O paulista Mestre Max Borges Monteiro, 77, se recorda da primeira vez em que pisou em um picadeiro. Ele tinha sete anos. Ao lado dos quatro irmãos, Max fez uma apresentação de acrobacias e saltos. “Tenho essa lembrança muito forte. A primeira que aprendemos foi a saltar. Depois meu pai nos passou outros números”, ele conta. O espetáculo, realizado em São Paulo, marca não só a estreia dele no circo, mas a continuação de uma história que atravessa o tempo. Max é neto de Mercedes Corominas, trapezista conhecida como “Reina de Los Aires” e pioneira na aviação espanhola.

É com Mercedes que começa essa saga, ainda no fim do século XIX. Artista do Circo Calderón, Mercedes viajava pela Europa apresentando números de balonismo até fazer uma excursão pela América do Sul. Em 1911, ela e seu marido, o português Francisco Pedro Monteiro, decidem ficar no Brasil e, em Campos dos Goytacazes (RJ), criam um circo de touradas e habilidades circenses. Cento e dez anos depois, a trajetória da família Monteiro será contada em um documentário produzido em Belo Horizonte.

“Sob o Céu e a Lona: 110 Anos de Tradição no Picadeiro” estreia na segunda-feira (29) (veja detalhes no fim da matéria), data premeditada, já que, neste sábado (27), é celebrado o Dia Nacional do Circo. Viabilizada com recursos da Lei Aldir Blanc, a produção conta a trajetória dos Monteiro tendo Max como personagem principal. Depoimentos da companheira do artista, Ana Maria de Laia, dos filhos Affonso, Paula e Érika e do genro Styvens Mafi ao jornalista Zu Moreira complementam o álbum histórico e afetivo desse importante capítulo da cultura popular mineira e brasileira. 

Para o diretor Alexandre Rezende, que também assina o roteiro do documentário, o filme resgata, valoriza e preserva não só a memória de uma família, mas uma parte importante da memória do circo brasileiro: “Por conta da pandemia, fizemos o que foi possível, gravamos no apartamento dele e só saímos em uma cena externa para a apresentação deles em um centro cultural fechado de BH. A história da família Monteiro é muito rica, uma peça fundamental do acervo imaterial cultural de Minas e merece ser contada”.

Paixão centenária

Quarta geração a interpretar o Palhaço Xuxu, Mestre Max Borges Monteiro passou sua vida no circo, em festivais, praças e escolas, participou de projetos artísticos, ministrou oficinas, cursos e palestras circenses. Teve nove filhos e viu 14 netos e sete bisnetos crescerem. Foi sob a lona que ele conheceu o Brasil, fez plateias gargalharem e prendeu o olhar de crianças encantadas com o universo mágico e colorido que habita o picadeiro. Foi também em uma viagem com o circo, em 1976, que ele conheceu Ana, 62, sua companheira, no bairro Justinópolis, em Ribeirão das Neves.

“Nós nos casamos no ano seguinte. Ela não era do circo, mas agora gosta mais dele do que eu. A melhor coisa do mundo para ela é quando o circo está viajando”, comenta. “Fui ao circo com uma amiga para entregar umas costuras e ele estava lá. O encontro de duas pessoas de mundos opostos. Foi o momento que mudou minha vida”, relembra Ana.

Sobre o documentário, ela afirma que é impossível não se emocionar com a história que agora virou filme:  “Isso vai ficar registrado para o resto da vida, meus bisnetos vão ver e saber que a família Monteiro veio da Europa e do circo. Vai passar para várias gerações”. Desde 2003, Max e família fixaram residência em BH, onde se constituíram como Grupo Circo Aloma e mantém uma sede própria na região de Venda Nova.

Fantasia

Affonso Monteiro, 43, é mais uma geração da família a nascer e crescer no circo. Entre viagens e apresentações por diversos estados brasileiros de todas as regiões do país, ele descobriu um mundo de fantasia, mas também de responsabilidades e desafios - às vezes financeiros, outras relacionados a manter vínculos sociais em uma rotina itinerante que tem a estrada como lar.

Diretor artístico do documentário, ele diz que o projeto audiovisual era uma ideia de anos atrás e faz parte de um projeto que envolve um livro e um espetáculo em tributo aos 110 anos da chegada dos Monteiro ao país. A Covid-19 e o isolamento trouxeram a escassez de trabalhos, mas as dificuldades pelas quais as famílias circenses passam são anteriores à pandemia. Para Affonso, a existência dessa tradição é marcada pela resistência. “Além de ser um registro da nossa história, acreditamos que o documentário também é uma homenagem às famílias tradicionais circenses”, frisa. 

Neste Dia Nacional do Circo, Mestre Max aguarda ansioso a exibição de “Sob o Céu e a Lona”. Segunda-feira será um dia especial e emocionante. “O que de mais bonito o circo me deu?”, ele repete a pergunta enquanto pensa na resposta, que vem logo em seguida: “Tudo. Ele é minha vida, minha família. Sem o circo sou igual a um peixe fora d’água: nada”.

Estreia

“Sob o Céu e a Lona: 110 Anos de Tradição no Picadeiro” estreia nesta segunda-feira (29), às 18h, no canal do Grupo Circo Aloma no YouTube. Após a exibição, o filme também ficará disponível no Facebook e no Instagram.