estados Unidos, esse imposto chega aos 30%. Os vizinhos Argentina (12,8%¨), Bolívia (12,5%), Colômbia (10%) e Uruguai (7%) também cobram. No Brasil, essa alíquota é zero.

“Famílias que têm empresas buscam fugir da tributação que incide sobre o trabalho. O Brasil cobrava isso até os anos 1990, quando o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) mudou as regras”, afirma André Roncaglia. 

O professor da Unifesp ressalta ainda uma terceira alternativa para conter a desigualdade social: o reajuste das faixas que incidem sobre o imposto de renda. A ideia é diminuir a alíquota para os mais pobres e aumentar para os mais ricos. 

O coordenador de Justiça Social e Econômica da Oxfam Jefferson Nascimento vai na mesma linha do colega. Ele diz que a tabela do imposto de renda “está defasada”, com “taxas que não acompanham a inflação”. 

“O Brasil chegou a ter alíquotas de 45% para os mais ricos. Hoje, ela é de 27,5%. A pessoa que ganha R$ 100 mil tem a mesma alíquota de quem ganha R$ 5 mil. Fica clara a injustiça. Temos alguns projetos na Câmara dos Deputados e no Senado que acabam não andando. Precisamos pensar como os próximos parlamentares e ocupantes dos cargos no Executivo podem mexer nisso”, diz.

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