Em "O Quarto ao Lado", em cartaz nos cinemas, o espectador entende a razão de Martha escolher uma antiga colega escritora, Ingrid, para acompanhar o seu processo de eutanásia. Mas quais são as motivações do filme para essa escolha? Como essa participação irá transformar a personagem, especialmente em relação ao fechamento da história?
Esse é um ponto frágil na adaptação feita por Pedro Almodóvar do livro "O que Você Está Enfrentando", de Sigrid Nunez, principalmente porque Ingrid, personagem vivida por Julianne Moore surge como protagonista, conduzindo nosso olhar em torno dos mistérios que levam Martha (Tilda Swinton) a querer dar um fim em sua vida, devido a uma doença terminal.
Na primeira cena do filme, Ingrid aparece numa tarde de autógrafos de seu livro. É, pela fila de interessados, uma escritora famosa. Um dos fãs chama a atenção o fato de como ela lidou com a morte em uma das histórias contadas na publicação. Estaria aí, logo imaginamos, o elo com o convite para assistir os últimos momentos de Martha.
Mas Almodóvar vai perdendo de vista esse elemento, desidratando-o até perder o impacto que deveria ter ao final. Pode ser porque é o primeiro longa do diretor espanhol em inglês, não conseguindo levar à tela o tom exato do registro em outra língua. Os problemas, porém, parecem mesmo de construção e desenvolvimento de personagem.
"O Quarto ao Lado" estabelece um certo clima de suspense, sempre colocando em dúvida as motivações por trás do convite feito por Martha. E isso acaba tirando de foco uma questão vital, já que Ingrid é uma contadora de histórias nata, como ela mesmo assume, ao pedir permissão para ler os diários de Martha e transformá-los em livro.
Não iremos vê-la lendo trechos importantes que revelam mais detalhes sobre a vida de Martha, que já confidencia em própria voz os problemas nunca superados com a filha, que parece indiferente à decisão de eutanásia. Também não veremos a concretização dessa publicação, o que imediatamente nos ligaria à sequência inaugural.
Com o poder de criar e dar relevo a histórias, seria a missão de Ingrid contar a uma leitora em especial o que Martha foi incapaz de fazer em vida? Um belo testemunho sobre a beleza e importância da arte, não só da literatura, mas do cinema também. Almodóvar, no entanto, escolhe um caminho mais difícil para chegar a essa definição moral do filme.