BRASÍLIA - O Primeiro Comando da Capital (PCC) é um dos temas centrais da campanha eleitoral em São Paulo. Quase todos os candidatos a prefeito da maior cidade do país citam o grupo criminoso em debates ou em suas peças publicitárias. Seja para atacar adversário, seja para defender política de segurança pública.

Ainda há a preocupação da Justiça com candidatos financiados pela maior facção criminosa do país. Operações policiais recentes identificaram alguns suspeitos, além de prender vereadores em mandato. E um dos que têm o PCC supostamente ligados à sua campanha é o influenciador Pablo Marçal do PRTB.

Ex-presidente do partido em São Paulo, Tarcísio Escobar de Almeida foi indiciado pela Polícia Civil por tráfico de drogas e associação ao crime organizado. Escobar trocava carros de luxo por cocaína para o PCC, financiando o tráfico de drogas e dividindo os lucros com a facção, segundo a investigação.

Além disso, Avalanche afirmou, em um áudio revelado pela Folha de S.Paulo, que mantém vínculo com a facção paulista. A revelação atingiu em cheio Marçal, que vem usando discursos agressivos contra os adversários, com muitos ataques pessoais, sem prova alguma, mas que viralizam nas redes sociais com recortes de declarações dele durante os debates na TV.

Um dos alvos preferidos de Marçal é Guilherme Boulos (PSol), a quem o influenciador acusa de ser usuário de cocaína. Mas as reportagens sobre o suposto elo do dirigente do PRTB com o PCC, que controla o narcotráfico em São Paulo e em outros Estados, parece ter virado o jogo.

A candidata Tabata Amaral (PSB) passou a atacar Pablo Marçal justamente usando o suposto envolvimento dele com criminosos. Em peças publicitárias nas redes sociais, ela citou o influenciador Renato Cariani, investigado por tráfico de drogas e aliado de Marçal, além de mencionar o áudio em que Leonardo Avalanche, presidente do PRTB, diz ter sido responsável pela soltura de André do Rap, um dos líderes do PCC.

Desde então, a candidata do PSB vincula Marçal ao PCC em vídeos da sua campanha. Ela também questionou a origem do patrimônio de Marçal, citou a prisão do influenciador em 2005 por participação em grupo envolvido em operações de fraude bancária e sugeriu que o PCC esteja envolvido no financiamento da campanha.

“Quem está por trás do Pablo Marçal? Quem é que banca essa candidatura? Uma pesquisa por seus aliados esbarra sempre nas mesmas letras: P de Pablo, C de Coach, C de Criminoso”, diz a candidata em um dos vídeos da sua campanha para a prefeitura de São Paulo.

Candidato à reeleição, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) também adotou postura mais combativa em relação a Marçal, explorando a suposta relação de dirigentes do partido do influenciador com o PCC.

“Não existe ataque [contra o Marçal]. O que existe é você colocar as situações. Quando alguém mostra que o partido dele está envolvido até o pescoço – melhor, até o nariz – com o PCC, não é ataque, é a imprensa que está relatando”, afirmou Nunes durante entrevista coletiva.

“Uma pessoa que foi presa por sequestro está lá junto, né? Pessoa que troca carro por drogas. A imprensa está fazendo um belo trabalho de demonstrar as relações que têm o partido dele com o PCC”, completou o prefeito.

Pablo Marçal responde

Na última segunda-feira (26), Marçal disse, em entrevista à Globonews, que se sente constrangido com as recentes denúncias de que integrantes de seu partido estariam ligados ao PCC. Ele também declarou que vai pedir formalmente o afastamento de Leonardo Avalanche da presidência nacional do PRTB.

“Eu vou fazer isso. Vou deixar formalizado da minha parte [o pedido de afastamento do Avalanche]”, afirmou em resposta a questionamento de uma jornalista da emissora. Ele também disse que já havia pedido informalmente o afastamento de Avalanche, mas o presidente da sigla recusou, alegando que vai “provar sua inocência”.

Operação para desmantelar plano de eleger vereadores

Em 6 de agosto, a Polícia Civil de São Paulo desencadeou a Operação Decurio, para conter um plano de infiltração de integrantes do PCC nas eleições municipais. Foram expedidas 22 prisões temporárias e 55 mandados de busca e apreensão. Ao todo, 13 pessoas foram presas, entre elas o advogado Ahmed Hassan Saleh, o Mude.

Entre os alvos da operação havia também dois candidatos a vereador: um em Mogi das Cruzes e um segundo em Santo André. Eles foram proibidos pela Justiça de se ausentar das comarcas e devem se recolher em casa no período noturno, além de exercer cargo, emprego ou função pública ou mandato eletivo.

Com base na decisão judicial que autorizou a Operação Decurio, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que os policiais identificaram outras três pessoas acusadas de pertencer ao núcleo político do PCC. Uma delas é Kelly Cristine Pereira de Oliveira, apontada como companheira de Márcio Barbosa da Silva, o Beiço de Mula, liderança do PCC na região do ABCD paulista. De acordo com as investigações, ele tinha R$ 1.014.648 em suas contas.

“Kelly é funcionária comissionada da Prefeitura de São Bernardo do Campo, exercendo cargo de diretora na Secretaria de Obras, indicando uma possível ou provável influência nefasta do PCC em prefeituras e Câmaras de Vereadores do ABC”, escreveu o juiz juiz Paulo Fernando Deroma de Mello, da 2ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital.

Os investigadores identificaram ainda Marie Sassaki Obam, como uma possível candidata a vereadora em Mogi das Cruzes “que seria apoiada pela facção”. Marie consta na ata da convenção do União Brasil da cidade como candidata a vereadora. “Ao longo da investigação ficou confirmado que têm um relacionamento estável com João Gabriel e reside com o mesmo e com seus filhos em um condomínio de luxo em Mogi das Cruzes”, escreveram os investigadores no pedido de mandados ao Poder Judiciário.

O Estado de S. Paulo revelou que a candidata é mãe da empresária Matie Obam, que, no mesmo despacho para a Operação Decurio, foi proibida pelo magistrado de exercer atividades empresariais, além de deixar a comarca sem autorização judicial. Ela deve se recolher à noite em casa. Ele é dono do 4Bank, uma das empresas atingidas pela operação.

O banco pertence ao 4TGROUP. Policiais civis cumpriram mandado de busca e apreensão na sede do grupo, no Condomínio WTorre JK, na Vila Nova Conceição, na zona sul da cidade de São Paulo.

“A 4TBank é uma fintech que sempre operou em conformidade com as leis e regulamentos vigentes no Brasil, possuindo um lastro financeiro totalmente comprovado. Todas as nossas operações passam por rigorosos processos de compliance e auditoria, assegurando que todas as nossas atividades financeiras sejam conduzidas de forma ética, legal e transparente”, diz trecho da nota do escritório de advocacia que defende o 4TBank, João Gabriel, Matie Obam e Kenzo Obam.

Outro investigado, segundo o Estado de S. Paulo, é Thiago Rocha de Paula. Ele é citado em diálogos como possível candidato a vereador apoiado pelo PCC e é suspeito de ter relações estreitas com Marcio Barbosa Silva, o Beiço de Mula. De acordo com a decisão do juiz, Thiago é acusado de receber “valores da empresa 4TPAG, usada por João Gabriel de Melo Yamawaki para movimentar valores ilícitos.”

Ele consta na ata do PSD como candidato a vereador em Santo André, no ABC. Em 2020, chegou à terceira suplência do partido e assumiu como vereador por 20 dias. Segundo investigadores, o núcleo político da organização criminosa é comandado por João Gabriel de Mello Yamawaki. Ele, que teve a prisão decretada, seria um dos interlocutores de Fabiana Lopes Manzini, companheira de Anderson Manzini, integrante do PCC que cumpre pena em Avaré (SP).

Manzini é primo de Yamawaki e integrante do grupo liderado pelo sequestrador Wanderson Nilton de Paula Lima, o Andinho. Fabiana seria responsável pela transmissão de ordens dos integrantes da organização presos para os que estão em liberdade.

O PSD não se manifestou. O União Brasil informou ter aberto processo para avaliar as denúncias, com possibilidade de expulsão de Marie Obam.

A operação bloqueou R$ 8,1 bilhão em bens –  maior medida de sequestro até hoje decretada pela Justiça contra suspeitos de pertencer ao grupo – e cumpriu 20 mandados de prisão temporária e 60 mandados de busca e apreensão, expedidos pela 2ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Direitos da Capital.

As diligências foram executadas em São Paulo (capital), Mogi das Cruzes, Ferraz de Vasconcelos, Itaquaquecetuba, Guarulhos, Mauá, Santo André, São Caetano do Sul, Santos, Praia Grande, Mongaguá, Ubatuba, São José dos Campos, Campinas e Sorocaba.

Filho de vereador preso em operação contra o PCC é candidato

Ewerton de Lissa Souza (Podemos), que é filho de Flávio Batista de Souza, ex-vereador de Ferraz de Vasconcelos (SP), tenta uma vaga na Câmara de Vereadores do mesmo município. Flávio, que estava em seu terceiro mandato como vereador, o segundo consecutivo, ficou preso de abril a julho acusado de envolvimento num esquema criminoso ligado ao PCC. O ex-vereador foi alvo da Operação Munditia, também deflagrada pela Polícia Civil de São Paulo.

A investigação que culminou na Operação Munditia apontou um esquema que teria movimentado R$ 200 milhões em contratos públicos em cidades do interior de São Paulo. Além de Flávio, que é conhecido como Inha, foram presos outros dois vereadores: Ricardo de Oliveira [o Ricardo Queixão, do PSD de Cubatão] e Luiz Carlos Alves Dias [o Luizão Arquiteto, do MDB de Santa Isabel].

Flávio Inha renunciou ao mandato após conseguir habeas corpus da 5ª Vara Criminal de Guarulhos (SP). Para o Ministério Público de São Paulo, ele integrava um dos “polos de corrupção” no poder público que se relacionava com o PCC. Já Ewerton disputará sua primeira eleição neste ano, com o nome de urna “Ewerton Inha”, de olho no espólio eleitoral do pai em Ferraz de Vasconcelos.