Mais da metade da população brasileira (51,5%) é composta de mulheres, de acordo com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE), mas nas urnas a realidade é outra. Levantamento feito por O TEMPO junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) constatou que elas representaram 20% das candidaturas à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) nos últimos 24 anos. Isso quer dizer que, de cada cinco inscrições na Justiça Eleitoral, quatro foram masculinas. Das eleições de 2000 às de agora, foram 69 candidatos inscritos, sendo 14 mulheres. Nenhuma venceu nem foi para o segundo turno.

A pesquisadora, doutora em ciência política e professora do Institute of the Americas at University College London (UCL) Malu Gatto afirma que as discriminações sofridas pelas mulheres na política são acentuadas por dinâmicas machistas relacionadas à disputa de poder. “Dado que os homens já são a maioria, eles querem se manter no poder. A forma como isso é apresentado às mulheres, muitas vezes, é machista”. 

No início das articulações para as eleições deste ano, havia seis pré-candidatas à PBH – metade “cedeu” a homens a possibilidade de ser cabeça de chapa. À esquerda, as deputadas estaduais Bella Gonçalves (PSOL), como vice, e Ana Paula Siqueira (Rede) fecharam com o deputado federal Rogério Correia (PT). À direita, Luísa Barreto (Novo) se tornou vice do deputado estadual Mauro Tramonte (Republicanos). Continuam no páreo Duda Salabert (PDT), Indira Xavier (UP) e Lourdes Francisco (PCO). 

Mesmo no posto de vice, tanto Bella quanto Luísa prometem mudar o rumo dessa história da representatividade feminina na gestão municipal. Na visão de Luísa Barreto, apesar de uma estrutura histórica de limitação da presença das mulheres no Executivo, a mudança não é uma responsabilidade única dos partidos. “A sociedade também precisa abraçar as candidaturas femininas para que a gente tenha mais mulheres ocupando este espaço”, diz.

Sobre o fato de, em vez de lançar sua candidatura como prefeita, ela aceitar ser vice, Luísa destaca que não foi nenhuma imposição do partido. “Foi uma construção junto comigo, a partir de algo em que eu vi sentido. Mauro Tramonte é uma pessoa aberta, que me dará espaço na prefeitura”. 

Já Bella Gonçalves explica que decidiu avançar para uma aliança com Rogério Correia por entenderem que teriam mais chance de vencer as eleições juntando forças. “BH vai ter prefeita em breve. Eu e o Rogério estamos construindo uma nova proposta, de um protagonismo do cargo de vice-prefeita e elevação dele ao status de prefeita”. 

Deputada estadual, Bella ressalta já ter sofrido muito com o machismo e a lgbtfobia. “Mais recentemente, vivi ameaça de morte, de tortura e de estupro, que são também de cunho machista. Elas alteraram a minha vida, dificultaram a minha permanência na política. Ainda bem que somos mulheres fortes, que temos resistido”. 

Hora ‘H’

“As mulheres não conseguem ter visibilidade, poder, reconhecimento e apoio das estruturas partidárias para se candidatarem”, afirma a coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marlise Matos. Não é de hoje que o machismo fala mais alto na hora de os partidos definirem apoio a uma candidatura. 

Foi o que enfrentou Maria Elvira Sales em 2000, quando se candidatou à Prefeitura de BH pelo PMDB. Com dois mandatos como deputada estadual (1987/1991 e 1992/1995) e um como federal (1995/1999), tinha um nome forte para bancá-la. “Traída” pelos apoiadores, lançou sua candidatura e foi a mulher mais votada em BH até hoje, com mais de 200 mil votos. “Essa situação (de traição) ajudou no meu afastamento da política”, desabafa.

“O que a gente tem é um processo contínuo e intencional de exclusão política das mulheres do espaço de poderes de decisão”, afirma Marlise Matos. “Ter mais mulheres (com poder de decisão) significaria visões de mundo diferentes e formas de entender as políticas públicas a partir de perspectivas que não sejam as masculinas e as brancas”. 

'Não tínhamos banheiro feminino’

A discriminação também é fato no Legislativo. Maria Elvira lembra do ambiente hostil que encontrou na Assembleia Legislativa quando ela e Sandra Starling (PT) foram as únicas mulheres eleitas deputadas estaduais. “Não tínhamos nem banheiro feminino em 1986”, conta Maria Elvira. 

Trinta anos depois, a história continuava a mesma. Áurea Carolina revela que, mais do que o machismo que sentiu na pele quando foi eleita vereadora pelo PSOL, em 2016, e deputada federal, em 2018, ela enfrentou um ambiente parlamentar excludente em relação às responsabilidades atribuídas às mulheres.


“Ouvi comentários sobre roupa, piadinhas e até que as sessões que iam até tarde seriam incompatíveis com mulheres que são mães, como eu. Todas as mães têm que se virar nessa situação de sobrecarga”, pondera Áurea Carolina. 
O mandato dela na Câmara dos Deputados, em Brasília, terminou em 2022. Foi quando anunciou que não pretendia mais seguir na política. 

Veja aqui o quadro de candidaturas à PBH desde 2000