A relação que filhos estabelecem com os pais na velhice é cercada por singularidade e complexidade, muito provavelmente na mesma medida, e certamente muito discutida. Não à toa, há uma gama de textos literários e filmes dedicados ao assunto, como o excelente longa "A Baleia" (2023), do diretor Darren Aronofsky, e protagonizado pelo ganhador do Oscar, Brendan Fraser. No Brasil, o livro "Cuide de seus pais antes que seja tarde", de Fabrício Carpinejar, autor gaúcho radicado em BH e colunista de O TEMPO, emociona leitores de todo país pela sinceridade imbuída nas palavras ao abordar esse assunto. Uma das pessoas tocadas pela obra foi a atriz e roteirista Vânia de Brito, que resolveu levar o texto para os palcos com o nome "Antes que seja tarde". A peça chega a Belo Horizonte em apresentação única nesta sexta-feira (22), no Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas.
Em cena, Vânia entra solo e, ao longo de 50 minutos, se debruça nas histórias que evidenciam a importância da presença dos filhos na vida dos pais quando idosos. Uma assistência que, a princípio, pode parecer ordinária e certa, mas se prova cada vez mais incomum para as mais diferentes pessoas. "Italianos, franceses, até freiras e padres já assistiram à peça. E a questão toca a todos por ser algo universal", relata a atriz.
O incômodo causado pela abordagem atinge uma ferida que muitas vezes nem sequer é tocada. Conforme relatos que Vânia recebe, os espectadores refletem sobre como poderiam estar (ou ter sido) mais presentes na vida dos pais. No perfil da atriz, no Instagram, diversos depoimentos comoventes podem ser vistos.
As causas para o absentismo, claro, são peculiares. Cada um apresenta uma justifica. No entanto, há um esforço para o entendimento por parte da Vânia, que recorre ao filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman e ao conceito de amores líquidos. “Vivemos em um mundo onde tudo se torna volátil e urgente. O filho acha que está conectado com o pai só porque conversa com ele por WhatsApp ou posta uma foto com filtro lindo no Instagram. O amor dos pais não é líquido, é mais profundo", diz. Toda essa profundidade dá o tom à montagem.
Para a apresentação em Minas Gerais, a atriz, que retorna aos palcos 16 anos após se dedicar ao agenciamento de atores, tem um gosto especial. “Amo o povo mineiro, o silêncio que vocês têm entre uma palavra e outra, vocês são um povo muito família, hábitos e sabores muito especiais. Não vejo a hora de dividir esse texto com vocês e saborearmos juntos cada palavra desse monólogo”, confessa.
A peça
O início da construção da montagem teve início em 2018, quando Vânia interpretava a personagem Agatha Cristo na novela "Orgulho e Paixão", no horário das 18h da Globo. Sem conhecer Carpinejar, ela adentrou em uma livraria, ao lado da colega de cena Gabriela Duarte, e encontrou com o livro pela primeira vez. Comovida pelas frases emocionantes e verdadeiras do escritor, Vânia decidiu que gostaria de levar aquelas palavras para o palco. “Foi por direct”, sintetiza a atriz sobre a forma como entrou em contato para solicitar os direitos do livro.
De lá pra cá, muita dedicação fez parte da produção de “Antes que seja tarde”. Sem patrocínio diretos, Vânia recorreu à vaquinha online, investimento próprio e também conta com a bilheteria para viajar com a peça. A opção foi por não depender de leis de incentivo, por vontade de dar vida à peça com celeridade.
Desta forma, Vânia de Brito se juntou a Antônio Januzelli, que assina a adaptação dramatúrgica, para transformar 120 páginas em 20. A montagem ganhou tons minimalistas e, em cena, a atriz aparece vestida de preto ao lado de uma cadeira, uma mala e alguns pequenos objetos. Tudo isso, segundo ela, para chamar a atenção para o que há de mais importante: a palavra.
Assim, a artista faz um convite ao espectador de passear pelas memórias, como se fosse uma viagem no tempo. "Férias com familiares, receitas, a cozinha e o sofá da sala. Na peça, eu trago este lugares", conta.
No fim, ao contrário do que costuma acontecer, a atriz permanece no palco. A ela, interessa muito ouvir e discutir com o público sobre o assunto. Por isso, um debate de 20 minutos acontece em seguida. "As pessoas relatam suas experiências, lembranças e trazem confissões", conta Vânia ao esboçar - o que me parece mesmo por meio de uma chamada de telefone - um sorriso usual daqueles que estão realmente contentes com o trabalho realizado.
SERVIÇO
O quê: Peça “Antes que seja tarde”, com Vânia de Brito
Quando: Sexta (22/11), às 20h
Onde: Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas (rua da Bahia, 2.244, Lourdes)
Quanto: R$120 (inteira) e R$60 (meia) | Vendas na bilheteria e pelo Sympla