O que mais impressiona em "O Clube das Mulheres de Negócios", em cartaz a partir desta quinta-feira (28) nos cinemas, é a maneira como a diretora e roteirista Anna Muylaert absorve um tipo de registro comumente machista, naturalizado no cinema há décadas, para subvertê-lo completamente. 

O que vemos é uma sociedade matriarcal, com os mesmos vícios e símbolos da hegemonia masculina de hoje. Ao mesmo tempo em que nos diverte por esta inversão de papéis, a narrativa critica os códigos machistas de comportamento e linguagem que desembocam na desigualdade de direitos. 

Quando belos funcionários de um clube, vestidos com shorts curtos, servem um grupo de oito conselheiras, a câmera enquadra mais o corpo e as suas formas, como se explicitasse o voyeurismo sexista instrumentalizado pelo cinema em praticamente toda a sua história. Desta vez, o homem é a vítima de objetificação sexual.

Esse olhar sarcástico em torno dos estereótipos se estende à caracterização dos personagens masculinos, especialmente os maridos e parentes das sócias do clube. Um deles usa roupas de caubói para explicitar o fato de ser marido de uma grande fazendeira. Outro é totalmente submisso e praticamente não fala.

Um dos protagonistas é um jornalista, vivido por Rafael Vitti, mostrado desde os primeiros minutos como uma pessoa fútil, mais preocupado com o figurino e em postar dancinhas nas redes sociais. Ele tem a missão de entrevistar as sócias para uma revista, com perguntas que foram elaboradas pela sua chefe.

O jornalista participa de uma das cenas mais interessantes do filme, ao sofrer um abuso sexual de uma das sócias. A primeira reação é de diveritmento, ao vê-lo ameaçado por uma mulher de voz grossa, com os peitos grandes para fora e pedindo para ele "dar uma chupadinha", ficando fortemente abalado pelo ocorrido.

Mas é uma graça-armadilha, pois nos pegamos rindo de uma situação real e alarmante, traídos por uma educação, que vem dos nossos pais, que perpetua uma relação nociva baseada na força, com supostas crenças que legitimam a superioridade do homem. Uma realidade estampada na avó do jornalista, que relativiza o assédio.

O ponto alto de "O Clube das Mulheres de Negócios" é, desde o primeiro minuto, reforçar uma espécie de pacto entre as oito sócias, sendo que um dos elementos para isso é o mau uso dos poderes instituídos para manterem o seu status quo. Elas representam várias esferas da sociedade, que usam o clube para esconder as falcatruas.

O "clube" é o retrato do Brasil, um lugar de negócios escusos e classistas, explicado por uma frase da personagem de Irene Ravache, que justifica esse estado de podridão no passado, num país fundado na corrupção, no nepotismo, na violência e na hipocrisia. "Como vamos operar sem isso?", indaga ao jornalista.

É a deixa também para fazer uma análise jocosa do surgimento da extrema-direita, que vem em defesa justamente desses fundamentos nocivos. Essa parte cabe principalmente à juventude de mulheres comandada por Katiuscia Canoro, que usa o termo "b..." da mesma forma que o ex-presidente Bolsonaro dizia "imbroxável".

Ela e sua turma gritam "Viva o passado" e exibem armas como extensão do corpo e prova de força. É o novo quadro de sócios que chega ao clube, enquanto as veteranas ainda tentam ser simpáticas por fora. A personagem de Ítala Nandi trai o marido com vários homens ao mesmo tempo nos subterrâneos do lugar.

Essa cena, em particular, demarca também a intenção de Anna Muylaert em assinalar o audiovisual como propagador do patriarcado. Ali vemos órgãos genitais dos homens de maneira dispensável, assim como muitas atrizes se veem obrigadas a tirar a roupa em filmes. Pode ser surreal, mas tanto delírio cabe bem ao Brasil de hoje.