“Acho importante lembrar o que a ópera é em sua origem: um gênero popular. E foi com essa proposta que montamos Hilda Furacão”. A ponderação é do compositor, produtor musical e pianista Tim Rescala, que assina a música original do espetáculo da Orquestra Ouro Preto, que, após estreia em São Paulo no início do mês, chega a Belo Horizonte para duas apresentações, nesta quinta (21) e sexta-feira (22).

O projeto é o quinto do músico em parceria com a companhia orquestral, sendo a segunda ópera – gênero que, na história de Rescala, passa necessariamente por Minas Gerais. “Além da orquestra, fiz outras duas para outra companhia mineira, a Burlantins, da Regina Souza, Maurício Tizumba e Marina Machado”, recorda, lembrando que se iniciou nas composições operísticas em 1997.

Especialmente para a nova empreitada, o músico diz ter se esmerado em criar um espetáculo que absorvesse o universo da música popular. “O que foi novidade para nós, que foi um de nossos objetivos com o projeto, foi realmente ir além e, de certa forma, retratar a época pela música popular que se ouvia então, não só no rádio, mas também na televisão”, comenta, para, em seguida, lembrar que, naquele período, os boleros rasgados começavam a sair de moda e os primeiros acordes da bossa nova surgiam nas paradas de sucesso, enquanto, internacionalmente, as big bands surgiam como um fenômeno. 

Outra inovação, diz, é a própria narrativa, cujo libreto mantém a estrutura básica do livro de Roberto Drummond – o autor inclusive aparece na trama, ora como um personagem, ora como narrador. “E o coro também cumpre um pouco essa função, ora fazendo vezes de coro grego, comentando a cena, e ora vivenciando a história encenada”, indica.

Cena de Hilda Furacão, a Ópera | Crédito: Rapha Garcia/Divulgação
Cena de Hilda Furacão, a Ópera | Crédito: Rapha Garcia/Divulgação

Rescala continua, inteirando que, a julgar pela reação do público nas primeiras apresentações, tudo leva a crer que as escolhas foram acertadas. “Fomos recebidos calorosamente pelo público!”, anima-se ele, que admite: as expectativas pela estreia em Belo Horizonte são altas. “Tenho certeza que a plateia de BH vai se enxergar nesse trabalho, porque é uma ópera que retrata uma época emblemática na história da cidade, refletindo sobre o embate entre o conservadorismo e a liberdade que a protagonista, que considero uma personagem essencialmente operística, representa”, opina.

Uma nova versão para um sucesso televisivo

O entendimento de que a personagem título tem características “operísticas” é compartilhado também por Rodrigo Toffolo, maestro da Orquestra Ouro Preto.

“Hilda tem tudo que a gente procura em uma ópera: conflitos, reflexões, drama e comicidade balanceados. Além disso, ela é uma personagem feminina muito importante da nossa literatura, com a liberdade por princípio, mesmo que isso fosse contra as convenções sociais de sua época. Um conjunto de fatores faz dela uma protagonista ideal para esse ciclo de óperas que estamos desenvolvendo”, avalia, confirmando que o espetáculo é baseado no romance homônimo de Roberto Drummond de 1991, que narra a história de uma mulher que abandona uma vida de prestígio para refugiar-se na zona boêmia de BH da década de 1950 e 1960.

Artistas em cena na montagem operística de Hilda Furacão, projeto da Orquestra Ouro Preto | Crédito: Rapha Garcia/Divulgação
Artistas em cena na montagem operística de Hilda Furacão, projeto da Orquestra Ouro Preto | Crédito: Rapha Garcia/Divulgação

O maestro reconhece que a empreitada é especialmente desafiadora por apresentar uma nova versão de uma história que já habita o imaginário popular. Hilda Furacão, afinal, fez sucesso na televisão com a minissérie produzida e exibida pela Globo em 1998. Na produção, a protagonista é vivida por Ana Paula Arósio, papel que, agora, é assumido pela mezzo-soprano Carla Rizzi. Já o tenor Jabez Lima encarna o jovem frei Malthus, personagem que, interpretado por Rodrigo Santoro na TV, lida com o dilema entre seguir sua vocação sacerdotal ou se render à paixão.

Toffolo, claro, sabe que as lembranças da minissérie são naturalmente evocadas sempre que se fala da história agora tematizada em uma ópera. Mas, para ele, as versões não são concorrentes. “São produtos distintos e complementares, por isso, não cabe comparação”, avalia, acrescendo que, na verdade, a escolha está alinhada à identidade da própria Orquestra: “Nesse sentido, Hilda Furacão é uma boa resposta, tanto pelo o que a personagem representa quanto por ser uma forma de aproximação com o público”, explica.

Esta, aliás, é a segunda incursão da Orquestra Ouro Preto pelo universo da ópera. A estreia no formato, também em uma parceria com Tim Rescala, foi com outro título popular, que também ocupa o imaginário brasileiro: “O Auto da Compadecida”, obra original de Ariano Suassuna que se tornou um clássico do cinema nacional com Selton Mello e Matheus Nachtergaele como protagonistas.

A empreitada, classificada como bem-sucedida pelo regente, pavimentou o caminho para a montagem de novos trabalhos operísticos. “Queremos criar um novo catálogo operístico, com temas modernos, em que a cultura contemporânea brasileira apareça e as pessoas se reconheçam, se sintam próximas. Logo, o nosso objetivo é trabalhar de forma perene com o formato”, estabelece Toffolo, antecipando que o grupo já tem uma terceira montagem em ebulição – o tema, no entanto, permanece em segredo.

SERVIÇO:
O quê. Orquestra Ouro Preto apresenta Hilda Furacão, a Ópera
Quando. Nesta quinta (21) e sexta-feira (22), às 20h
Onde. Grande Teatro Cemig Palácio das Artes (avenida Afonso Pena, 1537, Centro)
Quanto. A partir de R$ 20 (meia, Plateia Superior), até R$ 80 (inteira, Plateia I); ingressos na bilheteria do teatro e no Eventim.