O crescimento do número de beneficiários do Auxílio Brasil nos últimos meses pode ter contribuído para que o presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), aumentasse sua votação em cidades mais pobres e que são mais dependentes do programa, mesmo essas localidades sendo redutos petistas tradicionais. Em Minas Gerais, nos 50 municípios com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o atual presidente obteve mais votos em 37 deles na comparação com 2018, mesmo tendo perdido para Lula (PT) no geral.
Em 34 dessas cidades, as famílias atendidas pelo programa representam mais de 15% da população do município. Em 16 delas, esse índice ultrapassa os 20%. Na cidade de Cristália, no Norte de Minas, as famílias inscritas equivalem 32,1% do total de moradores.
Segundo o Ministério da Cidadania, somente em agosto, 138 mil novas famílias mineiras ingressaram no programa em todo o Estado. Em setembro e outubro, mais de 37 mil novos beneficiários foram incluídos. Com isso, Minas tem atualmente 1,63 milhão de famílias inscritas no Auxílio Brasil – o quinto Estado com mais contemplados no país. Só para Minas, o governo federal destinou mais de R$ 990 milhões para pagar o benefício.
A maioria das cidades com menor IDH fica nas regiões Norte, Vale do Jequitinhonha e Vale do Mucuri, onde a vantagem petista é histórica – inclusive, Lula aumentou a votação do PT em 47 dessas localidades em comparação com a última eleição geral.
Das 50 cidades que estão no fim do ranking de desenvolvimento humano em Minas, Bolsonaro havia perdido em todas em 2018. Neste ano, conseguiu virar em duas delas: em Sericita e Pedra Bonita, ambas na Zona da Mata. Na primeira, obteve 49,63% dos votos neste ano, contra 26,58% de quatro anos atrás. Já na segunda, a votação cresceu de 36,15% para 47,74%. Em Pedra Bonita, o número de famílias no Auxílio Brasil representa 21%da população.
Nos outros 48 municípios, apesar de ter ficado atrás de Lula, o presidente melhorou sua performance em 35. Em média, Bolsonaro elevou sua votação em 16,5% nas 50 localidades com menor IDH de Minas.
Em Santo Antônio do Retiro, no Norte do Estado, por exemplo, o candidato à reeleição passou de 14,19% dos votos em 2018 para 25,25% este ano. Nessa cidade, 27% das famílias são beneficiadas pelo Auxílio Brasil. Em Orizânia, na Zona da Mata, onde o benefício contempla mais de 16,4% das famílias, a votação do presidente cresceu de 29,84% para 39,29% em quatro anos.
“O fato de Lula ter ganhado nos municípios de menor IDH não quer dizer que o Auxílio Brasil não rendeu benefícios eleitorais para Bolsonaro. A eleição não é quem ganha mais municípios, é quem ganha mais votos somados. E o Auxílio Brasil aumentou os votos de Bolsonaro nas regiões onde Lula dominava. Isso é constatado no Norte, no Jequitinhonha e no Mucuri, em Minas. Situação também que aconteceu nas regiões Nordeste e Norte do país. São áreas que continuam votando em Lula, pelas políticas públicas que foram implantadas lá pelos governos petistas. E destinar mais dinheiro para essas localidades é uma política de contenção de danos do governo para reduzir a vantagem petista”, analisou Bruno Carazza, mestre em economia e professor da Fundação Dom Cabral.
No país inteiro, em oito de dez cidades em que pelo menos 50% da população recebeu o Auxílio Brasil em setembro, Bolsonaro aumentou seu eleitorado na comparação com 2018. No Nordeste brasileiro, por exemplo, em 85% dos municípios inseridos nessa realidade, o presidente teve mais votação do que há quatro anos, mesmo tendo perdido para Lula (PT).
Governo antecipou benefícios antes do 2º turno
Após a oficialização da realização do segundo turno, o governo federal anunciou a antecipação do pagamento de parcelas do Auxílio Brasil e de outros benefícios, como o vale-gás e vouchers para caminhoneiros e taxistas com o objetivo de angariar mais votos. O incremento é de R$ 6,4 bilhões, que não estavam incluídos no Orçamento.
Além do próprio Auxílio Brasil, Carazza citou as emendas de relator (o chamado “orçamento secreto”) como um dos fatores que contribuíram para que o presidente obtivesse resultado melhor do que em 2018 nessas localidades onde o PT é forte. Com essas emendas, os deputados, principalmente os aliados do governo federal, indicam onde o governo deve gastar recursos, mas o nome do autor da emenda e a destinação não estão na prestação de contas de maneira transparente.
“Bolsonaro e os líderes do centrão perceberam que era necessário reduzir a vantagem petista, principalmente nas regiões onde Lula domina. E foi o que fizeram, com o Auxílio Brasil, o orçamento secreto e a fidelidade de lideranças religiosas. Melhorou sua performance em relação a 2018? Sim. Será suficiente para uma virada de votos? Aí a gente não sabe. Mas é a estratégia”, completou Carazza, que é autor do livro “Dinheiro, Eleições e Poder: As Engrenagens do Sistema Político Brasileiro”.
O economista Eduardo Menicucci, que também é professor da Fundação Dom Cabral, acredita que é necessário aprofundar para achar uma correlação entre o impacto do Auxílio Brasil e a votação. Mas ele ressalta que o programa, em cidades mais pobres, tem um impacto maior na economia local, o que pode indicar o crescimento da votação do presidente.
“O Auxílio Brasil, que é o antigo Bolsa Família, traz uma série de benefícios econômicos e sociais. Em cidades onde o índice de acesso à informação é menor, o IDH é mais baixo e a população é mais dependente do auxílio, pode ser que as pessoas associem o programa a quem está no governo. Isso porque o impacto dele na economia dessas localidades é muito grande”, afirmou.
PT avança em cidades menos dependentes
Se Bolsonaro aumentou a votação em municípios mais pobres e dependentes do Auxílio Brasil, nas cidades maiores a situação foi diferente. Nas 20 localidades mineiras com o maior número absoluto de beneficiários (mais de 479 mil famílias), o presidente perdeu votos – em média, mais de 10%. São os municípios mais populosos do Estado e menos dependentes do programa social, como Belo Horizonte, Uberlândia, Contagem, Juiz de Fora e Betim, por exemplo.
Dessas 20 cidades, Bolsonaro perdeu em 13. Há quatro anos, havia perdido em apenas três (Januária, Janaúba e São Francisco, no Norte).
Mesmo nas sete cidades em que Bolsonaro ficou à frente de Lula, a votação obtida pelo presidente foi menor do que a que ele conquistou em 2018. Naquele ano, ele teve uma média de 49,14% dos votos nesses 20 locais; em 2022, esse índice caiu para 43,81%.
“De certa forma, os grandes centros penalizaram Bolsonaro”, ressaltou Bruno Carazza, da Fundação Dom Cabral. “Enquanto Bolsonaro investiu em regiões em que o PT domina, Lula teve uma estratégia de avançar principalmente em cidades grandes do Centro-Sul brasileiro, onde Bolsonaro venceu em 2018. O Lula cresceu nessas localidades devido à má avaliação na gestão da pandemia, aos números da economia, por exemplo, reduzindo a vantagem (bolsonarista). De toda maneira, o que a gente viu é que tanto Bolsonaro quanto Lula cresceram em redutos adversários no primeiro turno”, completou.
As cidades com mais beneficiários do Auxílio Brasil, mas menos dependentes do benefício, onde Bolsonaro teve mais perdas de votos foram Sabará, onde caiu de 51,38% para 42,25%, e Belo Horizonte, onde a votação foi reduzida de 55,17% para 46,60%.
Já Lula aumentou em mais de 20% os votos recebidos pelo PT em metade desses municípios. A maior “virada” foi em Juiz de Fora, na Zona da Mata, onde o crescimento foi de 29,3% em comparação com 2018 e Lula foi o mais votado.
O candidato do PT também expandiu os votos em BH (27,99% a mais do que em 2018), Contagem (mais 25,63%), Santa Luzia (24,96%), Uberlândia (24,37%) e Uberaba (24,19%).
“Nos grandes centros, mesmo para quem recebe o Auxílio Brasil, a dependência é menor porque há mais possibilidades de outras fontes de renda, ao contrário de cidades menores. Além disso, o acesso à informação e às notícias é maior em grandes municípios, e o poder de persuasão de deputados, por exemplo, é menor”, ressaltou o professor Eduardo Menicucci.