É muito perceptível o ganho que a franquia “O Rei Leão” – em sua versão feita em computação gráfica – teve com a adição de Barry Jenkins, diretor de foco mais independente e social, na continuação “Mufasa: O Rei Leão”, que estreia nesta quinta-feira (19) nos cinemas.
O primeiro, lançado em 2019 e comandado por Jon Favreau, foi sufocado pela tecnologia ao recriar a savana africana com detalhes que uma animação comum é incapaz de alcançar, como se fosse um documentário da National Geographic.
Favreau dobrou a aposta na realização de um mundo virtual em três dimensões e deixou de lado o que a animação da Disney, que está completando três décadas, tinha de mais especial: a história essencialmente humana a partir da importância da família.
Jenkins vai para um caminho inverso. Apesar de o avanço da tecnologia saltar aos olhos, após cinco anos ela não é a grande protagonista. O cineasta de “Moonlight”, ganhador do Oscar em 2017, imprime várias nuances aos seus personagens.
As emoções são mais palpáveis, ganhando leituras diversas, até mesmo políticas. O filme está o tempo inteiro falando de minorias, de leões desgarrados e de um poder “masculino”, usando o reino animal para apontar o dedo para uma sociedade desigual.
Ao contar a história do pai de Simba, Mufasa, que morre no filme anterior ao tentar salvar o filho, a sequência amplia as características de personagens como Rafiki e Scar, o irmão traidor do rei. No caso desse último, “Mufasa” reflete sentimentos bem atuais.
A maldade (unidimensional no primeiro) de Scar é justificada agora, ao crescer sob a influência de um pai conservador, que rejeita forasteiros – os imigrantes – e defende a adoção de fake news para que os seus não percam papel de força na sociedade.
Mufasa, por outro lado, cresce em meio a mulheres, desenvolvendo habilidades que visam fundamentalmente fortalecer o grupo. Quando Nala se deixa fascinar por esse altruísmo, é como se o filme assumisse a necessidade de um olhar mais plural.
O “ciclo da vida” de que tanto a franquia fala pode e deve ser atualizado, na visão de Jenkins. O que fez de Simba e Mufasa governantes dos bichos é a sua forma de atuar em prol do todo, confrontando uma ideia monárquica relacionada ao “rei da selva”.
Tudo isso recebe uma abordagem filosófica por meio do mandril Rafiki. Ele é uma espécie de pajé, banido de sua terra por ser diferente, mas sua paciência e generosidade dão o tom da narrativa de “Mufasa”, o que não exime o filme de problemas.
Um deles é adotar o formato de um flashback quando Rafiki reúne Kiara, filha de Simba, o suricato Timão e o javali Pumba para entretê-los enquanto os pais partem em uma missão. As quebras, provocadas pelo vaivém temporal, são muitas e desnecessárias.
Assim como na animação e em “O Rei Leão” de 2019, Timão e Pumba têm uma função cômica, compensando os momentos de tensão do flashback, que não são poucos. A ideia de acompanharmos quatro mortes pode não soar bem, especialmente para os pequenos.
Mas o divertimento gerado pela dupla é mal elaborado, caindo invariavelmente em piadinhas visuais. Essa maneira como entram na história os torna dispensáveis. O mesmo não pode ser dito sobre Kiara, importante, ao final, para entendermos o papel da família.