BRASÍLIA - Apesar de ter sido o candidato com mais menções nas redes sociais durante as campanhas municipais de 2024, Pablo Marçal (PRTB) não conseguiu chegar ao segundo turno na disputa pela Prefeitura de São Paulo, ficando em terceiro lugar, com 28,14 % dos votos válidos. Por outro lado, ganhou mais visibilidade nacionalmente e mostrou que quer dar continuidade a seus planos políticos.
A quantidade de menções a Marçal não foi inteiramente positiva ou espontânea. O autodenominado ex-coach ganhou a internet muito mais por suas polêmicas, pelos episódios agressivos e até acusações de crimes contra ele do que por propostas para a capital paulistana. A junção de fatores negativos resultou em rejeição. Mas ele deve manter seu projeto de poder.
Aos 37 anos, o influenciador cogita disputar a Presidência da República em 2026. E, nesse plano, se coloca como o nome mais à direita, para atrair o eleitorado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em São Paulo, o ex-presidente declarou apoio a Ricardo Nunes (MDB), após titubear e até flertar com Marçal, em meio a pesquisas que colocavam o prefeito fora do segundo turno. Nunes ficou em primeiro, com 29,48% dos votos válidos.
Em 2022, o ex-coach até tentou ser candidato ao Palácio Planalto pelo Pros. Mas sua candidatura não foi homologada em razão de divergências internas no partido, que decidiu apoiar Luiz Inácio Lula da Silva (PT). À revelia da sigla, o empresário apoiou Bolsonaro, concorrendo à Câmara dos Deputados por São Paulo. Obteve votos suficientes, mas sua candidatura foi impugnada pela Justiça Eleitoral.
Marçal chegou a participar de live com Bolsonaro no segundo turno de 2022, sob reprovação de um dos filhos do ex-presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PL), que chamou o influenciador de “coach malandrão” e o acusou de querer vantagens financeiras pelo apoio. Marçal ainda deu dicas de colocação diante das câmeras e de oratória a Jair Bolsonaro no debate presidencial da Band.
Marçal e os problemas na Justiça
Mas o projeto político do então candidato à Prefeitura de São Paulo pode ser barrado pelos mais diversos processos em que responde em diferentes esferas da Justiça. Um deles resultou na Operação Ciclo Fechado, deflagrada pela PF em julho de 2023 para cumprimentos de mandados de busca e apreensão contra Pablo Marçal e seus correligionários
A PF investiga possíveis crimes eleitorais da tentativa de candidatura do ex-coach à Presidência do Brasil em 2022. A apuração começou após o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) relatar 42 operações suspeitas nas contas bancárias de Pablo Marçal, que levaram à suspeita de lavagem de dinheiro.
Em agosto de 2022, ele era recordista em autofinanciamento, tendo doado mais de R$ 500 mil à própria campanha. Há indícios de que esses valores foram repassados posteriormente às empresas dele, para ocultar a origem do dinheiro. Alguns dos mandados não foram cumpridos porque havia apenas uma sala de jogos e uma editora no endereço das sedes das empresas.
Dois meses atrás, uma reportagem publicada pelo UOL revelou que Pablo Marçal ocultou R$ 22 milhões na declaração patrimonial que apresentou ao TSE para concorrer às eleições municipais de 2024. Ele reduziu o valor de duas empresas e deixou de declarar uma à Justiça Eleitoral. Segundo ele, a divergência nos dados foi um “erro simples, questão de contabilidade”.
Nova direção de partido cancelou candidatura de Marçal
No caso da pré-candidatura à Presidência, o Pros anunciou Pablo Marçal, após convenção em 31 de julho de 2022. À época, o partido era presidido por Marcus Holanda. Mas Eurípedes Júnior, recém-empossado presidente do partido, apresentou nova convenção partidária, que cancelou a candidatura do ex-coach e endossou a candidatura de Lula.
- Em conversa divulgada pela Folha de S. Paulo, Holanda dizia esperar R$ 200 milhões de Marçal, oriundos de vaquinha entre seus seguidores nas redes sociais. A candidatura chegou a receber R$ 485 mil em doação de pessoas físicas, até ser interrompida pela nova direção do partido.
- Marçal até ganhou um recurso, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que depois foi invalidado. Ele então se candidatou a deputado federal por São Paulo. A candidatura ocorreu sub judice, pois seu registro havia sido indeferido pelo TRE-SP. Ainda assim, obteve 243 mil votos, sendo um dos 20 mais votados no Estado.
- Em 6 de outubro, uma decisão do TRE-SP aprovou o registro da candidatura e, após retotalização dos votos, Marçal passou, temporariamente, à condição de eleito. Apesar disso, a candidatura foi indeferida pelo TSE, e a vaga passou a Paulo Teixeira, do PT.
Condenação veio à tona durante campanha
Apesar de concentrar sua carreira política em São Paulo, Pablo Henrique Costa Marçal nasceu e cresceu em Goiânia. Antes de se tornar conhecido por vender cursos de desenvolvimento pessoal nas redes sociais, quando se apresentava como coach, ele se envolveu com um grupo criminoso, que lhe rendeu uma condenação, que veio à tona durante a campanha deste ano.
A Justiça Federal condenou o influenciador, em 2010, a quatro anos e cinco meses de prisão por envolvimento em uma quadrilha que desviou dinheiro de contas bancárias em 2005. À época, ele tinha 18 anos. Só não teve de cumprir a pena atrás das grades porque ela prescreveu, graças a recursos dos advogados de defesa.
O grupo do qual Marçal fazia parte, criava sites falsos de instituições financeiras e enviava e-mails fraudulentos para roubar informações das vítimas com programas conhecidos como cavalos de Troia. Segundo a investigação, o ex-coach era o responsável por capturar e-mails de vítimas para um dos líderes, o pastor Danilo de Oliveira.
O influenciador admitiu ter colaborado com o grupo, mas afirmou desconhecer os atos ilícitos, apesar da existência de áudios, obtidos por meio de grampos telefônicos da Polícia Federal (PF), em que Marçal confirmou a um dos chefes da quadrilha que estava capturando os e-mails para os golpistas. Sua pena foi extinta em 2018 por prescrição retroativa.
Esse episódio foi lembrado por concorrentes de Marçal na corrida pela Prefeitura de São Paulo, em especial a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), principal alvo do empresário nos primeiros debates na TV. Ele chegou a acusar a parlamentar de ser responsável pela morte do pai dela, o que é uma mentira. Diante da repercussão negativa, o então candidato do PRTB pediu desculpas.
Alunos em risco na Mantiqueira e funcionário morto
A condenação pelo envolvimento com a quadrilha de golpistas, não foi o único episódio desfavorável à Marçal explorado pelos seus oponentes durante a campanha. Aliás, ele se notabilizou por episódios controversos. Alguns, investigados como crimes. Um deles ganhou o noticiário pouco antes de ele se lançar à Presidência da República.
Ainda como coach, por meio de palestras e cursos motivacionais, Marçal comandou, em 5 de janeiro de 2022, uma expedição ao Pico dos Marins, na Serra da Mantiqueira, entre Minas Gerais e São Paulo. O grupo era formado por 32 alunos, induzidos a encarar a subida em condições meteorológicas adversas, sem experiência e equipamentos adequados.
Era uma espécie de prova de resistência mental, que o então coach anunciava ser necessária para enfrentar desafios como os que poderiam se deparar na vida empresarial. Mas a empreitada deu errado. O Corpo de Bombeiros mineiro precisou organizar uma operação de resgate ao grupo, com nove horas de duração.
Marçal alegou, em sua defesa, que o Corpo de Bombeiros foi acionado por precaução, o que foi contestado por profissionais da corporação. A atitude dele foi duramente criticada pelas autoridades. O então porta-voz dos bombeiros de Minas e hoje deputado federal, Pedro Aihara, chamou o influenciador de “fanfarrão”, e disse que “ele foi totalmente irresponsável”.
O episódio expôs outros eventos envolvendo o empresário, inclusive que resultaram em mortes. Uma delas, a de Bruno da Silva Teixeira, que era funcionário da XGrow, parte da Plataforma Internacional, empresa de Marçal. O rapaz de 26 anos morreu, após sofrer parada cardíaca, durante um desafio organizado pela firma.
O óbito ocorreu no 15.º quilômetro do percurso, que totalizaria 42km, o dobro do proposto inicialmente. A maratona ocorreu poucos dias após Marçal vangloriar-se de ter completado 42km em uma corrida. O caso está sob investigação. Ele negou a culpa e disse que gostava tanto de Bruno que escreveu o nome do rapaz no tênis favorito.
Após o episódio, funcionários relataram que havia pressão para que realizassem atividades físicas sem a solicitação de exames médicos. Aqueles que não seguissem as orientações enfrentavam o risco de demissão. A Plataforma Internacional já era investigada por desrespeitar as normas sanitárias durante a pandemia de Covid-19, como obrigatoriedade de uso de máscaras e isolamento social.
Mais: em palestras e entrevistas, Marçal afirmou ter criado um banco chamado General Bank, e a suposta instituição cobraria o valor de R$ 45 para abertura de contas no Asaas, uma fintech que não cobra taxas de inscrição. Ele fez o registro de marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, mas não há registro no Banco Central.
Curas messiânicas mal sucedidas
Em meio a cursos e palestras para ensinar pessoas a serem bem sucedidas nas mais diferentes atividades, Pablo Marçal também prometeu curar enfermos.
- Em uma dessas tentativas, em dezembro de 2021, em Goiânia, ele chegou a tentar curar uma senhora cadeirante diagnosticada com tetraplegia, mas não obteve sucesso.
- Já em agosto de 2024, durante uma entrevista concedida ao Flow Podcast, Marçal afirmou ter tentado ressuscitar duas pessoas falecidas durante o velório.
- Ainda em 2024, Marçal virou um meme e foi criticado por sua fala em uma palestra, onde disse ter identificado uma pane em um helicóptero antes do piloto e então o acalmado durante o voo, que terminou bem.
Propagação de fake news
Pablo Marçal também se notabilizou pela propagação de fake news em sua carreira de coach e nas campanhas eleitorais. Algumas dessas notícias falsas lhe renderam mais problemas com a Justiça. Outras interferiram em disputas políticas.
- Durante a eleição de 2022, Marçal publicou um conteúdo que associava o PT à distribuição do chamado kit gay. O post foi apagado por ordem do TSE, por ser “desinformação circular”. Mas ele já havia sido distribuído a milhões de pessoas.
- Adversários do PT repetiram a mentira em suas campanhas.
Depois, Marçal fez uma publicação que denunciava uma suposta agressão sexual contra uma criança, mas foi removida do Instagram por ferir os termos de uso da plataforma. - O vídeo, que expunha a cena de uma criança sendo beijada à força, supostamente teria sido gravado na Ilha do Marajó, no Pará, e foi postado alguns dias após a senadora Damares Alves denunciar, sem provas, torturas, mutilações, abuso sexual e tráfico humano contra crianças no mesmo local.
- Marçal voltaria a fazer publicações consideradas mentirosas durante as enchentes no Rio Grande do Sul, em maio de 2024. Os posts atacam a atuação de militares na tragédia ambiental. A Advocacia-Geral da União (AGU) acionou o empresário na Justiça.
Série de ataques a adversários e campanha de cortes nas redes
O ex-coach continuaria a usar o método ao longo da campanha pela Prefeitura de São Paulo. Além de Tabata, ele atacou Guilherme Boulos (Psol) com uma afirmação sem prova. Marçal disse, mais de uma vez, que Boulos era usuário de cocaína.
O TRE-SP mandou a campanha do influenciador retirar das redes sociais as publicações que associavam Boulos ao uso de drogas. Mas as peças já haviam viralizado, assim como outros ataques que ele havia feito a adversários.
Marçal usou um processo sobre porte de drogas de 2022 que, na verdade, citava Guilherme Bardauil Boulos, candidato a vereador de São Paulo pelo Solidariedade, confundido com o nome igual ao do candidato a prefeito da mesma cidade, Guilherme Castro Boulos.
Cadeirada de Datena e soco em assessor de Nunes
Sem apresentar propostas e responder às perguntas dos adversários, o ex-coach apostou tudo nas provocações e acusações sem provas para chamar a atenção dos eleitores. Mais de uma vez, anunciou que baixaria ao máximo o nível dos debates.
Em um deles, promovido pela TV Cultura, em 15 de setembro, as provocações resultaram em agressão física. O candidato José Luiz Datena (PSDB) agrediu Marçal fisicamente com uma cadeira. O debate teve que ser interrompido e o tucano foi expulso.
Pablo Marçal foi levado em uma ambulância para o Hospital Sírio-Libanês. Foi divulgado pela campanha do então candidato do PRTB que ele teve uma pequena fratura e que sua assessoria registrou um boletim de ocorrência contra Datena.
Mas o hospital não confirmou que houve fratura e sim “traumatismo na região do tórax à direita e em punho direito, sem maiores complicações associadas”, e Marçal teve alta na manhã do dia 16 de setembro.
O laudo do Instituto Médico Legal concluiu que não houve fratura e indicou lesão corporal leve. Em 20 de setembro, ele admitiu ter usado uma ambulância para ir ao hospital depois da cadeirada para “fazer uma cena”e que “dava para ir correndo para o hospital”.
Já durante o debate organizado pelo grupo Flow em 23 de setembro, em suas considerações finais, a poucos segundos do encerramento do programa, Pablo Marçal fez acusações contra o prefeito Ricardo Nunes e voltou a afirmar que o candidato à reeleição seria preso.
Apesar das advertências pelo apresentador Carlos Tramontina, o empresário insistiu nas falas, o que culminou em sua expulsão. Em seguida, Nahuel Gomez Medina, assessor do ex-coach, deu um soco em Duda Lima, marqueteiro de Nunes, que precisou levar seis pontos no rosto.
Marçal usou as acusações sem provas aos adversários, feitas nos debates na TV e pelas redes sociais, para alimentar impulsionamento ilícito nas mídias sociais e atrair mais eleitores, segundo denúncia investigada pela Justiça Eleitoral. É apurado o uso de recursos não declarados para pagar a usuários para viralizar trechos de seus vídeos, os “cortes”.
O influenciador criava campeonatos em que os participantes recortavam trechos de seus vídeos e os publicavam, buscando a viralização. Quem atingisse o maior número de visualizações no TikTok, YouTube ou Instagram ganhava prêmios em dinheiro. Ele colocava 5 mil pessoas para trabalhar para sua campanha, mas premiava apenas os 10 que tivessem melhor desempenho.
Quais são os números dos candidatos nas Eleições 2024?
Quer conhecer todos os políticos que concorreram ao pleito? Confira a lista de candidatos a prefeito e vereador de todas as cidades do Brasil nestas Eleições 2024. Em nossa página especial, vamos mostrar os números dos candidatos e suas propostas de campanha, além de dados especiais.
Como acompanhar a apuração dos resultados das Eleições 2024?
O Tempo terá uma plataforma especial de apuração dos resultados das Eleições 2024. Assim que a contagem dos votos tiver início, às 17h do domingo, 6 de outubro, iremos lhe avisar sobre como está a apuração em sua cidade. Saiba como habilitar as notificações clicando aqui.