Ainda faltam alguns dias para o ano chegar ao fim, mas Valentina Herszage já faz um balanço positivo de 2024. A atriz atuou no filme brasileiro mais aclamado dos últimos tempos, “Ainda Estou Aqui” (que, aliás, concorre ao Globo de Ouro de melhor filme de língua estrangeira); protagonizou dois longa-metragens, “O Mensageiro” e “As Polacas” – este último com estreia nesta quinta-feira (12) –; tem gravado uma nova obra cinematográfica em comemoração pelos 60 anos da Globo e está escrevendo o seu primeiro roteiro para as telonas. “Foi um ano incrível e de muita satisfação, um momento de colher os frutos do meu trabalho”, comemora.

A atriz carioca de 26 anos, no entanto, está longe de se deslumbrar com os louros da carreira. “Apesar de eu já ter feito bastante coisa, para mim ainda parece muito o início”, acentua. E por bastante coisa, Valentina diz respeito a uma carreira profícua, que começou ainda na infância. Com 5 anos, os pais a colocaram em uma escola de teatro, dança, sapateado, canto e circo. Aos 11, ela já tinha estrelado uma série, a “Mestre do Tempo”, mas foi aos 15, quando protagonizou o filme “Mate-me Por Favor”, que Valentina deu-se conta de que queria seguir na carreira de atriz. “Com o filme, eu pensei: ‘É, acho que posso fazer isso da minha vida.’ A partir dele, foi chegando uma coisa atrás da outra, e, quando vi, eu já era atriz”, recorda-se.

Desde então, foram muitos os papéis que ela se propôs a fazer. Valentina interpretou Hebe Camargo na juventude, trabalhou na série “Fim”, inspirada em um texto de Fernanda Torres, fez uma vilã no remake de “Elas Por Elas”, viveu uma militante presa pela ditadura, entre outros. Agora, em “As Polacas”, ela dá vida à Rebeca, uma mãe judia que, em 1917, foge da guerra na Polônia para o Brasil em busca de refúgio, mas acaba caindo em uma rede de prostituição liderada por Tzvi (Caco Ciocler). O longa-metragem é baseado nos livros “El Infierno Prometido: Una Prostituta de la Zwi Migdal”, de Elsa Drucaroff, e “La Polaca”, de Myrtha Schalom, que narram histórias reais de mulheres judias que se tornaram vítimas de tráfico humano e sexual ao saírem de seus países de origem.

A atriz sabia por alto dessas histórias, mas, ao fazer o filme, “o mergulho foi outro.” “Estamos ali assumindo a responsabilidade de contar uma história brasileira. Embora essas personagens tivessem conexões com o Rio de Janeiro, Argentina e Nova York, estamos narrando algo que vem do nosso pedaço do Brasil”, analisa a artista, que tem uma ligação pessoal com a narrativa: seus bisavós por parte de pai vieram da Polônia após a Primeira Guerra fugindo do forte antissemitismo. “Eles chegaram aqui, como tantos outros, em busca de uma vida melhor. Curiosamente, foi a partir deste filme que me senti motivada a buscar um entendimento mais profundo sobre a minha própria origem. É interessante como, às vezes, os trabalhos que fazemos nos oferecem a chance de revisitar e redescobrir partes da nossa história”, conta. 

Na trama dirigida por João Jardim, a personagem de Valentina Herszage é vítima de diferentes violências, como psicológica, física e sexual. Para isso, a atriz foi submetida a uma preparação minuciosa. “O mais importante era que nós, atrizes, conseguíssemos nos sentir minimamente confortáveis em meio a um desconforto inevitável da profissão. Ser ator é lidar constantemente com o desconforto, mas a sensação de proteção era indispensável. Muitas das cenas nasceram dessa relação de segurança que construí com o Caco (Ciocler), o Otávio (Muller) e até mesmo com o João (Jardim), o nosso diretor, que é extremamente sensível. Ele nos deu abertura para expressar o que podíamos ou não fazer em cena”, destaca.

Possibilidade de Oscar

Mas o trabalho que mais colocou Valentina Herszage em destaque foi, sem dúvidas, “Ainda Estou Aqui.” Escolhido como representante brasileiro para disputar uma vaga no Oscar 2025 e disputando o Globo de Ouro em duas categorias – melhor filme em língua estrangeira e melhor atriz em filme drama (Fernanda Torres) –, a obra se tornou a maior bilheteira do cinema brasileiro no período pós-pandemia, tendo sido assistida por mais de dois milhões de pessoas. No filme de Walter Salles, cuja “direção é muito afiada”, a atriz dá vida à Veroca, uma jovem que se vê diretamente afetada pelo regime ditatorial quando o pai, Rubens Paiva (Selton Mello), desaparece após ser preso pelos militares.

“De certa forma, minha geração é muito descolada desse período do Brasil. Então, acho muito importante as funções do cinema de resgatar tais memórias, para que isso não se repita, e também de personalizar as histórias, porque sempre escutamos casos de pessoas que foram presas e torturadas, mas é o cinema que conta quem eram elas, como era a família delas e o que sonhavam. ‘Ainda Estou Aqui’ tem a beleza de trazer isso de maneira muito delicada”, elabora.

Valentina Herszage interpreta a personagem Veroca em "Ainda Estou Aqui" | Foto: Sony/Divulgação

De tudo o que o filme proporcionou, a atriz comemora o estreitamento de laços com pessoas admiráveis. Ela conhecia Selton Mello “desde novinha”, por conta de seu filme de estreia, o “Mate Me Por Favor”, e já tinha conversado com Fernanda Torres, por ocasião da série “Fim.” Mas, desta vez, as relações se aprofundaram mais. “Foi uma alegria poder fazer cena com o Selton, sendo a filha dele, especialmente pela importância do papel. E a Fernanda é uma pessoa muito viciante. Não tenho nem palavras para descrevê-la, foi a pessoa que mais sofri de ter que me despedir”, afirma.

Quanto às expectativas para o Oscar, Valentina diz estar experimentando as alegrias à medida que elas acontecem. “Estou vivendo um dia de cada vez, aproveitando cada momento, porque tudo tem sido incrível. Quando fomos para Veneza (festival onde o longa ganhou o prêmio de melhor roteiro), por exemplo, foi como realizar um sonho. Foi uma grande realização poder levar o nosso cinema para fora, mostrar algo tão poderoso e rico. O cinema brasileiro, para mim, é o meu favorito no mundo. Então, a expectativa pelo Oscar tem sido maravilhosa, principalmente por ver como o brasileiro sabe torcer. Isso, para mim, é o mais bonito”, salienta.

O que vem por aí

Valentina Herszage atendeu a reportagem no intervalo das gravações de “Coisa de Novela”, filme dos Estúdios Globo, produzido para comemorar os 60 anos da emissora. A trama, prevista para estrear em 2025, acompanha a história de Tereza (Suzana Vieira), que sonha em gravar um folhetim. Para isso, ela contará com a ajuda da neta Laura, interpretada por Valentina. “Então, elas acabam encontrando um jeito de entrar nos Estúdios Globo. Durante o filme, vamos mostrando para o público como é lá dentro: os estúdios, os camarins, o acervo de figurinos de cenografia… Eu diria que esse filme é uma grande homenagem ao público de novela”, adianta.

Também no ano que vem, chega aos cinemas outro filme com participação de Valentina, “A Batalha da Rua Maria Antônia”, que acompanha a história de jovens e professores do Movimento Estudantil de Esquerda que enfrentam ataques do Comando de Caça Comunista, ocorridos em 1968. Com isso, a atriz completa três produções que abordam a ditadura militar e mostra certa capacidade de transitar por diferentes papéis, mesmo que com temáticas iguais.

“A personagem de ‘Ainda Estou Aqui’ é uma adolescente vivendo o auge da juventude muito pulsante nos anos 70. Já em ‘O Mensageiro’ vivo uma presa política. E ‘A Batalha da Rua Maria Antônia’ tem a ver com os movimentos estudantis. O que talvez todos os projetos de época tenham em comum é o senso de responsabilidade que sinto em estudar profundamente o período que estou representando e realmente me apropriar dele”, ressalta.

Valentina também pretende trabalhar do outro lado das câmeras. Ela está escrevendo um roteiro para os cinemas a quatro mãos com a atriz Dora Freind, que, inclusive, atua em “As Polacas.” “Nós somos melhores amigas, nos conhecemos desde os 11 anos e fizemos juntas o ‘Mate Me Por Favor.’ Então, temos pontos de encontro e artísticos muito fortes. O nosso roteiro fala sobre a nossa profissão, o meio audiovisual e o trabalho de atriz. É isso que eu posso antecipar”, conclui.