A última semana de campanha eleitoral começou com um encontro não programado entre os dois candidatos à Prefeitura de Belo Horizonte. O atual prefeito, Fuad Noman (PSD), e o deputado estadual Bruno Engler (PL), estiveram juntos durante agenda na Igreja Batista Getsêmani, no bairro Dona Clara, nesta segunda-feira (21 de outubro) pela manhã, em um evento com troca de acusações e apelos ao público evangélico. 

Fuad e Engler não se cumprimentaram. Inicialmente, embora ambos tivessem agendas marcadas para conversar com o público evangélico, os pontos de encontro eram diferentes. No entanto, as reuniões aconteceram na mesma igreja. A equipe de Fuad foi pega de surpresa com a chegada de Engler no mesmo local. Mas, durante o encontro com pastores, cada candidato ficou em um espaço diferente. 

Segundo a organização do evento, o discurso obedeceria à ordem de chegada. Engler foi o primeiro a chegar ao local, por volta das 10h, e, por isso, o primeiro a ter direito a fala. Fuad discursou logo em seguida a um grupo de pastores evangélicos. 

Em seu discurso, o deputado estadual do PL reforçou sua oposição a pautas ligadas às discussões de gênero e usou trechos do livro Cobiça, escrito pelo prefeito em 2020, para atacar o oponente. Enquanto isso, Fuad acusou o rival de disseminar fake news e declarou que discussões sobre gênero não cabem em uma eleição municipal. 

Na agenda, os dois candidatos ao segundo turno em BH reforçaram a importância do público evangélico para suas campanhas. “A população evangélica é muito importante, como qualquer outra religião. Temos que mostrar ao nosso povo quem nós somos e o que nós temos. A Igreja é múltipla, e espero poder convencê-los sobre a opção pela continuidade do trabalho que vem sendo feito”, disse Fuad. 

Engler, que já havia participado de um evento na Igreja Getsêmani no primeiro turno, reforçou a importância do público cristão para sua candidatura. “Vim (à igreja) passar um recado. Não somos obrigados a nos contentar com migalhas, com políticos que vêm aqui de quatro em quatro anos, pedem oração e depois trabalham contra nossos valores”, disse o candidato. 

Embate sobre livro

O centro do embate entre Engler e Fuad na agenda dentro da igreja evangélica foi o livro Cobiça, que tem passagens eróticas e vem sendo usado pela campanha do deputado estadual para atacar o atual prefeito. Enquanto Fuad defendeu, em entrevista, que a obra é ficcional, Engler tentou usar trechos do livro para atacar o adversário nas eleições municipais.

"É um livro absolutamente perturbador. O prefeito, em plena pandemia, escrever um livro pornográfico... que até aí poderia ser só uma peculiaridade dele. Mas dentro desse livro ele descreve com riqueza de detalhes o estupro coletivo de uma criança de 12 anos. Até vi que ele já se defendeu, dizendo que é um livro de ficção, mas como que alguém no contexto de um livro erótico consegue pensar em uma coisa dessa?", disse Engler.

Fuad se defendeu, durante entrevista com os jornalistas presentes, afirmando que quer discutir propostas para Belo Horizonte, e não literatura. "Se a gente quiser discutir literatura, vamos começar a chamar Nelson Rodrigues, Bocage, Jorge Amado... vamos discutir a literatura. Pegar um livro que tem uma passagem em que uma moça mente para uma pessoa para explorar (na campanha) é não conhecer literatura, é não saber que ficção é assim mesmo. É um momento meio desesperado do candidato, de querer inventar coisas para fazer isso. Eu quero discutir propostas para Belo Horizonte", afirmou o prefeito. "Usar isso na campanha mostra claramente quem não tem o que dizer. Mostra claramente que não tem proposta para fazer. Lixo, como o que ele falou, a gente recolhe, recicla, para não contaminar o ambiente", completou Fuad Noman.

O candidato do PL ainda afirmou que "antidemocrático é o prefeito que não vai debater comigo", e disse que "o povo tem direito de ouvir debate". Fuad, que não tem comparecido aos debates, incluindo o promovido por O TEMPO nesta segunda-feira (21), vem alegando problemas de agenda para não ir aos embates.

Pastora diz que igreja tem preferência por Engler

O voto evangélico é de grande importância para as candidaturas de ambos os candidatos. Tanto Engler quanto Fuad visitaram igrejas protestantes já na primeira semana de campanha do segundo turno, e a população representa, segundo a sexta rodada da pesquisa DATATEMPO (TRE MG-08738/2024), realizada entre os dias 23 e 27 de setembro, 35% dos eleitores de BH, perdendo apenas para os católicos, que representam cerca de 44,7%.

Apesar de não representar a maioria dos eleitores, os evangélicos têm sido foco das empreitadas em campanhas eleitorais, e isso seria resultado, especialmente, do impulsionamento do movimento político dentro das igrejas, em especial das pentecostais e batistas. É o que explica a socióloga e professora da Universidade Federal de Minas Gerais, Nina Rosas, que possui doutorado em cultura evangélica e estudos sobre o voto do grupo religioso.

Em entrevista concedida a O TEMPO na semana passada, a pastora Daniela Linhares, liderança da Igreja Getsêmani, afirmou que existe “um candidato que é o predileto dos cristãos”, que seria Bruno Engler. “Olha, essa eleição foi bem atípica e ficou muito claro, pelo menos para nós, para mim, que existe sim um candidato que é o predileto dos cristãos, que no caso é o Bruno Engler, caso contrário, ele não estaria aí no segundo turno”, definiu. 

“Então, para mim, isso é sim um reflexo da força conservadora e consequentemente das igrejas sim, porque, como eu disse acima, estamos buscando representantes que entendam o valor da igreja. Os dois não são evangélicos. E, de fato, isso é uma realidade, mas a gente também não vai votar em uma pessoa só porque ela é evangélica ou não. Não existe essa viseira, não existe essa cegueira da nossa parte. Agora, entender e defender os nossos valores, isso, sim, é extremamente importante”, declarou a pastora. 

Entretanto, Daniela reforçou que a Igreja Batista Getsêmani e o Conselho de Pastores é um “espaço democrático, um espaço aberto” para que cada candidato possa expressar suas propostas.

A menos de uma semana das eleições que vão definir o novo prefeito de Belo Horizonte, os candidatos estão disputando voto a voto. Neste cenário da reta final, os votos dos evangélicos têm sido foco constante nas campanhas.