Mais que colorir a paisagem urbana com seus característicos murais, que fazem fachadas cegas de prédios belo-horizontinos abrigarem obras de arte, a 8ª edição do Circuito Urbano de Arte (CURA), que chega agora a seu último fim de semana de atividades, está mexendo com a imaginação do seu público ao apresentar novas possibilidades de uso da praça Raul Soares, sede do festival pela terceira vez.

“Achei simplesmente sensacional a ocupação da praça, que é, de certa forma, um cartão postal da cidade”, elogia a copywriter Fernanda Dias, 25, que saiu do bairro Padre Eustáquio, na região noroeste da capital, para participar da tarde musical proposta pelo evento.

Até então, ela só havia acompanhado o projeto a certa distância. “Eu ouvia falar, via as repercussões e divulgações, mas, ir mesmo, foi a primeira vez”, situa, encantada com tudo que encontrou no lugar: “Foi muito tranquilo e com um público muito diversificado, de crianças a idosos; com todo mundo se misturando, curtindo a música, tomando sua bebidinha, sendo feliz, sem ninguém incomodar ninguém”, diz, antes de concluir, quase como um pedido: “Podia acontecer mais vezes”.

Público curte a 8ª edição do CURA na praça Raul Soares | Crédito: Tamas Bodolay/Divulgação

As reações de Fernanda são bons indicativos para o festival, pois sinalizam que alguns de seus principais objetivos estão sendo cumpridos: “Estamos na terceira edição na Raul Soares e, neste ano, quisemos trazer para a cidade uma provocação, reimaginando o uso desse espaço, pensando em como seria se tivéssemos ali um parquinho infantil, redes à disposição, se a fonte fosse ‘nadável’”, detalha Janaína Macruz, a Jana, uma das idealizadoras e organizadoras do CURA, que ela ajudou a criar ao lado das amigas Juliana Flores e Priscila Amoni.

Mudança de ares

O horizonte de possibilidades imaginado – e concretizado ao longo dos 11 dias de evento – é o oposto do que, no dia a dia, a praça oferece. 

“Quando não se proporciona a ocupação desse espaço, ele se deteriora, fica abandonado. A própria Raul Soares, por exemplo, tem pouca sombra, apenas dois bancos – outros dois estão quebrados. Enfim, não parece convidativa. Até a gente querer que seja. A partir de então, a praça volta a ser praça, esse espaço de convívio que é tão importante para a cidade”, reflete Jana, para quem o mesmo raciocínio se estende a outros tantos espaços “esquecidos” na cartografia belo-horizontina.

Criança interage com instalação brincante proposta pelo CURA | Crédito: Cadu Passos/Divulgação

Na contramão do abandono, um exemplo de como uma inovação simples pode alterar profundamente as dinâmicas de um território é a instalação brincante montada nesta edição do evento. Concebida pela arquiteta Isabel Brant, da Mutabile Arquitetura, e batizada como “Brincacidade”, a estrutura foi abraçada pelos frequentadores do lugar.

“Esse é um espaço pensado para as crianças e para seus cuidadores, que são diversos e também poderiam ser acolhidos ali. Mas, o que aconteceu, desde o começo, superou nossas expectativas: estamos no nono dia de atividades e o que percebemos é que os brinquedos estão sendo usadas não só por crianças e seus cuidadores, mas também por adultos, que vão em grupo e ficam ali, interagindo, se divertindo”, admite, acrescentando que está sendo muito interessante acompanhar essa ocupação, que está ligado com o que propõe o festival: “Trazer uma nova narrativa e novas formas de interação para o território urbano”.

Um respiro na cidade

Outra atração que tem feito sucesso nesta edição são as estruturas de highline, modalidade do esporte slackline, que consiste em equilibrar-se em uma fita ancorada no alto de dois edifícios. “A gente está brincando que o CURA é também esporte radical”, ri Jana Macruz. 

Atleta pratica highline entre edifícios do entorno da praça Raul Soares | Crédito: Tamas Bodolay/Divulgação

“Para nós, essa foi uma nova forma de interagir com o público, com os prédios, com a cidade”, menciona, citando presenciar motoristas de carros esquecendo, por um instante, toda aquela pressa no trânsito para observar aquelas pessoas caminhando sobre a “corda bamba”. “O sinal abre, e demora até as buzinas começarem, porque está todo mundo distraído”, alegra-se, reforçando que propor uma paisagem que seja um respiro em meio ao cinza e à celeridade é outro objetivo do festival. 

“E a gente percebe isso também com nossa programação musical, quando vemos pessoas que vivem no entorno, trabalhadores que circulam pela região, tirando uns minutos para ficar ali, curtindo um som, deixando o tempo passar”, reforça. “E, como acontece tradicionalmente, nossa expectativa é que, agora, no último fim de semana, com as obras nas empenas quase finalizadas, mais pessoas participem”, indica.

Jana prossegue sublinhando que os tradicionais murais de arte legados pelo CURA também cumprem a função de criar uma espécie de oásis em meio concretude urbana. “Com suas cores, com formas que, muitas vezes, evocam à natureza, a gente quebra um pouco dessa monotonia cinzenta”, propõe, ressaltando que, neste ano, as três pinturas realizadas no festival estão sendo feitas exclusivamente por artistas mulheres. A curadoria, aliás, também é inteiramente feminina, sendo assinada pela pesquisadora de arte Flaviana Lasan e pelo trio fundador do projeto.

Intervenção de Clara Valente no Edifício Claro | Crédito: Thomás Santos/O Tempo

Elenco

Entre as responsáveis pela empreitada está a belo-horizontina Clara Valente, anfitriã da vez, que já participou da criação de trabalhos em outras edições do evento, como artista assistente de outras criadoras. Desta vez, ela será responsável pela pintura do Edifício Claro (rua Espírito Santo, 1.000)

A indígena Liça Pataxoop, educadora e liderança da aldeia Muã Mimatxi, em Itapecerica, no Centro Oeste de Minas, vai atuar no Edifício Leblon (avenida Amazonas, 1.054), onde imprime um símbolo do seu povo, os tehêys, que são como redes, armadilhas tecidas com corda de tucum e cipó, utilizados especialmente pelas mulheres e crianças pescarem nos rios. 

Bahati Simoens, nascida no Burundi, com descendência congolesa e belga, estando, atualmente, radicada na África do Sul, leva seu traço ao Edificio D'Ávila (rua Guaranis, 590), onde apresenta a obra “Você não pode chorar se está rindo” (You can’t cry if you’re laughing), que faz parte da série “Papai nunca chegou com flores” (Daddy never came with flowers).

Obra de Bahati Simoens em desenvolvimento no Edificio D'Ávila | Crédito: Thomás Santos/O Tempo

Números

  • Ao todo, em sete edições, a última delas em 2022, o CURA já realizou 25 obras de arte em fachadas, empenas e também no chão;
  • Desse conjunto, 18 estão na região do hipercentro da capital mineira e quatro na região da Lagoinha;
  • Esta é a maior coleção de arte mural em grande escala já feita por um único festival brasileiro.

SERVIÇO:
O quê. Encerramento da 8ª edição do CURA - Circuito Urbano de Arte
Quando. A partir desta sexta-feira (1°) até domingo (3).
Onde. Praça Raul Soares
Quanto. Gratuito

Grupos de pessoas fazem 'piquenique' na Raul Soares; ao fundo, a instalação 'Brincacidade' | Crédito: Cadu Passos/Divulgação

PROGRAMAÇÃO:
*Sujeita a alteração em caso de chuva.

Nesta sexta-feira (1°), a partir das 18h
• DJs Bruna Castro (18h às 20h) e Fê Linz (20h às
22h)

Neste sábado (2), a partir das 14h
• Slackline (Highline Urbano)
• DJs Carol Blois (14h às 17h) e Camis (17h às 20h)

Neste domingo (3), a partir das 14h
• Slackline (Highline Urbano)
• DJs Sandri (14h às 17h) e Kingdom (17h às 20h)