Gisele Frade ficou quase 20 anos fora do audiovisual. Atriz de "Chiquititas" e "Malhação", época em que se tornou uma estrela infantil, ela retorna para frente das câmeras num papel complexo, analisando a própria profissão em "O Vazio de Domingo à Tarde", em cartaz nos cinemas brasileiros. Gisele vive Mônica, uma atriz que tenta mudar o rumo da carreira e se livrar dos estereótipos que a TV lhe impôs. "O filme trata do lado oculto da indústria do entretenimento e discute o que está por trás das imagens que consumimos hoje", destaca o diretor Gustavo Galvão.


"Não são temas fáceis para uma atriz abordar. É natural que eles resultem em críticas à nossa área e à forma como a máquina funciona. Em suma, o filme precisava de uma atriz independente e livre de obrigações com essa indústria. Então entrei no Google e escrevi: 'atrizes que romperam com a televisão'. O nome de Gisele Frade apareceu em algumas matérias e a história dela me fascinou", registra o realizador, que, entre 2014 - ano que teve a ideia para o projeto - e 2018, quando finalmente recebeu recursos para iniciá-lo, viu o conceito de fama mudar radicalmente.


A alteração foi provocada, segundo ele, pelo surgimento de novas mídias e tecnologias. "O poder mudou de mãos – a TV perdeu a força e testemunhamos a explosão da “cultura do like”. O roteiro precisava ser atualizado frequentemente no período por conta desse fenômeno", lembra. Com a eleição de Bolsonaro à presidência da República, ele não pensou duas vezes antes de situar a trama durante a gestão do líder de extrema-direita. "A agressividade virou política de Estado e isso se refletiu nas redes. Situar uma trama sobre abuso psicológico no ano 1 do bolsonarismo foi uma decisão inevitável".


Apesar de questionar ,em muitos momentos, a indústria do entretenimento, o longa também se materializa como uma homenagem muito particular de Galvão à profissão de ator e atriz. "Essa é uma carreira desafiadora porque o profissional lida, todo o tempo, com a própria imagem, muitas vezes levando ao choque entre a pessoa física e a figura pública, uma projeção que quase nunca corresponde à verdade. As personagens estereotipadas que Mônica viveu na TV não são o cerne do problema, elas são a consequência de um mercado sexista e massacrante", avalia.


Para Galvão, a fama tem um peso e cobra o preço na vida particular. "A luta de Mônica é pelo direito de ser quem ela quiser, e não o que os outros querem que ela seja", pondera. Mas ele assinala que essa é apenas uma das faces de "O Vazio de Domingo à Tarde". "Em paralelo a tudo isso, temos Kelly, a jovem que admira a Mônica da TV e não tem ideia dos embates de sua musa contra a fama. Sem saber disso, busca trilhar seu caminho para o estrelato", comenta. A personagem é vivida por Ana Eliza Chaves, cantora que teve a sua primeira experiência no cinema.


"Entre outras coisas, o que une as duas histórias é a profusão de celulares que pautam não só as situações, mas também são o objeto direto das ações. Os celulares são onipresentes e mudaram nossa forma de enxergar o mundo. Todos são 'fotógrafos' hoje, por exemplo, mas isso não significa que todos têm o olhar do fotógrafo. O xis da questão com as novas tecnologias é discernir quando elas nos escravizam e quando nos libertam.  Os celulares são uma extensão do nosso corpo hoje, para o bem e para o mal", observa Gustavo Galvão.