Representantes da associação de peritos da Polícia Federal dizem que a investigação do atentado do ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) contra agentes da instituição, no domingo (24), foi prejudicada com a falta de isolamento do local do crime e intervenção do ministro da Justiça, Anderson Torres, e até do Padre Kelmon, que manuseou as armas do autor dos disparos.
O interior da residência de onde o aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL) atirou e jogou granadas contra os policiais também teve alterações antes da entrada de um negociador, que convenceu o político a se entregar, após uma conversa bastante amistosa, com direito a risadas e registrada em vídeo. “O que o senhor precisar a gente faz”, disse o agente ao ex-deputado que havia acabado de atirar e jogar granadas contra policiais federia.s
Três agentes haviam ido à casa de Jefferson, em Comendador Levy Gasparian, no Rio de Janeiro cumprir uma ordem de prisão expedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). No sábado, o político fez um vídeo atacando, ameaçando e dizendo palavrões contra a ministra Cármen, também do STF. Entre outras coisas, chegou a compará-la a “prostitutas”, “arrombadas” e “vagabundas”.
Em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica – ele é réu por incitação ao crime e ataque a instituições –, Jefferson não poderia acessar redes sociais, tampouco fazer mais ameaças, ter armas, menos ainda granadas, que são restritas às forças de segurança, conforme decreto de Bolsonaro.
Sua prisão foi decretada justamente por quebrar normas da decisão judicial que permitiu a ele aguardar julgamento em casa em vez da cadeia. Além de manter uma arsenal em casa, que exibia em vídeos que não poderia fazer, o ex-deputado recebeu visita e repassou orientações a dirigentes do PTB, concedeu entrevista à rádio Jovem Pan e divulgou notícias fraudulentas contra ministros do Supremo.
Além de transformar a prisão domiciliar com tornozeleira em preventiva, Moraes também mandou realizar busca e apreensão na residência de Jefferson. Mas ele recebeu os policiais federais com tiros de fuzil e granadas, deixando dois feridos. Ao mesmo tempo, ele e a filha, Cristiane Brasil, que também foi deputada federal, faziam publicações nas redes sociais falando da chegada da PF e conclamando apoiadores dele e do presidente Jair Bolsonaro (PL) a se unirem em frente à casa do pai dela para lutar pelo que classifica como “liberdade”.
“Eu não vou me entregar. Eu não vou me entregar porque acho um absurdo. Chega, me cansei de ser vítima de arbítrio, de abuso. Infelizmente, eu vou enfrentá-los”, disse Roberto Jefferson em vídeo gravado dentro de casa. Ele ainda se vangloriou do atentado à equipe da PF. Em outro vídeo, mostrou o para-brisa do carro da polícia estilhaçado com tiros. “Mostrar a vocês que o pau cantou. Eles atiraram em mim, eu atirei neles. Estou dentro de casa, mas eles estão me cercando. Vai piorar, vai piorar muito. Mas eu não me entrego”, afirmou.
Caso não dizia respeito a ministro da Justiça, acionado por Bolsonaro
Como a ordem havia partido de Moraes, os policiais federais estavam ali como uma polícia judiciária. Por isso não precisavam de autorização do ministro da Justiça ou qualquer autoridade do governo federal. Tinham que cumprir a ordem judicial.
No entanto, em ato incomum, Bolsonaro logo mandou o ministro da Justiça intervir no caso, atendendo pedido de Jefferson, que dizia que só se entregaria com a presença de Anderson Torres. Nesse ínterim, apareceu o Padre Kelmon — que é não sacerdote de religião alguma e ganhou notoriedade após se tornar candidato a presidente da República pelo PTB, no lugar de Jefferson, impedido de disputar pela Justiça Eleitoral com base na lei da Ficha Limpa. Kelmon também ficou conhecido pela dobradinha com Bolsonaro para atacar o ex-presidente Lula (PT) durante debate do primeiro turno.
Foi o padre quem entregou duas armas de Jefferson à PF. Enquanto o ex-deputado ainda estava em casa, o falso padre foi até o portão e, sem abrí-lo, passou as armas aos policiais, que permaneceram do lado de fora.
Bolsonaro publicou, no Twitter, que condenava a atitude do então aliado político e disse que ordenou a prisão dele, o que não era verdade, pois a ordem já havia partido do ministro do STF. Anderson Torres não chegou a ir à Levy Gasparian e gravou um vídeo em Juiz de Fora (MG). “Gostaria de me solidarizar com os policiais federais machucados”, disse.
Sem a presença do ministro da Justiça, o ex-deputado aceitou receber um negociador da PF. Ambos conversaram e até trocaram sorrisos. Jefferson só saiu quando quis, sem algemas, e foi levado em um carro descaracterizado da PF.
“Quando há muita gente no local do crime, isso sempre pode causar prejuízo à perícia”, comentou o presidente da Associação Nacional dos Peritos Federais, Marcos Camargo. Em entrevista à GloboNews, ele reconheceu que a prisão de Roberto Jefferson envolveu muitas situações atípicas, que gogem dos protocolos da PF. Entre outras coisas, ele apontou a entrada de pessoas na casa do autor do atentado, enquanto ele deveria estar sendo preso. Caso do Padre Kelmon.
Até a publicação desta reportagem ainda não se sabia se Jefferson tinha mais armas em casa. Ele mesmo sempre se gabou de ter um arsenal, que incluiria fuzis e até metralhadora. Por mais de uma vez publicou fotos e vídeos portando algumas delas. Também não se sabe se tinha mais granadas, tampouco como as adquiriu, já que, além de não poder ter nenhum, deveria permanecer em casa o tempo todo.
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