BRASÍLIA - Um “príncipe”. “Nepo baby da política pernambucana”. Com esses e outros termos pejorativos, adversários definem João Campos (PSB), prefeito do Recife, que tem 30 anos. É fato que ele é herdeiro de um dos mais longevos clãs nordestinos. Nascido em uma das mais tradicionais famílias de Pernambuco, cresceu em endereços nobres, frequentou algumas das melhores escolas do Estado e sempre contou com grandes forças para alavancar sua breve e até agora bem sucedida carreira.
Seu desempenho como o mais jovem gestor de uma capital do país é aprovado por mais de 80% da população. Tem o mesmo percentual em diferentes pesquisas de intenção de voto, o que indica uma possibilidade de reeleição tranquila em 2024. Em sua gestão, João Campos criou programas e projetos voltados ao desenvolvimento urbano e à inclusão social.
Um deles é o Projeto Orla Parque, para requalificar a orla de Recife, com investimentos na segurança, iluminação, infraestrutura e ampliação das áreas verdes ao longo dos 11 km da orla. Ele conseguiu um empréstimo de cerca de R$ 2 bilhões para obras de infraestrutura em toda a cidade.
Na área da educação, aumentou em 70% o número de vagas em creches, com parcerias público-privadas para a construção e revitalização dessas unidades. Na saúde, reformou 127 prédios. Ainda fez mutirões para reduzir filas de espera e implementou um sistema digital de vacinação contra a Covid-19, que virou referência.
“Trata-se de um prefeito que conseguiu imprimir com sucesso a sua estratégia desde que assumiu a prefeitura, usando muito bem as redes sociais para passar a imagem de que não para de trabalhar, que é um gestor atento aos problemas da capital, está sempre visitando canteiros de obras e adotando o mote de que o trabalho não para", observa o cientista político Antônio Torres.
"É a chamada agenda positiva. Em 2024, por exemplo, o Orçamento da pasta de infraestrutura chegou a R$ 1,68 bilhão, R$ 120 milhões a mais que o da Educação. Vários cantos da cidade tem algum serviço em andamento, passando ao eleitor a percepção de que a prefeitura está em todos os pontos da cidade”, completou o estudioso.
Pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Torres lembra que uma das principais linhas de ataque a João Campos durante a eleição de 2020 era a sua idade – tinha 27 anos à época. Adversários diziam que ele não tinha experiência.
“O prefeito pegou o limão e fez uma limonada, se aproximando ainda mais do eleitorado jovem e adotando também essa ‘roupagem’ na sua gestão, buscando sempre um dinamismo nas ações. A atuação no combate à Covid-19 e as campanhas de vacinação também foram bem planejadas, recebendo boa aprovação por parte do eleitorado na época”, observa o cientista político.
Torres destaca que as ações realizadas não significam que os problemas da cidade foram completamente resolvidos. Ele cita que a saúde continua sendo uma das principais preocupações do eleitorado, assim como o saneamento, a habitação e os problemas no centro da cidade, que ainda persistem. E, nos períodos de enchentes, a questão também sempre volta à tona.
"Só que ninguém vai conseguir dizer que o prefeito não faz nada, então de certa forma a estratégia bem-sucedida nas redes acaba servindo de antídoto para essas acusações. Os custos com esse tipo de publicidade e os valores do Orçamento do Executivo destinado para propaganda é, inclusive, um dos principais alvos de ataques da oposição desde o começo da sua gestão”, emenda Torres.
Críticas aos gastos de publicidade
Um dos que criticam os gastos da administração João Campos com publicidade é Ivan Moraes (PSol). Um dos 39 vereadores do Recife, ele é minoria em uma Câmara Municipal onde ao menos 30 integrantes costumam votar como o prefeito deseja. Além de Moraes, os opositores são uma vereadora também do PSol e outros de partidos de direita, como o PL.
“O que tenho a dizer sobre o João Campos é que ele é um jovem conservador, filho de oligarquia que dá continuidade ao seu projeto político seguindo cartilha tradicional para manter seu grupo no poder”, diz Moraes. A cartilha, segundo ele, inclui uma bem planejada distribuição de cargos e recursos públicos a aliados, que vai de nomes do PCdoB ao União Brasil.
“A boa aprovação desde o começo gerou muito mais dificuldade para oposição que, pulverizada, não conseguiu se unificar para fazer frente ao prefeito”, comenta o especialista. Pela reeleição, João Campos tem uma ampla coligação que inclui PT, PCdoB, PV, MDB, PMB, União Brasil, Republicanos, Solidariedade, Avante, DC e Agir.
Além do dinheiro para publicidade oficial nos veículos de comunicação, João Campos explora a imagem de jovem nas redes sociais, onde tem milhões de seguidores – são mais de 2,4 milhões só no Instagram. No Carnaval, viralizou ao platinar o cabelo em desafio proposto por internautas. Há também diversos vídeos dele cantando, dançando, correndo, pulando e até namorando, além dos que mostram uma extensa rotina de trabalho nos mais diferentes pontos do Recife e propagam a trajetória política da sua família.
Família domina política estadual há décadas
Nascido em 26 de novembro de 1993 e batizado como João Henrique Campos, o atual prefeito do Recife é o segundo de cinco filhos de Eduardo e Renata Campos, auditora concursada do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) desde 1991. Em 2011, quando cursava o segundo ano do ensino médio, João foi aprovado em engenharia na UFPE.
Ele se especializou na área civil, mas nunca trabalhou na iniciativa privada. Seu primeiro emprego foi o de chefe de gabinete do Governo de Pernambuco, no mandato de Paulo Câmara (PSB). Cargo que assumiu aos 23 anos, no ano em que se formou na UFPE.
Além do pai, que governou Pernambuco de 2007 a 2014 e foi ministro da Ciência e Tecnologia de 2004 a 2005 nos dois primeiros mandatos de Lula na Presidência, João Campos é penta-neto de Domingos de Sousa Leão, o segundo barão de Vila Bela, e neto de Ana Arraes – ministra do Tribunal de Contas da União (TCU) e ex-deputada federal (2007 a 2011).
Ele é bisneto de Miguel Arraes, que foi deputado estadual, prefeito do Recife, deputado federal três vezes e governador de Pernambuco por três mandatos. João Campos tem ainda um irmão que é deputado federal por Pernambuco, Pedro, também filiado ao PSB e engenharia civil formado pela UFPE.
João Campos se candidatou pela primeira vez em 2018, quando foi eleito deputado federal pelo PSB, com 460.637 votos, sendo o candidato mais votado da história de Pernambuco. Antes dele, o título foi de Ana Arraes (em 2010, com 387 mil votos) e de Miguel Arraes (em 1990, com 340 mil).
Na campanha em que se elegeu deputado, praticamente não se ouvia a voz dele nas propagandas na rádio e na televisão. As peças geralmente eram narradas por locutores profissionais e destacavam o histórico político da família. Na Câmara, João Campos não fez discursos eloquentes.
Por outro lado, atuou em diversas comissões e frentes parlamentares. Ele foi coordenador da Comissão Externa de Acompanhamento dos Trabalhos do Ministério da Educação (MEC) e presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica, iniciativa que visa promover a segurança financeira básica para os brasileiros.
Também atuou como vice-líder do PSB na Câmara. Foi ainda no mandato que ele começou a namorar a também deputada federal Tabata Amaral, sua colega de partido, eleita por São Paulo, que agora concorre à prefeitura da capital do Estado. A relação já dura cinco anos.
Aliados já falam em governo do Estado e até Presidência da República
Pela reeleição, João Campos descartou um nome do PT como vice, frustrando o partido. Ele escolheu seu amigo Victor Marques, do PCdoB. Os dois se conheceram no primeiro ano de faculdade de engenharia, na UFPE. Nenhum deles militou ativamente dentro do campus.
João Campos participou de alguns debates e eventos relacionados ao seu curso e à política estadual, mas, durante a vida universitária, se envolveu mais com questões partidárias. Terminada a faculdade, os dois amigos trabalharam juntos no governo de Paulo Câmara, ocupando cargos de confiança.
Em 2021, com João Campos ocupando uma cadeira na Câmara dos Deputados, Victor Marques assumiu a chefia de gabinete dele. A relação entre os dois se manteve e, já na Prefeitura de Recife, Marques continuou na chefia do gabinete de Campos. A escolha dele como vice teve a bênção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para agradar aliados no campo nacional.
João Campos é o único candidato de esquerda franco favorito nas capitais no pleito de 2024. Com sua reeleição dada como garantida, o prefeito é tido como candidato certo para a corrida ao governo de Pernambuco em 2026. Os aliados mais empolgados já cogitam uma candidatura à Presidência da República. Se não daqui a dois anos, em 2030, seguindo os passos do pai dele, presidenciável morto em 13 agosto de 2014, na queda de um avião em Santos (SP), durante a campanha ao Palácio do Planalto.
“A forma de imprimir ritmo acelerado na gestão tem semelhanças, com as devidas proporções, com a gestão do seu pai, Eduardo Campos, que adotou essa estratégia em seu período no governo de Pernambuco e deixou o cargo com a maior aprovação entre os governadores na época. Não por acaso buscou voos maiores, com a disputa para Presidência da República”, comenta o cientista político Antônio Torres.
Campanha anterior dividiu família
Se a eleição para deputado federal foi histórica pelo volume de votos e a sua reeleição é dada como certa, João Campos não teve sossego na primeira campanha à Prefeitura do Recife, tida como quase fratricida. Ele venceu as eleições de 2020 no segundo turno, derrotando a prima Marília Arraes, então no PT.
A disputa foi marcada por duros embates entre os familiares e correligionários. João e Marília são primos de segundo grau. Ela é filha de Marcos Arraes de Alencar, que é irmão de Ana Arraes de Alencar, ambos filhos de Miguel Arraes. Ana, por sua vez, é a mãe de Eduardo Campos, o pai de João.
No primeiro turno, João Campos liderou todas as pesquisas de intenção de voto. Marília chegou a ficar em terceiro lugar, atrás de Mendonça Filho. Quando a apuração dos votos terminou, João teve 233.028 votos (29,17% dos válidos) e terminou em primeiro lugar. Marília recebeu 223.248 (27,95%) e ficou em segundo.
No segundo turno, ela chegou a liderar as primeiras pesquisas dos institutos Ibope e Datafolha. Na semana da votação, ambos tinham 50% de intenção de voto nas duas pesquisas. A disputa acabou com João eleito com 447.913 votos (56,27%), contra 348.126 votos para Marília (43,73%).
Com 27 anos, João Campos tornou-se o mais jovem a assumir o cargo na história do Recife e entre as capitais brasileiras. O PSB conquistou pela sétima vez o cargo de prefeito da capital pernambucana. Durante a campanha vitoriosa, ele disparou duras críticas ao PT, mirando os votos do antipetismo, no embalo dos escândalos de corrupção apontados pela operação Lava Jato.
A prima Marília Arraes, que era do Solidariedade e havia se filiado ao PT para disputar o pleito municipal, deixou o partido após a derrota. Os primos se reconciliaram em abril deste ano.
Neste ano, foco de João Campos é na continuidade de projetos
A campanha de reeleição de João Campos foca na continuidade de projetos de inclusão social, como os Centros Comunitários da Paz (Compaz), que têm sido eficazes na redução da violência e na promoção da cidadania. Em sua propaganda, ele tem enfatizado a importância de manter e expandir essas iniciativas.
O projeto de reeleição, que é visto como estratégico em sua carreira política, com a possibilidade de abrir caminho para candidatura ao governo de Pernambuco em 2026, garantiria o domínio do PSB em todo o Estado, partido que é dominado pela família dele.
O cientista político Antônio Torres avalia que a governadora do Estado, Raquel Lyra (PSDB), enfrenta uma avaliação mais negativa do que o prefeito da capital pernambucana, o que limita a capacidade de crescimento da candidatura de Daniel Coelho (PSD), apoiado por Raquel e disputando pela terceira vez a prefeitura do Recife.
"Em uma conjuntura de pleito tradicional, as eleições municipais são, a princípio, uma avaliação do gestor, e é isso que Campos tem buscado apresentar com sucesso”, ressalta o cientista político Antônio Torres.
Princípe e 'Nepo baby'
Sobre o fato de João Campos ser chamado de “príncipe” por adversários e até aliados, os mesmos dizem que a rainha é a mãe dele, e o rei, o pai falecido - Eduardo Campos. Por sua vez, o reino seria o universo da política de Pernambuco.
Já o termo “nepo baby”, que ganhou a internet desde 2022, é uma abreviação de “nepotism baby”, ou seja, “bebê do nepotismo” em uma tradução literal. Nepotismo é normalmente atribuído à ação de agentes públicos que favorecem o parentesco ao empregar alguém.