O salto de R$ 41 milhões (corrigido pela inflação) no patrimônio do governador de Minas Gerais Romeu Zema (Novo), entre as eleições de 2018 e 2022, poderia ser ainda maior. Isso porque ele deixou de declarar uma de suas empresas junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE): a Construtora Zema LTDA., na qual ocupa a função de sócio, conforme a Receita Federal.

A companhia tem um processo em aberto, movido pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) em 2016, quando a concessionária protocolou uma ação para tentar reintegrar a posse de um terreno na divisa entre São Paulo e Minas. 

Esse terreno está na cidade de Rifaina, no interior de São Paulo. Na ação que a reportagem de O TEMPO teve acesso, a Cemig alegava que a empresa de Zema mantinha construções em uma área pública, onde seria instalado um reservatório da Usina Hidrelétrica de Jaguara. “Afirma que o réu invadiu de forma clandestina essa área, onde erigiu construções sem qualquer licença ou concessão para tanto, caracterizando esbulho possessório”, informam os autos do processo. 

A hidrelétrica não pertence mais à Cemig. Em setembro de 2017, portanto antes de Zema vencer as eleições, o governo federal leiloou a estrutura. Hoje, a administração pertence à Engie, que arrematou Jaguara e a hidrelétrica de Miranda, em Indianópolis (MG), por R$ 3 bilhões à época. Ainda assim, o processo permanece em tramitação. 

Conforme os autos do processo, que corre na vara de Pedregulho (SP), um perito judicial esteve no terreno alvo da ação em 31 de março deste ano. Houve a elaboração de um laudo, que foi juntado ao processo para análise das partes. Conforme a Justiça, o objetivo da visita era verificar se a área construída realmente pertence ao terreno da hidrelétrica e se ela “impede ou prejudica de qualquer forma” a operação da estrutura. 

Em nota, a Cemig informou que "peticionou, em julho de 2018, que a Engie a sucedesse no processo". No entanto, "o pedido ainda não foi objeto de decisão judicial, em processo que tramita fisicamente e se encontra em fase de instrução junto à 1ª instância". A companhia esclareceu, ainda, que "não cabe a ela se manifestar sobre o processo", já que não é mais responsável pela usina.

A reportagem procurou a assessoria de imprensa do governador, mas não houve retorno até esta publicação. A Construtora Zema LTDA tem outros dois administradores além do governador: Romero Zema, irmão do chefe do Executivo, e Ricardo Zema Neto, sobrinho de Romeu e filho de Romero. O capital social é de R$ 100 mil, e a empresa foi fundada em março de 1973. É o CNPJ mais antigo diretamente ligado ao candidato à reeleição.

Sítio perto da usina
A família de Romeu Zema tem uma casa de campo na cidade de Rifaina, nas proximidades da Usina Hidrelétrica de Jaguara. O “Rancho Zema” está distante cerca de 12 quilômetros da entrada da geradora de energia. Apesar disso, o processo movido pela Cemig há pouco mais de cinco anos não cita este imóvel em específico, mas é possível que o pedido de reintegração de posse trate exatamente deste terreno. 

O Rancho Zema está às margens do Rio Grande, um dos afluentes do Rio Paraná. A casa foi usada pelo governador no réveillon e no carnaval de 2020. O imóvel conta com piscina e fácil acesso ao Rio Grande, o que possibilita passeios de lancha. O sítio está próximo de Araxá, terra natal do chefe do Executivo: são apenas 106 quilômetros de carro, pouco mais de uma hora de trajeto. 

Omissão é passível de punição

O fato do governador de Minas ter deixado de declarar a empresa à Justiça eleitoral é passível de punição conforme o Código Eleitoral, mas depende de uma representação a ser movida pelo Ministério Público Eleitoral (MPE), conforme a advogada Ana Márcia dos Santos Mello. “Em tese, o que caberia seria uma representação, porque um dispositivo do código fala que constitui uma infração criminal você omitir informação destinada à Justiça eleitoral. Mas, nada com efeito imediato para essas eleições”, diz. 

Apesar disso, a advogada não vê dolo na ausência de declaração de Romeu Zema. “Talvez, essa empresa não tenha um valor tão significativo. Está mais para um erro retificável, porque não é incomum as pessoas esquecerem (de listar algum bem). Até porque muitas vezes essas declarações são feitas por terceiros, com procuração”, afirma. 

Procurado, o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) informou que "não se manifesta sobre casos concretos que possam vir a ser julgados". Segundo o TRE, as informações sobre declarações de bens "serão verificadas no momento da análise e julgamento da prestação de contas, após as eleições".

Cinco empresas e evolução patrimonial

Zema declara cinco empresas junto ao TSE: a Ricardo Zema Participações (holding de instituição não-financeira), a Zema Promotora de Vendas, a Auto Zema LTDA (comércio de veículos) e a imobiliária Zema Imóveis LTDA. Há, ainda, um quinto CNPJ declarado com a razão social antiga: a atual Zema Serviços de Cadastro e Cobrança (administradora de cobranças de cartão de crédito) é preenchida como Estrela Mineira Promotora de Negócios de Crédito LTDA junto à Justiça eleitoral. 

O patrimônio do candidato à reeleição subiu de R$ 69.752.863,96 em 2018 para R$ 129795.313,70 neste ano. Se o valor antigo for corrigido pela inflação, a declaração da eleição anterior era de R$ 88.370.021,93. Ainda assim, a diferença é de impressionantes R$ 41.425.291,77.

De acordo com a assessoria do governador, o incremento no patrimônio de Romeu Zema ocorreu antes do início do atual mandato. Em nota, a equipe dele esclareceu que, "ainda em 2018, duas empresas que atuam no ramo de combustíveis, que eram do Grupo Zema, foram vendidas para uma companhia francesa de energia, por aproximadamente R$ 380 milhões".

Zema tinha participações em ambas empresas vendidas e recebeu recursos, como pessoa física, de aproximadamente R$ 10 milhões. Além disso, em uma das empresas, ele detinha 27,14% da participação acionária. Quando houve a divisão da venda, a parte da cota destinada a ele foi de aproximadamente R$ 23 milhões. Segundo sua assessoria, esses recursos foram direcionados à empresa de varejo da família e fundos de investimento.

Ainda de acordo com informações da assessoria, o restante da ampliação dos bens é proveniente da valorização das empresas do grupo. "Cabe ainda ressaltar que todo o patrimônio de Romeu Zema é fruto de mais de 30 anos de trabalho e gestão, estando exposto em suas declarações anuais à Receita Federal e, bem como, ao Tribunal Superior Eleitoral, cumprindo a legislação nacional", encerra a nota da assessoria sobre o crescimento do patrimônio do governador nesses quatro anos.